domingo, 20 de novembro de 2011

Felicidades...

Rubem Alves*
O CAQUI: Isso que você vai ler é repetição do que escrevi, faz uns dois ou três anos. Coisa estranha porque jornal não gosta de repetições. Mas às vezes é preciso repetir, para lembrar o esquecido.

Sobre uma mudinha... Foi plantada ao lado de dois gigantescos pés de lichia que há mais de 50 anos vivem ao final de um gramado imenso. De longe as lichias se parecem com mangueiras pelo arredondado de suas copas densas, mas são maiores. As folhas vão até o chão, deixando no seu interior um vazio onde gosto de ficar em silêncio. É o meu lugar sagrado, a minha catedral.

Ela vai crescer em boa companhia, aprendendo da tranquilidade e bondade das árvores já velhas que serão suas mestras.

Ela é uma mudinha de caqui. Sobre o símbolo dos caquizeiros eu já escrevi contando uma estória. Depois que sobre Nagasaki foi lançada a segunda bomba atômica matando 200 mil pessoas, o que ficou foi ruína e morte. Morreram os seres humanos, morreram os animais, morreram as plantas.

Foi então que uma coisa extraordinária aconteceu: passado o tempo, uma árvore que o fogo havia queimado e todos julgavam morta começou a brotar.

Era um caquizeiro. Os japoneses se assombraram com aquele milagre: uma árvore mansa que foi mais forte que a bomba! E tomaram a ressurreição da árvore do caqui como um símbolo da teimosia da vida

Começaram então a colher as sementes lisas dos frutos daquela árvore e a plantá-las. Quando as plantinhas nasciam e cresciam um pouco eles as enviavam como presentes de paz a todas as partes do mundo. Para que ninguém se esquecesse... Para que ninguém perdesse as esperanças...

Pois o Instituto Agronômico de Campinas resolveu plantar uma muda de caqui como parte das celebrações dos seus cento e vinte anos dedicados às plantas. A muda não é descendente do caquizeiro japonês. Mas o que importa é o símbolo. Quando as pessoas forem visitá-la alguém lhes contará a sua estória. Certamente que os seus frutos, os caquis vermelhos, serão comidos. Mas só deverão comê-los num espírito de oração. Cada caqui será o sacramento de uma dor e de uma esperança.

A mudinha está dormindo. Nem uma única folha. Mas os brotos estão estufando a casca, como pintinhos dentro de um ovo. Chegando a Primavera a mudinha acordará para o mundo.

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Hoje, nas minhas andanças pela Fazenda Santa Elisa, visitei a arvorezinha. E tive uma alegria: há dez pequenos caquis crescendo no caquizeiro...

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JARDIM DO CASTELO: Aconteceu no ano de 2003.. A praça do Castelo era um refrigério para a alma, um jardim com árvores, sombras, pássaros e bancos. Lugar fresco e amigo que convidava as crianças, os namorados, os cansados...

Mas naquele dia, ao olhar para a praça levei um susto. Havia homens com serras e machados (certamente obedecendo ordens de autoridades que não gostam de árvores; árvores são um problema, exigem cuidados e as flores e folhas sujam o chão...) - estavam cortando todas as árvores daquele paraíso... Imaginei que a ordem deveria ter partido de um louco. Lembrei-me de um prefeito do estado de Goiás - foi o que me disseram - que iniciou uma campanha para que se cortassem as árvores na sua cidade porque árvores eram sinal de atraso. Será que ele havia se mudado para Campinas? Sai por ali à procura de esclarecimentos. Mas ninguém me explicou, ninguém me disse o que iria ser colocado no lugar das árvores. Fiquei sabendo semanas depois: uma praça feita de pedras e cimento, sem árvores, sem flores, sem verde, bruta, deserta, sem pássaros e sem crianças mas construída segundo perfeições geométricas.

Ao ver a praça lembrei-me do Niemeyer. O Niemeyer detesta árvores. Ele ama formas geométricas perfeitas por sua beleza imóvel. A beleza imóvel é eterna. Não está sujeita às transformações do tempo. Como as pirâmides e as esculturas de pedra e ferro. Uma vez construídas elas atravessam os séculos. Mas o preço que se pega pela eternidade das formas é que elas têm de estar mortas. Creio que, se ele pudesse, faria árvores de cimento.

Mas agora - o Correio Popular publicou (5/11/11) - cuida-se de substituir a geometria pelo imprevisível da vida. Pode até ser que plantem nela um caquizeiro...
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* Escritor. Teólogo. Educador.
Fonte: Correio Popular on line, 20/11/2011
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