sábado, 19 de novembro de 2011

A SOLIDÃO QUE NOS PROTEGE

Aos 60 anos, John Cacioppo é tido como um dos mais influentes psicólogos dos estados Unidos e um dos maiores especialistas em solidão. Sua visão é evolucionista: segundo ele, trata-se de um estado imprescindível à sobrevivência da espécie humana. “A sensação de isolamento tem efeito semelhante ao da dor e ao da fome”, diz o pesquisador, que, em 2004, fundou o Centro de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade de Chicago, o qual dirige. Cacioppo defende a ideia de que não é preciso casar para ser feliz (que diga o solteirão convicto George Clooney, de 50 anos) e que as redes sociais, como o Facebook, criado por Mark Zuckerberg, são boas desde que não substituam as interações na vida real. Cacioppo diz ainda que a solidão tem um forte componente genético. Por esse motivo, algumas pessoas precisam de menos companhia do que outras. Como exemplo extremo, ele cita o caso do jovem americano Chistopher McCandless, cuja aventura solitária pelo Alasca deu origem ao livro e ao filme intitulados Na Natureza Selvagem. McCandless só tentou sair do isolamento absoluto quando ingeriu uma planta venenosa por engano. Acabou morrendo de inanição. De seu escritório em Chicago, Cacioppo falou a VEJA.

Giuliana Bergamo

NO DECORRER DA EVOLUÇÃO
Ainda que o isolamento físico contribua para a sensação de solidão, ela é muito mais do que isso. Podemos estar casados, ter uma família numerosa ou estar no meio de uma multidão e, ainda assim, sentirmo-nos sozinhos. A solidão é uma condição psicológica caracterizada por uma profunda sensação de vazio. É um estado adverso que, do ponto de vista evolutivo, nos motiva a mudar – a procurar companhia.

Assim a sensação de isolamento tem efeito semelhante ao da dor e ao da fome. O desconforto que a solidão provoca foi uma das forças que nos impeliram a procurar a vida gregária, a preservar o corpo social – imprescindível para a nossa sobrevivência e prosperidade. Nos primórdios da espécie humana, sobrevivemos apenas porque nos mantivemos em bando, o que garantia a proteção mútua.

O PESO GENÉTICO
A solidão é 50% hereditária e 50% circunstancial. Mas o que é determinado pela genética é quão dolorida pode ser a sensação de isolamento. Num contexto evolutivo, os mais sensíveis ao isolamento são aqueles que não se desgarram facilmente do grupo e fazem tudo para mantê-lo unido. Já os menos sensíveis ao isolamento são os mais atirados, que têm coragem para explorar novos ambientes. Os dois perfis foram – e são – necessários para a preservação da espécie.

"Para manter um bom contato com as
outras pessoas, você precisa se distanciar delas
de vez em quando. As pessoas não trazem
apenas coisas boas; elas têm demandas.
Às vezes você precisa dar um passo
para trás, a fim de reequilibrar-se"
A QUANTIDADE NÃO IMPORTA
A solidão pode acirrar a timidez, mas, se você é introvertido, isso não significa que sejam mais solitário. Nesse caso, a pessoa apenas precisa de menos pessoas para se sentir completa. Um tímido pode ter somente um bom amigo e, ainda assim, ser feliz . Não importa a quantidade de amigos, e sim a qualidade da companhia.

É POSSÍVEL SER FELIZ SOZINHO
Um estudo recente mostra que, se alguém tentar ser feliz sem compromisso nenhum, e empenhar-se a fundo nesse sentido, acabará frustrado porque tenderá a sofrer com sua solidão. Se você decidir tentar ser feliz nos próximos seis meses, provavelmente comprará coisas que sempre quis ter, fará coisas que sempre quis fazer e prestará menos atenção às pessoas à sua volta. Tal comportamento leva a uma deterioração na qualidade das relações. E o que faz uma pessoa feliz são exatamente essas relações. A solidão é a ausência de contatos significativos. Universitários estão rodeados de gente. Quando moram em república, eles convivem com muito mais pessoas do que quando estavam na casa dos pais, mas, em geral, sentem-se muito solitários. Ter amigos que são exploradores é pior do que não ter amigos. Reitero: solidão não é ser solteiro em vez de casado. Existem pessoas que estão casadas e se sentem sós – situação infinitamente pior do que a dos solteiros, que têm mais oportunidade de sair e de se relacionar com os outros. O problema é que, para a maioria, a ideia de felicidade está sempre associada ao casamento, à união amorosa.

