segunda-feira, 26 de março de 2012

Demonização de Israel alimenta antissemitismo, diz especialista

 Robert Wistrich diz que o uso "distorcido" do termo genocídio cria justificação para
o tipo de matança que ocorreu em Toulouse
O atentado em Toulouse, na França, em que três crianças judias e um rabino foram executados por um muçulmano francês, mostrou que o antissemitismo está vivo na Europa, alimentado por islamitas radicais sob a cumplicidade de partes da mídia e dos políticos.
Esta é a avaliação do professor Robert Wistrich, chefe do Centro Internacional de Estudos do Antissemitismo, da Universidade de Jerusalém, e um dos maiores estudiosos do mundo no tema.
Em entrevista à Folha, ele disse que desde o Holocausto o antissemitismo sofreu uma metamorfose na Europa, e hoje a principal força por trás é o islã fundamentalista, ao qual pertencia o terrorista de Toulouse. 

Folha - O atentado em Toulouse foi descrito por alguns como um ato de fanatismo isolado, por outros como parte da ascensão do antissemitismo na Europa. O que o sr. acha?
Robert Wistrich - Em minha opinião esse ato assassino se insere totalmente na lógica do jihad (guerra santa islâmica) contemporâneo. Em 1998, Osama bin Laden fez uma declaração, ignorada na época, em que dizia que o inimigo absoluto do islã é o que ele chamava de aliança entre judeus e cruzados, como ele se referia ao Ocidente cristão. Na época ninguém ligou. O mundo só começou a prestar atenção depois do 11 de Setembro.
Mas nos últimos dez anos nós vimos seguidos casos de ataques feitos por muçulmanos fanáticos e que muito frequentemente foram direcionados contra judeus e contra alvos não-judeus, como os atentados de Madri e Londres. Algumas vezes entre os atingidos também havia muçulmanos.
Esse tipo de ação não é novo. Talvez o único elemento novo nesses assassinatos de Toulouse seja a forma com que foi cometido, a sangue frio e direcionado contra crianças judias. Isso é o que causa mais choque. Foi um ato antissemita, mas também contra a França como símbolo do Ocidente.
Seu pretexto foi o envolvimento francês no Afeganistão e de que foi uma vingança pelas mortes de palestinos em Gaza, o que é uma ultrajante peça de propaganda. Mas é o tipo de propaganda que vem sendo engolida há tempos pela mídia ocidental. 
Até a ministra do Exterior da União Européia, Catherine Ashton disse que a mesma coisa no dia do atentado, ao comparar a ação de Toulouse com Gaza e com um acidente de trânsito na Suíça, em que crianças morreram. 

O sr. quer dizer que a mídia e os governos europeus de alguma forma encorajaram esse tipo de ação?
Há anos observo na mídia europeia, e certamente na francesa, uma tendência de apresentar a autodefesa de Israel contra o terrorismo como um genocídio contra o povo palestino. Isso é uma distorção grotesca da palavra genocídio.
Se isso é repetido continuamente, cria-se uma justificação para esse tipo de matança, pois é exatamente assim que o criminoso justifica seus atos.
O que é perturbador é que as pessoas não vejam a conexão entre o atentado e o incitamento que é repetido por tantos anos, às vezes sutil, às vezes diretamente. 

A Al Qaeda emitiu um comunicado afirmando que o terrorista pertencia à rede. Isso significa que há risco de novos atentados parecidos?
É claro que pode acontecer de novo. Há muitas semelhanças entre esse ataque em particular e outros exemplos, como os atentados em Londres e Madri, em que os terroristas eram muçulmanos nascidos na Europa. No caso de Toulouse, um cidadão francês de origem argelina.
Em todos os casos haviam recebido doutrinamento no Paquistão e no Afeganistão para se tornarem jihadistas. Pode acontecer na Espanha, na Alemanha e em qualquer país dentro ou fora da Europa, nos EUA ou na América Latina.
Infelizmente a polícia francesa não conseguiu capturar esse assassino vivo, para sabermos se fazia parte de uma rede terrorista. Um dos efeitos de a Al Qaeda ter sido desalojada de sua base no Afeganistão é que há células do grupo em diferentes países e elas se tornaram bem mais autônomas.
Com as conexões possíveis hoje graças à internet e outras tecnologias modernas, é possível agir por conta própria. São células motivadas pela ideologia da Al Qaeda e que não precisam de ninguém para lhes dizer o que fazer. 

