sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Fim de ano de excessos? A dica é compensar

Suzana Bonumá: nutricionista diz como compensar
os excessos de fim de ano sem fórmulas mágicas e
ataca as dietas milagrosas em entram na moda.

Os excessos alimentares desta época do ano são tema recorrente no consultório da nutricionista Suzana Bonumá. "É a hora em que todos anunciam que vão parar a dieta e retomar as restrições só no ano que vem", diz ela, cansada de ouvir sempre o mesmo discurso. Cética com relação às dietas milagrosas que surgem a cada estação, Suzana tenta convencer seus clientes de que não há vida saudável sem esforço e que ninguém engorda pelas loucuras de uma única noite. Para enfrentar orgias gastronômicas, sugere algumas compensações que valem para qualquer época, para qualquer jantar.
Formada pela Universidade de São Paulo e especializada em nutrição aplicada ao esporte, ela trabalhou por oito anos no Hospital das Clínicas na área clínica e esportiva. Essa experiência resultou no livro "A Dieta do Corredor" (ed. Academia). Veja, a seguir, um extrato de suas opiniões e algumas sugestões para começar o ano com promessas bem mais realistas.

Na onda do vale tudo - O principal problema é que o Natal começa em novembro. Dezembro é meio fim de feira, as pessoas se permitem fazer muito mais furos com a dieta do quem em qualquer outra época. Isso se torna um problema, porque as ceias de Natal e Ano Novo, em si, não são problemas. O problema é a ceia que dura uma semana, o Natal que começa antes, com as pessoas tomando um chopinho todo o fim de dia e comendo o panetone que já está no supermercado desde setembro. Esse conjunto de fatores acaba por influenciar muito o peso e a gente passa o resto do ano tentando se recuperar de dois meses de furacão. A verdade é que nenhuma ceia vai engordar ninguém, trazer grandes prejuízos. Mas há uma série de cuidados que podem ser tomados que ajudam o estrago a ser menor. Não é porque é ceia que vale tudo. O primeiro cuidado que você deve ter sempre, num jantar, num casamento, numa festa, é não entrar naquele estado de euforia do "quero tudo, preciso de tudo". Pensa primeiro no que você gosta e no que realmente vale a pena. Lembre-se que comida é a coisa mais acessível que há - pode ser desfrutada em outro momento. Não engorde comendo bobagens disponíveis o ano todo. Aquele amendoim de aperitivo, por exemplo, pode dispensar direto. As preparações da época, o tender, a rabanada, a sobremesa que a avó só faz agora, OK.

O problema é que o Natal começa em novembro;
e, em dezembro, as pessoas se permitem
muito mais furos com a dieta

Calma, é só um jantar - Não vá com muita expectativa. Há aquelas pessoas que não comem o dia inteiro pra economizar. Aí o estrago é muito maior. Mantenha a rotina: café da manhã, almoço, faça um lanchinho. Economizar o carboidrato do almoço para comer um bombom a mais não compensa. Há dois fatores que nos levam a comer demais: a fome e a gula. Chegar bem alimentado já é eliminar uma parte do risco, porque seu poder de negociação com você mesmo é maior. Aí dá pra ser um pouco mais racional e mais criterioso na escolha. Fome com gula é muito difícil de controlar. Escolha dois itens calóricos. Há alguns vilões: os aperitivos, os pratos à base de carboidrato (massas, risoto, frituras), os doces e o álcool. Quem vai beber já escolheu uma prioridade. Mas não coloco limite de quantidade, pode bebericar a noite inteira. Tome seu vinho, seu champanhe, coma o tender e pule a sobremesa. O problema é a ideia do "já que estou bebendo, já que é Réveillon". Isso faz as pessoas comerem por compulsão, nem é por prazer.

