terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A mãe natureza e a mãe pátria

Lya Luft*
A mãe natureza teve seus contrates, seus caprichos, seus ardis, encantos e horrores. A um tempo fera e fada, pode nos destruir com um terremoto, ou avalanche, ou um deslizamento, e nos levar ao paraíso com suas belezas e surpresas. Diante dela somos a um tempo reis e pobres desamparados. Não sei se é apenas por influência das nossas perversas atividades humanas, industriais e outras, que ela anda resmungando, mas o que se sabe é que sempre, em milhões e milhões de anos, houve alternância de bonança e terror, épocas de gelo, de seca, de calor, de vida e destruição. Não sei se somos perniciosos, pequenas cracas grudadas feito parasitas na pele rugosa dessa velhíssima bruxa, mas, seja como for, as coisas andam calmas.
Entre nós, de um lado chove demais, no Rio, em Minas e outros locais. Assim se tragam vidas humanas, casas, lares, passado e futuro de muitíssima gente; de outro, a seca atormenta, angustia e empobrece quem com grande dificuldade e pouco apoio se dedica a produzir alimento. As notícias dos jornais e televisão são de cortar o coração: mais ainda do que a dor atual, a vergonha que é ver em Nova Friburgo, por exemplo, carros atolados na lama há um ano, casas destruídas ou desaparecidas totalmente no barro, montanhas de escombros, um teleférico encarapitado num morro, e gente desalojada, em abrigos, em casa de amigos, em barracas... há um ano.
Aí entra a mãe pátria: o que anda fazendo para socorrer tanto sofrimento inocente? O que cumprir daquilo que prometeu? Imagino que as autoridades tenham destinado bom dinheiro e amplos recursos para resolver essa desgraceira, e não submeter o povo sofrido a tanta indignidade. Naturalmente recursos existem, não somos a sexta potência mundial? Não damos aumentos vastos a deputados, senadores, juízes e outros? Não temos planos mirabolantes para copas e olimpíadas e demais esportividades?
“A um tempo fera e fada, a mãe natureza
pode nos destruir com um terremoto,
 ou avalanche, ou um deslizamento, e
nos levar ao paraíso com
suas belezas e surpresas”.
Não parece que muita coisa tenha ido além de promessas, ou os carros não estariam mais atolados na lama, as casas esmagadas ou soterradas no barro, os cadáveres nunca encontrados teriam seu repouso decente, as pessoas não andariam curvadas ao peso do abandono, da decepção e do sofrimento humilhante. Da falta de casa, de trabalho, de saúde, de esperança. Da decepção com todas aquelas promessas de um ano atrás. Ou mais ainda, pois em Niterói, aquele Morro do Bumba, que parou em espanto e emoção o país inteiro há um ano e mais, deve continuar na mesma. A mãe natureza exerce seu papel de bela ou cruel: nós, a mãe pátria, como exercemos a nossa finalidade de cuidar bem de nosso filhos? Ninguém mora em encostas perigosas porque deseja, mas possivelmente porque não tem dinheiro, instrução, amparo, para viver de melhor forma. Ninguém quer construir seu lar, por modesto que seja, onde seus filhos serão sepultados em lama e horror. Oportunidade de vida digna é o que a mãe pátria tem obrigação de dar a seus filhos, todos, sobretudo os mais desassistidos deve ser, e imagino que seja, o objetivo maior de todo bom governante, fugindo a politicagens, acordos, jogos de poder, troca de favores e desmanchando estruturas perversas.
Nunca entendi da política, sempre me deu mais medo do que interesse, a ainda me assombra nossa facilidade para desviar os olhos das grandes dores do povo. Admiro e respeito o esforço sobre-humano de quem, na mais alta posição, tem realmente vontade e determinação de acertar, de ajudar, de amparar, de, verdadeiramente, mudar alguns rumos e consertar velhos hábitos ruins desta mãe pátria nossa. As previsões são sombrias quanto ao clima, e não muito animadoras quanto à atitude e providências imediatas que precisam ser tomadas, superando divergências, egoísmos, competições menos nobres, interesses menos dignos, em favor dos que tanto e há tanto tempo aguardam desesperadamente soluções imediatas, sem desculpas, sem enganos, sem cruéis adiantamentos ou mentiras. Que nos ajudem os deuses, todos, e que nos abençoem principalmente os da esperança finalmente atendida.
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* Escritora. Tradutora. Colunista da VEJA
Fonte: Revista VEJA impressa, 18 de janeiro de 2012 - Ed.2252 pág.22
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