sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Um menino no triciclo

DAVID COIMBRA*
Cheguei em casa, no começo de uma dessas noites amenas de verão, e deparei com meu filhinho pedalando o seu triciclo no pátio. Uma cena comezinha, mas que me enterneceu. Porque um menino de quatro anos de idade brincando no pátio de casa, ao cair de uma noite morna, essa é a vida como a vida deve ser. O que há de menos premeditado do que isso? O que pode ser mais simples e mais próximo do ideal? Todas as casas do mundo deveriam experimentar a paz de um menininho andando em seu triciclo no pátio, sob as vistas dos pais.
Ao mesmo tempo, pensei que tenho de aproveitar esses momentos da infância do meu guri. Tenho de sorver cada instante, gravar bem dentro de mim essa inocência, essa ausência de malícia, porque logo passa, logo ele cresce e se transforma em outro ser humano, com outra vida.
É algo que todos dizem: “Aproveita, a infância passa rápido!”. Como se o tempo, para ele, fosse mais veloz do que o nosso tempo de adultos. Trata-se de uma ilusão. O tempo é breve para todos nós, tanto para ele quanto para mim. O que sou agora logo se transformará, vou ser outra pessoa, com outra vida.
São muitas vidas numa só. Cada uma é um ciclo. Você frequenta uma roda de amigos, todos se gostam e vão aos mesmos lugares. Aquela convivência irá se sofisticar, talvez se aprofunde, mas, aos poucos, as pessoas vão se desgarrando. Um se casa e se afasta, outro muda de cidade, um terceiro troca de emprego e passa a se dedicar mais aos colegas de empresa. E um dia, sem que você perceba, aquela vida acaba. A turma não existe mais. Aquela vida se extinguiu, assim como já se extinguiu a vida na faculdade, na escola, no antigo emprego, no ex-casamento, no bairro da sua infância, onde talvez você pedalasse um triciclo no pátio de casa, debaixo do sorriso satisfeito dos seus pais.

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Outro dia mesmo, eu era um guri, eu tinha 12 anos de idade. Encontrei os meus amigos de infância, o Amilton, o Jorge, mais meu irmão Régis, e nossos assuntos eram os mesmos de quanto tínhamos 12 anos, e nos sentíamos exatamente como naquele tempo.
Na essência, sou a mesma pessoa, mas tudo mudou de lá para cá. E, às vezes, tenho saudade daquele menino de 12 anos ou do guri de 22.
Quando me tornei um homem? Lembro de, certa feita, eu lá com meus 22 anos, conversava com uma exuberante morena de 28. Ela era sensual e lânguida como uma gata em cima do telhado e debaixo do sol. Ela era uma feiticeira. Então, por algum motivo, ela me disse:
– Um homem só se torna um homem de verdade depois dos 25 anos.
Senti-me humilhado, tive vontade de bater nela.
Quando completei os 25, pensei: terei me transformado num homem?
Não sei. Acho que não. Acho que ainda era um guri. Talvez ainda seja. Talvez só seja um homem de verdade quando olho para o meu filhinho pedalando o seu triciclo no pátio de casa, e suspiro de contentamento, e penso que tenho de aproveitar esse terno ciclo da vida dele e da minha, porque os ciclos são velozes, eles são breves, eles acabam um dia. E não voltam nunca mais.
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* Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 23/12/2011
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