A palavra antissemitismo significa ódio aos povos semitas, que também incluem os árabes. O conceito precisa ser redefinido?
Há vinte anos eu defini o antissemitismo como "o mais antigo ódio". O meu argumento é que, de todos os tipos de ódio, e há muitos, o antissemitismo é o mais antigo. Remonta a 2 mil anos, a mesma idade da diáspora judaica.
O antissemitismo, embora tenha algumas semelhanças com ódio a estrangeiros, tem elementos específicos. É preciso cuidado para não se deixar confundir pelo infeliz termo "semitismo". Na verdade o certo seria usar o termo ódio antijudeu, ou judeofobia. Porque o semitismo não é um conceito lógico, é um termo racista que foi criado no fim do século 19 por antissemitas que não se referiam aos árabes.
Quando falavam de semitas se referiam aos judeus, mas queriam que seu ódio soasse de alguma forma mais respeitável ou científico, o que obviamente não é o caso. O que é particularmente perigoso no antissemitismo dos últimos cem anos e está muito vivo hoje, são as teorias conspiratórias. Que os judeus tem um plano para controlar o mundo, que controlam a mídia, os bancos, os governos, a política externa dos EUA, por exemplo.
Os judeus costumavam ser acusados de conspirar a favor do comunismo, mas isso saiu de moda. 

Islamofobia e judeofobia tem origens comuns?
Do ponto de vista analítico é preciso fazer uma separação. Porque a islamofobia, como diz o termo, é o medo do islã como religião, principalmente. Não nego que haja medo e ódio ao islã, e que ele está crescendo. Ações como a de Toulouse certamente vão intensificar esse sentimento. Isso não justifica o ódio aos muçulmanos, porque a maioria deles obedece à lei e certamente não se identificam com essas ações.
O problema é que há grupos muçulmanos fanáticos que propagam essas doutrinas fundamentalistas que descrevem todos os não-muçulmanos como hereges e inimigos do islã. O antissemitismo tem origens bem diferentes, porque é baseado na fantasia do judeu, no judeu imaginário, na imagem do judeu herdada de séculos de história, e que continua viva.
É uma expressão muito mais potente de ódio. Apesar disso, há casos em que os ódios são paralelos. E talvez esse evento em Toulouse seja o caso, porque o assassino alvejou judeus e também soldados muçulmanos que considerava traidores do islã. Não é o mesmo que matar crianças judias, mas há um paralelo.
Em movimentos fascistas há pessoas que odeiam tanto judeus como muçulmanos, porque são vistos como estranhos a sua cultura, mas não é o mesmo tipo de ódio.
Em relação aos judeus há uma suspeita, embora eles sejam em número muito menor que os muçulmanos. Hoje há entre 35 e 40 milhões de muçulmanos na Europa e apenas um milhão de judeus. E ainda assim, o antissemitismo, em muitos países, é provavelmente mais forte que a islamofobia.
Segundo as estatísticas, num país como a França, nos últimos cinco ou seis anos, o número absoluto de ataques antissemitas foi muito maior que os ataques racistas em geral e contra os muçulmanos. E há dez vezes mais muçulmanos na França do que judeus. 

Há paralelos entre o antissemitismo na Europa de antes do Holocausto e de hoje?
Hoje é bem mais sutil. O tipo clássico de antissemitismo, que existia em quase toda a Europa antes do Holocausto, foi para o subterrâneo. Aos poucos começou a reaparecer na superfície, na vida social, em conversas privadas.
Eu lembro porque cresci na Europa e era muito visível na escola, até na universidade, mas não era politicamente ativo porque não era respeitável. E isso tem a ver com o Holocausto e com o estabelecimento de Israel, que no começo era visto positivamente em muitos países da Europa.
Essas reações mudaram e o antissemitismo tradicional passou por uma metamorfose, em que foi absorvido sob o rótulo de hostilidade a Israel.
A maior razão para isso é que não há lei em nenhum país contra ataques a Israel, mesmo de forma difamatória. Se alguém ataca judeus, chama alguém de judeu sujo em público, por exemplo, em muitos países pode até ser preso. Se for um político, pode ser o fim de sua carreira. Mas você pode demonizar o sionismo ou Israel o quanto quiser e não há punição nem condenação. Você pode até ser aplaudido por isso.
As pessoas que tem fortes sentimentos contra judeus, acharam a cobertura perfeita. 

Ativistas pró-arabes dizem que deve-se separar as críticas a Israel do antissemitismo. Como o sr. faz a distinção?
Claro que dizem isso. Se admitirem que tem algum elemento antissemita no que fazem, isso teria um impacto negativo. Por isso, é imperativo negar. Mas eles não entendem necessariamente o que estão fazendo.
Se você constantemente demoniza um Estado em que a maioria da população é de judeus, você está de alguma forma fazendo uma difamação do povo judeu, é inescapável. Se você prega o fim desse Estado, na verdade está pregando um novo genocídio. 

