quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Tem algo errado?

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER

Por que os habitantes do planeta vermelho são verdes? A questão é bizarra. Acontece que o bizarro parece estar levando vantagem em tudo. Como explicar a um marciano, verde ou vermelho, que, no Brasil, quem ganha salário mínimo deve se virar sozinho, mas quem ganha mais de R$ 20 mil, dependendo da sua função, recebe auxílio-moradia? Como explicar a um marciano que, nos Estados Unidos, os muito ricos pagam menos impostos do que os menos ricos, chegando a acontecer de o empregado pagar mais impostos do que o patrão? Como explicar ao marcianinho que professores têm seus pedidos de aumento reduzidos ao mínimo por parlamentares que tratam de elevar ao máximo os seus proventos, sendo que esses parlamentares são eleitos também por esses professores?
Como explicar ao extraterrestre que o Judiciário brasileiro leva em consideração aspectos éticos e morais quando julga casos alheios, buscando interpretar o espírito da lei, mas só considera se é legal ou não, friamente, quando se trata do seu interesse? Como explicar ao visitante que, na oposição, um partido condena uma política qualquer e, instalado no poder, pratica-a sem o menor constrangimento e até com volúpia? Como explicar ao pobre marciano que haja dinheiro para construir vários estádios de futebol e outras obras faraônicas e sempre faltem leitos nas emergências dos hospitais? Deve ser por isso que são vistos tão poucos marcianos na área. Eles certamente cansaram de ouvir explicações furadas e desistiram de vir para cá. Marcianos são muito cartesianos, seres de antolhos, lineares, bitolados, e não entendem nossa complexidade.
Como explicar a um marciano que um deputado gaúcho que vá passar o dia em Bento Gonçalves tenha direito a diárias sem necessidade de comprovar o gasto, bastando uma nota de um cafezinho para provar que a viagem aconteceu? Marcianos são certinhos e acham que cada centavo público não gasto deve ser devolvido imediatamente. Jamais um marciano participaria de um esquema de caixa 2, muito menos carregaria dinheiro na cueca, ainda que exista dúvida sobre o uso de cueca entre os marcianos, especialmente entre os que atuam em cargos públicos. Marcianos são chatos e inflexíveis. Não conseguem entender que um assassino pego em flagrante responda em liberdade e menos ainda que fichas-sujas sejam eleitos. É difícil saber que tipo de civilização existiria aqui se os marcianos tomassem conta do planeta.
O mais provável é que tudo continuasse igual. Marcianos são vulneráveis. Deixam-se, depois de algum tempo, contaminar pelos valores dos lugares que visitam. Consta que os marcianos estão proibidos de descer em Brasília. Aqueles que desobedecem são obrigados a ficar de quarentena antes de voltar para casa. Difícil mesmo é explicar a um marciano o poder de José Sarney. É algo que lhes parece coisa de ET. Nunca em Marte um menino de 10 anos atirou na professora e depois se suicidou. Marte é um lugar que não existe. A realidade é aqui. Será que tem algo errado? Ainda haverá tempo para melhorar as coisas?
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* Sociólogo. Escritor. Tradutor. Prof. Universitário. Cronista do Correio do Povojuremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo on line, 29/09/2011

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