UM TEMPO SÓ PARA SI
Para manter um bom contato com as outras pessoas, você precisa se distanciar delas de vez em quando. Do contrário, tudo fica muito cansativo. As pessoas não trazem apenas coisas boas: elas têm demandas. Às vezes você precisa dar um passo para trás, a fim de reequilibrar-se. Para uma mãe, por exemplo, cuidar de sua criança pode ser muito recompensador. Mas, para que ela permaneça amorosa e generosa, necessita ter algumas horas para si mesma e deixar os cuidados do filho sob a responsabilidade de outra pessoa. Ficar sozinho não é o mesmo que ser solitário. Quando eu escrevo, tenho de ficar só. Não consigo escrever no meio da confusão. E, embora eu esteja sozinho, não me sinto solitário. Estou com meus alunos, meus coautores na cabeça...

O PERIGO DO EGOCENTRISMO
A solidão quando ignorada, pode comprometer a capacidade do indivíduo de se relacionar. É com a fome: se não fizermos nada, prejudicaremos seriamente nosso organismo e, no limite, ficaremos impossibilitados de procurar comida. Quando uma pessoa se sene sozinha, ela tende a se preocupar mais consigo mesma, como forma de proteção. Quando, no entanto, o estado de isolamento dura muito tempo, o sujeito fica tão focado em si que compromete sua capacidade de estabelecer contato. Ou seja, mesmo que ele interaja com outras pessoas, sempre pensará mais em si próprio do que nos outros. E esse comportamento acabará por levá-lo ao isolamento. Afinal de contas, quem suporta conviver com uma pessoa excessivamente autocentrada?

SAINDO DO CASULO
Solitários crônicos tendem a retrair-se, mas não sabem por que isso ocorre. Eles não têm noção de que contribuem para o próprio isolamento. Eu costumo sugerir quatro passos bastante simples, expressos na sigla Ease ( em inglês, a palavra “ease” significa tranqulidade, relaxamento). O primeiro é “extend your self (algo como ofereça-se, em inglês). Para que consigam testar outras formas de relacionamento sem sentir-se ameaçados, eles precisam começar a integrar-se num grupo aos poucos. Minha sugestão é fazer um trabalho voluntário. Quando você se dispõe a ajudar as pessoas em vez de se preocupar apenas com você mesmo, percebe que os outros não são tão ameaçadores e que eles apreciam a generosidade alheia. Em seguida, vem o que eu chamo de “action plan” (plano de ação, em inglês). É preciso ter claro o que você pode fazer pelos outros. O terceiro passo é “selection” (seleção, em inglês). Selecionar é ser criterioso e escolher seus amigos com cuidado, baseando-se na similaridade de ideias e aspirações. Um relacionamento satisfatório é aquele em que os envolvidos estão felizes com ele. E isso é mais fácil de acontecer quando todos compartilham os mesmos valores e preferências. O quarto passo é “expect the Best” ( no caso, conte com o melhor; em inglês) Se você tem bons amigos, algumas vezes eles podem chateá-lo. Mas, se essas pessoas realmente são relevantes na sua vida, tente esquecer isso e valorize o que elas têm de melhor. Não supervalorize os momentos ruins nem subvalorize os aspectos bons.

AS REDES
Fizemos recentemente um trabalho sobre o impacto das redes sociais na sensação de solidão. Tudo depende de como você as usa. Se são utilizadas como um substituto para a realidade física, elas incrementam a solidão. Mantenho contato com meus filhos, que agora são adultos, por redes sociais. Uso tais ferramentas para organizar encontros com minha família. Então, elas servem para reforçar minha ligação com eles . E isso acontece não porque eu os encontro por meio das redes sociais, mas porque as redes sociais me ajudam a encontrá-los na vida real.
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FONTE: Revista VEJA impressa – Ed. 2244 -23 de novembro de 2011, pg. 94/96.

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