Essa não é uma forma de deslegitimar as críticas a Israel?
Pela minha experiência de viver neste país e conhecendo muitas pessoas envolvidas em muitas dimensões, nunca encontrei um israelense que chama alguém de antissemita por que criticou Israel. Às vezes israelenses reagem a críticas injustas de forma emotiva e as chamam de antissemita, mas é uma minoria. 

O sr. escreveu que o antissionismo é hoje a forma mais perigosa de antissemitismo? Por quê?
Um dos elementos mais fortes do antissemitismo moderno, seja nacionalista, marxista-leninista ou árabe-islâmico é que eles acreditam em uma conspiração judaica. Já foi contra o cristianismo, contra a cultura nacional, contra a economia, todo tipo de coisa.
Antissemitas acreditam em uma conspiração judaica. Mas a verdade sempre foi que a única conspiração que existiu até hoje foi uma conspiração antissemita, para remover, expulsar ou matar judeus. Às vezes é uma conspiração real, às vezes é imaginária. Mas faz parte de um desejo de alvejar os judeus e isso é deliberado, não é espontâneo.
Muitas pessoas comuns em países onde há hostilidade contra Israel ou judeus, não compartilham esse sentimento, mas quando há uma campanha orquestrada de desinformação cria-se hostilidade. Isso se chama incitamento. E há muito disso acontecendo pelo mundo hoje. Israel tem que se defender de todo tipo de falsas acusações, que são feitas quase todo dia. 

Qual a principal força por trás do antissemitismo hoje?
O islamitas, onde quer que estejam, seja a Irmandade Muçulmana do Egito ou em outras partes do Oriente Médio, sejam os jihadistas estilo Al Qaeda, seja o islã wahabista da Arábia Saudita, que com seus petrodólares construiu mesquitas e centros comunitários pelo mundo, seja os pregadores do ódio locais, supostamente baseados no Corão, mas eles também falsificam o Corão. Esses são os mais ativos, violentos e assassinos tipos de ódio hoje.
Mas há muitas outras forças. Existe a cumplicidade de esquerdistas, que dizem ser apenas contra Israel, mas com frequência apoiam esses grupos, como Hamas e Hizbollah, em manifestações. Toda vez que há uma guerra ou um confronto no Oriente Médio, como a guerra de 2009 em Gaza, ou a segunda guerra do Líbano em 2006, vemos esses esquerdistas gritando "Israel assassino" e apoiando os elementos islamitas radicais.
Há também a extrema direita, com uma forma mais tradicional de antissemitismo e muitos deles são também islamofóbicos.
Há ainda um quarto tipo, que é particularmente insidioso e muito raramente identificado apropriadamente, que é o neoliberal, um tipo de antissemitia "iluminado", que não apenas é veementemente contra Israel por causa de suas políticas, mas que ataca a própria base do país, questionando por que deveria haver um Estado judeu.
Tratam o judaísmo de forma derrogatória, falam sobre a Bíblia como se fosse um manual para o genocídio, julgam Israel de uma forma que jamais julgaria outro país. E isso é feito por liberais, que dizem ser defensores dos direitos humanos, de liberdades individuais. Mas que aplicam um padrão especial para Israel que não usam para julgar nenhum outro país.
Israel é o único país cujo fim é desejado abertamente. Qualquer um que declara que Israel deve desaparecer ou que é a causa de todos os problemas do Oriente Médio, ou que Israel foi um erro histórico, na minha opinião está na verdade sendo cúmplice de um genocídio potencial. 

Dizer que Israel foi um erro constitui antissemitismo?
Se você diz sobre um Estado já existente, com uma população de 7 milhões, que ele é um erro, você está implicitamente dizendo que não deveria estar lá. Algumas pessoas são mais explícitas, dizendo que é preciso contribuir para o seu desaparecimento, isso para mim é não só uma calúnia, é muito mais sério, porque diz que um Estado não tem o direito moral de existir, e por isso é uma forma de incitamento e pode levar a resultados terríveis.
Neste sentido eu acho que é antissemita e pode alimentar o antissemitismo, porque se alguém diz que foi um erro está basicamente culpando-o por tudo o que deu errado na região. E também singulariza Israel, porque as pessoas que falam isso nunca falam dos países vizinhos, isso é um erro histórico.
A Jordânia, por exemplo, é em muitos sentidos um Estado muito mais artificial que Israel, mas ninguém fala que é um erro histórico, não falam sobre a Síria, o Egito, ou qualquer outro país. Embora não seja o antissemitismo tradicional, em última análise, alimenta a mesma coisa, o desaparecimento dos judeus, recusar a sua existência coletiva.
Crítica a Israel é algo praticado todos os dias dentro do país. Todos criticam, incluindo eu. Não há um único dia sem que critiquemos algum aspecto da sociedade, seja a cultura, ou o governo. Mas isso é prática democrática normal. Mas quando uma pessoa nega a existência de Israel não tem nada a ver com crítica.
As pessoas que criticam as políticas de Israel, tudo bem, não há nenhum problema, contanto que elas apliquem o mesmo julgamento para outros países. Eu estou falando de atitudes e reações e declarações e ações que buscam negar a existência de Israel como Estado. 

