quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O retorno da lenda do Fausto

Rosino Gibellini*
Fausto é uma expressão da condição humana
no seu contínuo estar
em busca da felicidade.
Fausto como cientista
vai em busca do Todo:
é teólogo panteísta.

A análise é do teólogo italiano Rosino Gibellini

O "Leão de Ouro" conferido pelo Festival de Veneza de 2011 para o diretor russo [Aleksandr] Sokurov pelo filme Fausto, que apareceu agora nas telas da Itália, também representa o retorno cultural do mito de Fausto. O filme de Sokurov é uma retomada livre da figura de Fausto, protagonista do monumental (mais de 12 mil versos) poema dramático Fausto, de Goethe, escrito a partir do "quinquênio genial" (1770-1775) e concluído, em sua complexidade, poucos meses antes da sua morte, no verão de 1831.

No filme, Fausto é uma expressão da condição humana no seu contínuo estar em busca da felicidade. Deixemos o comentário aos críticos de cinema. Mas também é uma oportunidade para a retomada do grande texto de Goethe, a cujo comentário os teólogos também contribuíram, dentre os quais Jaroslav Pelikan em seu Faust teologo (1995; tradução italiana da Ed. Medusa, Milão, 2002), que aqui queremos revisitar no contexto da temática teologia e literatura.

Jaroslav Pelikan (1923-2006) foi um dos mais cultos teólogos norte-americanos do século XX. Teólogo norte-americano de origem eslovena por parte família emigrada aos EUA e professor da Yale University, era um luterano que havia passado, nos últimos tempos, para a Ortodoxia, pelo seu amor pela arte e pelo desejo de uma liturgia mais intensa. Um de seus primeiros textos em tradução italiana pode ser encontrado em Teologia dal Nordamerica (Giornale di Teologia 80, Queriniana, 1974). Autor de uma vasta história da teologia, com o título La tradizione cristiana, em cinco volumes (1973-1990), também era muito atento à arte, à música e à literatura. Ele mesmo confessa que lia todos os anos, na íntegra e em alemão, o Fausto de Goethe.

Pelikan situa a obra de Goethe com estas coordenadas temporais: "Na história espiritual e literária do Ocidente, há pelo menos quatro grandes representações dramáticas que se colocam no marco da Semana Santa: na tradição de Leipzig, o Domingo de Ramos era o dia da execução da Paixão segundo Mateus, de Johann Sebastian Bach; Dante situa o início da Divina Comédia na manhã da Sexta-Feira Santa; o mesmo dia, no Encantamento da Sexta-Feira Santa, o momento o ápice dramático e musical do Parsifal de Richard Wagner, quando 'toda criatura dá graças, tudo o que floresce e logo morre, porque hoje uma natureza liberta do pecado chegou ao dia em que lhe é restituída a inocência'; na noite do Sábado Santo, enfim, enquanto o coro dos anjos canta 'Cristo ressuscitou' (v. 765), tem início a ação do Fausto, de Johann Wolfgang von Goethe" (p. 15).

Sobre a obra de Goethe: "Existe uma longa tradição de estudiosos que nela viram uma grande alegoria, ou melhor, uma série de alegorias da condição humana na era moderna" (p. 15). O personagem Fausto também é doutor em teologia: "Filosofia estudei, direito e medicina, e, infelizmente, teologia, do início ao fim, com todas as minhas forças" (vv. 354-57). O diabo, Mefistófeles, a quem Fausto, com 30 anos (segundo a crítica moderna), vendeu a alma pela busca da felicidade: "Detém-te, ó átimo, porque és belo", também o chama de "doutor". Mas: "Do início ao fim, Mefistófeles está sempre em busca de algo para derramar a sua própria maldição niilista (cf. vv 2.805-6)" (p. 98).

