domingo, 15 de janeiro de 2012

''Acredito em Deus e em Cristo, mas não na Igreja''. Entrevista com Hans Küng

''Acredito em Deus e em Cristo, mas não na Igreja''.
Entrevista com Hans Küng "A Igreja Católica
está doente. É preciso desdobrar o Vaticano II.
Eu tinha ilusões, mas agora tenho clareza
que a mudança não virá das
mãos de Ratzinger".

Ele está há 83 anos no seio da Igreja Católica e não se arrepende. Nunca quis dar baixa nem se converter ao protestantismo para perder o papa de vista de uma santa vez. Um esclarecimento que não é gratuito quando se trata do padre suíço Hans Küng, uma lenda viva da teologia de língua alemã, que ainda se mantém na ativa, seja reivindicando o sacerdócio das mulheres ou o uso da pílula. Apesar de sua idade, não lhe falta vontade de se estender em uma conversa telefônica do seu escritório da Fundação Ética Mundial, instituição interdisciplinar com sede em Tübingen.
Bastam alguns segundos para detectar imediatamente a energia e o caráter que lhe permitiram seguir em frente e não se enrugar perante a Santa Sé: "Você se atrasou 10 minutos! Vejo que o seu sentido metafísico do tempo não coincide com o meu", queixa-se com fina ironia. Nunca gostou que lhe façam esperar. Ele recém reeditou na Espanha La Mujer en el Cristianismo (Ed. Trotta) e, em seu país natal, o seu último trabalho, Ist die Kirche noch zu retten? (A Igreja ainda pode ser salva?), já abriu um furo nas listas de best-seller.
Aqueles que o conhecem suspeitam que ele é descendente de Guilherme Tell, à luz do arrojo com que dispara as suas críticas. "Já é hora de que o Vaticano abandone um sistema absolutista que data do século XI. Foi então que os papas foram criados com todo o poder e impuseram o clericalismo, isto é, a preponderância dos padres que marginaliza os leigos. Isso não pode continuar!", reflete em voz alta, com a convicção de "um membro fiel da Igreja, que acredita em Deus e em Cristo, mas não na Igreja". Eis aí a nuance.
Sua condição de teólogo "independente", sem autorização eclesiástica, lhe permite falar com total liberdade. Desde 1979, quando a Congregação para a Doutrina da Fé lhe privou da licença, ele se sente um novo homem. Ele foi castigado por falar sem reservas e, de repente, ganhou asas para apontar para tão longe quanto quisesse.
Recentemente, a revista alemã Der Spiegel chegou a comparar Bento XVI com Vladimir Putin, "porque ambos herdaram um legado de reformas democráticas e, em vez de irem para a frente, vão para trás".
Em sua opinião, o Concílio Vaticano II é a grande questão pendente, um roteiro que permitiria recuperar o caminho perdido antes que seja tarde demais. "A Igreja Católica está doente. Seu mal é uma hierarquia absoluta que não faz parte essencial da sua natureza. Não é algo imprescindível. É preciso desenvolver o Concílio Vaticano II", insiste com paixão e com os olhos postos naquela época, a década de 1960, quando ele acreditava que o autoritarismo e o culto da personalidade – "há muito disso agora" – não tardariam a ser superados graças ao impulso de João XXIII.

Rixa com Ratzinger
Naquela época, ele disputava com Joseph Ratzinger, quando ambos tinham cerca de 30 anos, e eram "progressistas" e brilhantes que aspiravam a renovar a Igreja. No entanto, seus caminhos não demoraram para se separar, levados pelas circunstâncias e por modos muito diferentes. Bento XVI se aferra à tradição e à ordem, enquanto Hans Küng ainda se inclina pelo diálogo e pelo progresso. São duros, constantes e com uma inteligência descomunal. Alemães de pura cepa, que resistem em jogar a toalha.
Uma atitude que tem seu mérito à luz das estatísticas de 2010 sobre apostasias e batismos na Alemanha: pela primeira vez, houve mais abandonos (181.000) do que ingressos (170.000). Desde os anos 1960, foram perdidas dezenas de milhares de padres; cada vez mais paróquias ficam sem serviço religioso; e os mosteiros definham sem mudança geracional. A pátria de Ratzinger, onde 32% da população são católicos, não segue em massa os ditames do Vaticano. Uma tendência que confirma a crise do catolicismo apostólico romano na Europa.

Eis a entrevista.

O que o senhor pensa dos movimentos conservadores (Opus, Legionários, kikos...)?
Eu sei que na Espanha se fala muito deles. E não duvido de que há aqueles que depositam toda a sua confiança neles... Mas eu não. A sociedade vai em outra direção! Se apostarmos só na linha conservadora, todos sairemos perdendo.

Se o senhor tivesse 20 anos, se sentiria atraído a ser padre?
Eu não me arrependo de fazer parte da Igreja. Nem o meu batismo nem o meu ingresso como sacerdote são motivo de amargura. Muito pelo contrário.

Mas se fosse jovem agora...
Bem, não me interrompa. O que eu posso dizer? A Igreja atual é muito hierárquica, nada democrática e não responde às expectativas da maioria da juventude. Os movimentos conservadores, insisto, não representam os jovens.

A esta altura, o que lhe parece o atual papa?
Eu tinha ilusões, mas agora tenho clareza de que a mudança não virá das mãos de Ratzinger.

Quando foi a última vez que Bento XVI lhe escreveu?
Há pouco tempo, ele me agradeceu, pela mediação do seu secretário, o envio do meu último livro, Ist die Kirche noch zu retten?. Fico feliz que a relação entre nós não tenha se rompido. No mais, espero que o próximo papa seja muito diferente.

O senhor critica o celibato entre os padres, mas lhe parece saudável o dos monges e das freiras?
Ah, isso é diferente. As ordens religiosas são como associações privadas, com uma série de cláusulas que são aceitas livremente. O celibato faz parte da sua identidade. Enriquece-lhes. Nada a ver com o caso dos padres, em que há uma imposição sem nenhum fundamento.
Uma curiosidade: por que Deus é Pai e não Mãe?
Não, não, Deus está além da identidade sexual. Nas Sagradas Escrituras, há metáforas tanto masculinas quanto femininas. Enfim, veja, é uma das muitas confusões que foram se arraigando ao longo da história.
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A reportagem é de Isabel Urrutia, publicada no sítio Diario Vasco, 13-01-2012.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 15/01/2012

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