Israel foi criado para proteger os judeus do antissemitismo. Acabou virando motivo de antissemitismo?
Há uma ironia histórica, mas não trágica, porque a mais importante conquista de Israel em relação a seu objetivo original foi pôr um fim às verdadeiramente trágicas condições dos judeus na véspera do Holocausto e durante, em que eles eram impotentes.
Quando os alemães e depois seus colaboradores decidiram que iriam exterminar os judeus da Europa, não havia nada que eles pudessem fazer, porque não tinham um Estado, um território, um Exército, qualquer existência política.
Neste sentido, apesar de Israel ser o foco de outro tipo de antissemitismo hoje, não é exatamente o mesmo tipo de 70 anos atrás, é um ponto relativamente pequeno diante do fato de que Israel pode se defender, o que o povo judeu não podia fazer há 70 anos. 

As ações do governo israelense citadas pelos terroristas, como a ocupação dos territórios palestinos, contribuem para o aumento do antissemitismo?
Eu categoricamente rejeito, com base em anos de pesquisa, a proposição de que há uma conexão real entre ocupação e antissemitismo.
Há só uma ligação: essa foi a principal fonte da campanha de desinformação e intoxicação promovida pelos palestinos e árabes na opinião pública internacional, fazendo com que Israel seja continuamente condenado. No chamado Conselho de Direitos Humanos da ONU, 75% de todas as condenações são direcionadas contra um pequeno país, cujo desrespeito aos direitos humanos é minúsculo se comparado aos abusos em grande escala cometidos todo dia no Oriente Médio e outras partes do mundo, que nunca são discutidos.
Nesse sentido, a ocupação, indiretamente, alimenta o antissemitismo. Mas acho que não é a razão, porque o antissemitismo palestino existia bem antes da guerra de 1967. E se você ouvir as declarações vindas do mundo árabe nas semanas anteriores à Guerra dos Seis Dias, quando não havia territórios ocupados, você percebe que o objetivo era a aniquilação do Estado judeu. Muito da retórica era antissemita. Isso não mudou. 

Se amanhã Israel sair dos territórios amanhã, nada mudará?
O que mudará, e isso poderá surpreendê-lo e chocar certas pessoas, mas estou absolutamente convicto disso, é que se Israel cometer esse erro gigantesco, cujo único resultado seria tornar uma guerra total no Oriente Médio mais provável, acredito que teríamos, num curto prazo, uma intensificação da retórica de demonização.
Toda vez que Israel se retirou de qualquer território nos últimos 20 anos, não houve fim para o incitamento. Saímos do sul do Líbano apenas para que o Hizbollah, que é uma organização profundamente antissemita, tomasse o controle do sul do Líbano, e hoje de todo o país.
A retirada de Gaza criou o "Hamastão", o Estado do Hamas, que em sua constituição tem vários parágrafos antissemitas. Alguns até baseados nos Protocolos dos Sábios do Sião [texto forjado na Rússia czarista descrevendo uma conspiração judaica para controlar o mundo], cujo objetivo é varrer Israel do mapa, assim como o Irã faz há trinta anos. Esses grupos estão esperando mais uma retirada, porque qualquer concessão de Israel será vista como sinal de fraqueza e levará a uma guerra total de consequencias desastrosas. 

Raio-X - Robert Wistrich, 67
ORIGEM
Nascido no Cazaquistão, filho de poloneses que fugiram do antissemitismo na Ucrânia
FORMAÇÃO
Fez carreira acadêmica em Londres antes de ir para Israel, em 1980. É chefe do Departamento de Estudos do Antissemitismo, em Jerusalém. Participou da comissão que examinou ações do papa Pio 12 sobre o Holocausto (1999-2001)
OBRAS
Escreveu dezenas de artigos e mais de dez livros sobre o antissemitismo, como "Hitler e o Holocausto" (Ed. Objetiva)
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Reportagem por MARCELO NINIO DE JERUSALÉM
Fonte: Folha on line, 26/03/2012

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