No seu documentado estudo sobre a teologia, ou sobre as teologias, de Fausto (e do próprio Goethe), Pelikane inspira em um dos aforismos expressos por Goethe em Máximas e Reflexões: "Estudando a natureza, somos panteístas; poetando, politeístas; eticamente, monoteístas" (p. 29). São três "modos de pensar", de interpretar dialeticamente, assim como as "três esferas existenciais" de Kierkegaard (estética, ética, religiosa). Sublinha-se que, entre os "três modos de pensar" evocados por Goethe, "não está prevista a quarta possibilidade do ateísmo. [...] Por isso, Fausto é um buscador de Deus, não um negador de Deus. [...] Isso não apenas porque Fausto, como Goethe, não se contenta com um único modo de pensar, mas deve sempre competir com 'as múltiplas direções do [seu] ser'. O fato é que o tipo de moral, e, portanto, a definição de monoteísmo, através do qual Fausto chega à salvação, transcende, sim, o panteísmo científico e o politeísmo poético, mas jamais os nega totalmente e os leva até a pleno cumprimento, alcançando a sua sublimação" (pp. 29-32).

Fausto como cientista vai em busca do Todo: é teólogo panteísta: "Para Fausto, a Natureza não é um resultado subordinado ao ato soberano de um Criador transcendente, como defende a ortodoxia judaico-cristã, mas 'funda, a partir de si mesma, a si mesma" (v. 10.097)" (p. 49). A confissão de fé panteísta deriva, sobretudo, da grandeza da Natureza e da experiência do Infinito na finitude. Bem no meio de uma discussão com Mefistófeles, "Fausto chega à mais explícita formulação da antítese entre o niilismo de Mefistófeles e o próprio panteísmo: 'No teu Nada, espero encontrar o Todo' (vv. 6.255-56)" (p. 54).

O panteísmo do cientista passa através do politeísmo do poeta e do mago: do mundo como Todo (no neutro to Pan) ao deus grego da mitologia (ao masculino ho Pan). Mas o politeísmo poético da antiguidade e o politeísmo da bruxaria – deuses e deusas, musas e bruxas, "as amantes do diabo" – é posto ao serviço do panteísmo, mas exige, em suma, a iluminação que provém do filósofo moral monoteísta.

Em síntese, segundo Pelikan: "Para o Fausto de Goethe, embora nem sempre para o protagonista do drama, a ciência e a poesia são e continuam sendo necessárias para definir a própria essência da humanidade. [...] Portanto, até o panteísmo da ciência e o politeísmo da poesia não perdem validade aos olhos de Fausto ao longo da sua evolução. [...] A relação entre o Fausto cientista, o Fausto poeta e a sua posição final de filósofo moral deve ser entendida em sentido não apenas de desenvolvimento, mas também de relação dialética, e o mesmo pode ser afirmado para a relação entre o panteísmo, o politeísmo e o monoteísmo final" (p. 85). Nesse processo, Fausto consegue compreender que o seu caminho, na companhia do diabo, não o leva aos seus objetivos panteístico-científicos ("o Todo"), nem aos estético-politeístas ("mas me aumenta força e arte"), mas sim ao "Nada" de Mefistófeles: "Se o primeiro sinal do ingresso de Fausto no mundo niilista de Mefistófeles foi o interesse pela magia negra, do mesmo modo, a drástica ruptura com a bruxaria marca a saída do protagonista desse mesmo mundo e, ao mesmo tempo, a passagem para o mundo da liberdade e da humanidade autênticas, da moralidade e, enfim, do monoteísmo" (p. 99).

"A salvação final de Fausto é assegurada quando os anjos, 'levando embora a parte imortal de Fausto', o arrancam das garras de Mefistófeles (no v. 11.824). E depois, enquanto "levam embora a parte imortal de Fausto", anunciam como fato consumado que "este nobre anel do mundo espiritual" foi "salvo do mal", porque qualquer pessoa que "sempre se esforçou para 'lutar'" pode ser redimida" (p. 113).
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* Doutor em teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e doutor em filosofia pela Universidade Católica de Milão. É diretor das coleções teológicas da Editora Queriniana, de Brescia, Itália.
Fontes: O artigo foi publicado no blog Teologi@Internet, 13-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto. IHU on line, 15/12/2011

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