Mais álcool, mais doces, menos censura - O álcool e o doce são os dois principais vilões das refeições festivas porque bagunçam muito o metabolismo. O álcool é tóxico para o fígado. O doce reúne tudo: açúcar, gordura, muita densidade calórica em pequenas porções. Uma colherada de pavê pode equivaler a três pães franceses. Uma fatia de panetone vale quatro pães franceses sem miolo. Em geral quando se bebe é comum comer mais doces. A censura fica mais relaxada. A gente pensa: "Tá tudo bem, pra que dramatizar? Só hoje não faz mal". Eu nunca digo para alguém "não" comer doces, peço para "evitar". Evitar quer dizer que é algo que não deve fazer parte do dia a dia - porque se torna um vício, que acumula muitas calorias. Quanto às bebidas, indico as que se degusta mais. O vinho, por exemplo. A cerveja, como se bebe mais rápido, é mais perigosa. Tome uma taça e um copo d'água, ganhe tempo. A gordura também protege contra os efeitos do álcool. Não comece a beber logo de cara. Beber de maneira mais lenta e intervalada ajuda a diluir o álcool. Tem gente que fala "minha prioridade é beber" e economiza no resto. Não vale matar a sede e a fome com bebida. Uma das estratégias para não engordar muito é a diversidade. Nosso corpo absorve quantidades diferentes de proteínas, gorduras, carboidratos. Não dá pra pensar em 2 mil calorias por dia de uma única coisa.

A nutrição exige mudança de comportamento,
porque a gente deposita na comida
nossas frustrações e ansiedades

O dia do arrependimento - Em geral, quando você acorda no dia seguinte, percebe que exagerou e se pergunta: "Por que comi tanto? Por que bebi tanto? Não precisava". É quase como se a pessoa tivesse uma dívida de comer tudo aquilo porque é festa. O bacana é comer e terminar bem, sem peso na consciência. As pessoas acham que o prazer só está vinculado à comida. A verdade é que dá pra ter mais prazer comendo menos. Em todo o caso, para quem exagera é importante compensar depois. Comer frutas, verduras, saladas frescas, diminuir o sal e o consumo de carboidratos. Iogurte, carne branca e muita hidratação ajudam a compensar o abuso das ceias.

Tempo versus saúde - Fico cada vez mais impressionada com a falta de tempo das pessoas para se alimentarem. Os pacientes me dizem: "Não tenho tempo para pensar em comida, quero tudo empacotado, de forma que eu possa comer no caminho do trabalho, na frente do computador". Isso é a pior coisa, porque você não sabe o que está comendo, a ciência não conhece os efeitos desses componentes no longo prazo, o que torna a gente muito refém do acaso. Digo para essas pessoas que elas precisam repensar a vida. Se você não tem cinco minutos para comer com calma é porque alguma coisa está errada. As pessoas não podem sair do computador para comer, mas podem ficar não sei quanto tempo no Facebook. É preciso trazer os alimentos frescos para nossa vida e cortar os industrializados. É toda uma mudança de comportamento que acompanha certas restrições. Porque sugerindo apenas restrições, as pessoas falam: "Poxa, a vida tem tão poucos prazeres e cortam os que sobraram pra sermos mais saudáveis?" A ideia não é essa. No "estar saudável" também cabe comer alimentos menos saudáveis. Se permitir uma caipirinha, um chocolate. O problema é comer um pacote de biscoitos e não se contentar. Tudo é permitido, mas alguns alimentos mesmo em quantidades menores são mais prejudiciais. É o caso dos doces. Nem tudo o que é saudável ajuda na perda de peso. O temido pão francês, sem miolo, equivale a uma colher de sopa de azeite, a uma colher de granola, a uma castanha-do-pará. Um punhado de castanhas pode ser equivalente a um Big Mac em calorias. Se você conseguir comer uma castanha por dia, ótimo, mas se ela virar uma compulsão vai gerar um problema com seu peso e deixará de ser saudável. Há muita gente com hábitos alimentares ruins que se apega em alguns pontos, como esse da castanha, por exemplo. Aí a pessoa diz: "Vou tomar chá verde porque é legal". E toma chá enlatado o dia todo. Os orientais tomam aquele que é feito ali, na hora, o que envolve ter um tempo para si mesmo. Por isso, a nutrição exige toda uma mudança de comportamento, porque a gente deposita na comida nossas frustrações, ansiedades e alegrias.

