domingo, 22 de janeiro de 2012

Rubem Alves - do Universo à Jabuticaba

Rubem Alves*

MOMENTOS EFÊMEROS

Aí, de repente, os meus olhos se abriram, e vi como nunca havia visto. Senti que o tempo é apenas um fio. Nesse fio vão sendo enfiadas todas as experiências de beleza e de amor por que passamos. Aquilo que a memória amou fica eterno. Um pôr do sol, uma carta que recebemos de um amigo, os campos de capim-gordura brilhando ao sol nascente, o cheiro do jasmim, um único olhar de uma pessoa amada, a sopa borbulhante sobre o fogão de lenha, as árvores de outono, o banho de cachoeira, mãos que se seguram, o abraço de um filho: houve muitos momentos de tanta beleza em minha vida que eu disse para mim mesmo: “Valeu a pena eu haver vivido toda a minha vida só para poder ter vivido esse momento. Há momentos efêmeros que justificam toda uma vida”.

ESTAÇÕES
Um amigo nos havia convidado a passar alguns dias na Motanha Pocono, nos Estados Unidos. Não havia nevado ainda: as árvores estavam despidas de folhas, as birch com suas cascas brancas, as outras vestidas de negro.
Naquela noite nevou. Nevou muito. Tudo se arredondou com a neve: as árvores, os arbustos, os campos, os caminhos. A camada de neve deveria ter mais de quarenta centímetros de fundura. Tudo absolutamente liso. Dava dó caminhar sobre a neve, porque os nossos passos estragavam a perfeição do lençol branco.
Ao escrever este texto dei-me conta de que talvez, inconscientemente, eu tivesse me inspirado nessa casa – e faz mais de trinta anos! – quando descrevi para a minha filha Raquel, arquiteta, a casa com que eu sonhava: um grande espaço sem paredes que o dividissem, janelas de vidro, cozinha, sala de jantar, sala de televisão e música, varanda, tudo se comunicando para que ninguém ficasse excluído do convívio. Só faltou a lareira.
Quem sonhou aquela casa na montanha sonhou com o aconchego. Todos juntos, crianças, velhos, adultos, convidados, rindo, comendo, bebendo, conversando. Pois não é para isso que se constrói uma casa? Para a comunhão e o amor?
Aí, olhando para fora através do vidro vi um homem que andava ao redor da casa, fazendo coisas, mas não participava do nosso convívio.
“Quem é esse homem?” perguntei ao meu amigo.
“Ele é o dono da casa. Ele está alojado num apartamento no porão da casa. E, sendo amigo, nos cedeu a parte de cima...”
Aí ele fez silêncio e acrescentou: “Sua mulher arranjou um novo amor e agora está sozinho...”
Enchi-me de compaixão. Mas pensei que na vida das pessoas acontece como a natureza. O tempo passa. As estações se sucedem. E depois do inverno a primavera volta...
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Fonte: ALVES, Rubem. Do universo à jabuticaba. SP, Editora Planeta do Brasil, 2010, pp. 144/145.
Imagens da Internet

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