quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Louvar os gênios

Antero Greco*

Pelé acertou e errou. Bola dentro, ao citar
o músico alemão e o pintor italiano,
dois milagres da natureza. Bola fora, pois
não foram únicos em seus gêneros.
Bach, Mozart, Chopin, Tchaikovski seriam o quê?
Como classificar Rafael,
Da Vinci, Van Gogh, Picasso?
Quer tirar Pelé um pouco do prumo? Pergunte-lhe se este ou aquele astro do momento vai desalojá-lo do trono que ocupa desde o fim dos anos 1950. O Rei do Futebol tem a resposta na ponta da língua: "Se marcar mais de mil gols e ganhar três Copas do Mundo, conversamos." A ironia serve para enquadrar súditos mais ousados e manter a Majestade Real em eterna evidência. Aliás, justa.
Nos últimos tempos, Pelé tem recorrido a essa argumentação para rebater projeções que se fazem em torno de Leonel Messi. O moço argentino acumula façanhas, encanta multidões, arrasa defesas adversárias, ganha prêmios e dinheiro a rodo. Com 24 anos, já levou três vezes o troféu de melhor do mundo oferecido pela Fifa e, na toada que segue, vai encher muitas prateleiras. E o bolso.
É normal, portanto, que atraia elogios e provoque comparações - com Pelé e com seu compatriota Diego Maradona. Os dois monstros sagrados, que há três décadas se cutucam mutuamente, nessa hora se unem e dão estocadas no ídolo do Barcelona. Ambos rasgam seda para o jovem, sem exageros, e dão um jeito de colocar um "mas, porém, contudo, todavia", quando se trata de vê-lo como o maior de todos os tempos. Vacilam no louvor, porque no íntimo temem que apareceu alguém que possa ofuscá-los. E, mesmo extraordinários, os craques de ontem são seres humanos, têm inseguranças como todos nós. Sentem ciúme.
Não deveria ser assim. Pelé e Maradona pertencem a linhagem especial, no esporte e na vida, ocupam lugar de destaque na história do futebol. São dois gênios do fascinante jogo de bola. Sem desmerecer qualquer outra manifestação de refinamento humano, foram artistas incomuns. Pelé afirmou, para a France Football, que se vê como um Beethoven ou um Michelangelo. Dessa maneira, quis estabelecer limite entre ele e Messi. Pretendeu fixar distância do jovem herdeiro.
Pelé acertou e errou. Bola dentro, ao citar o músico alemão e o pintor italiano, dois milagres da natureza. Bola fora, pois não foram únicos em seus gêneros. Bach, Mozart, Chopin, Tchaikovski seriam o quê? Como classificar Rafael, Da Vinci, Van Gogh, Picasso? Enumero de cabeça, na base do senso comum e de meus parcos conhecimentos culturais. Imagino quantos mais merecessem lembrança.
Cada um foi notável em sua época, e todos arrastam fama até hoje porque estavam além e acima dos demais nas respectivas áreas. Aproveitaram lições de outros mestres, entenderam o tempo em que viveram, utilizaram recursos que estavam disponíveis e, claro, contribuíram com criatividade, com inovações. Enfim, foram também símbolos de originalidade e aperfeiçoamento. Gênios.
Evolução semelhante ocorre no esporte. Jesse Owens deixou até Hitler embasbacado e enfurecido, ao correr os 100m em 10,2 segundos, em 1936. Marca incrível para aquele período e hoje inexpressiva diante dos 9,58 de Usain Bolt. Apesar do abismo, um e outro estão no olimpo dos maiorais do atletismo, por terem sido raros em seu tempo. Assim como Carl Lewis, ou na natação como Johnny Weissmüller, Mark Spitz, Ian Thorpe e outros que derrubaram recordes e provocaram estupefação. Épocas distintas, mas homens que realizaram maravilhas.
Não há razão para Pelé, Maradona, ou quem quer que seja, diminuírem Messi. O brilho deste não ofusca o daqueles, assim como não destronará Garrincha, Puskas, Zidane, Cruyjff, Beckenbauer, todos virtuoses. Portanto, bem-vindo ao clube o pequenino camisa 10 do Barça e que hoje dê novo recital diante do Real. Que venham, mais tarde, outros e outros gênios.
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* Jornalista. Cronista do esporte.
Fonte: Estadão on line, 25/01/2012
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