 As pessoas fazem uma hora de academia,
se acham mais do que ativas, e passam
o resto do dia na frente
do computador.
Milagre não existe - A dieta da Nigella [como está sendo conhecido o regime do macarrão japonês que levou a apresentadora britânica a perder bastante peso] é mais um desses milagres que se propagam. Nós testamos receitas todas as semanas e, por coincidência, vamos testar esse macarrão "itokonnyaku", composto por fibras solúveis e água. É um alimento de baixo valor calórico, que produz saciedade, mas há vários outros que fazem isso: saladas, frutas. Não é exclusividade desse macarrão. Na minha opinião, todas as dietas que dependem de uma restrição muito grande estão fadadas ao fracasso. Quanto tempo uma pessoa aguenta comer esse macarrão para se manter magra? Quando a gente usa um artifício muito forte pra inibir a nossa fome, não tá trabalhando as dificuldades, é a mesma coisa que tomar um medicamento. Depois, na hora em que para, todos os conflitos vão voltar, porque você não aprendeu a enfrentar a fome, as angústias, os vazios e a não relacionar tudo com a comida. Portanto, a dieta da Nigella é mais uma moda, como a do abacaxi, da sopa. Pode ser uma estratégia bacana para pessoas muito compulsivas, de difícil saciedade, mas a gente não pode contar com um alimento só. As pessoas estão sempre buscando receitas imediatistas e todo o radicalismo é furado. Sei que criar listas, restrições e novas regras encantam muito o paciente. Geram uma nova esperança. As pessoas vêm aqui atrás de uma fórmula mágica e chegam a ficar tristes porque não têm um problema na tireoide ou outro qualquer, porque querem encontrar um vilão. Cada hora surge uma dieta nova e nossa população é cada vez mais obesa. Os Estados Unidos são o lugar com maior oferta de alimentos diet e light do mundo. Adianta isso?

Dez mil passos por dia - Há um treinador, o Renato Dutra, que escreveu um livro do qual eu gosto muito - "Dieta dos Passos" (editora Lua de Papel) - e que vem com um pedômetro, aparelho que calcula a quantidade de passos que a pessoa dá enquanto o usa. Ele coloca como objetivo que as pessoas deem 10 mil passos por dia. Parece que o brasileiro dá, em média, 4 mil. As pessoas fazem uma hora de academia, se acham mais do que ativas, e passam o resto do dia na frente do computador. É melhor do que não fazer, claro, mas o ideal é ter um dia a dia um pouco mais ativo. Levantar várias vezes, caminhar, fazer mais coisas manuais. No carro você faz tudo do volante, não precisa nem tirar a mão para aumentar o volume da música. Cada vez que você faz um movimento tem gasto calórico durante e depois, quando se recupera. Quanto mais você se mexe mais ativa o metabolismo. O problema é que as pessoas querem fazer cada vez menos esforço, comer alimentos mais prontos e estarem mais saudáveis. É como ganhar na loteria. Infelizmente, ainda é o caminho mais longo que funciona. Veja os franceses, que na volta do trabalho pegam o metrô, andam a pé, param para comprar a fruta e a salada do dia, superfresquinhas, e preparam um prato com cores, temperaturas e texturas diferentes. Isso aguça o paladar, dá saciedade aos poucos. É muito diferente do que comer um sanduíche ou comer um miojo que não estimulou nenhum sentido. Mas sei o quanto é difícil ir na contramão dessa loucura toda e encontrar um meio termo.
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REPORTAGEM POR Por Maria da Paz Trefaut De São Paulo
Fonte: Valor Econômico on line, 29/12/2011

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