sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A fadiga do decisor

Nos filmes Smoking e No Smoking, de 1993, o respeitado cineasta francês Alain Resnais conta seis histórias. Em determinado momento de cada uma delas, os personagens têm a vida mudada por decisões tomadas. Resnais responde nos filmes a uma pergunta angustiante e onipresente: o que teria acontecido se nós tivéssemos decidido de outra forma? O roteiro, adaptado de uma peça do dramaturgo inglês Alan Ayckbourn, é engenhoso e trata de um tema instigante: nossas decisões, mesmo aquelas prosaicas, podem mudar nossa existência e a de outras pessoas. De fato, nossas linhas do destino às vezes parecem saídas do caderno de um calígrafo aluado. Pequenas decisões, para as quais não damos grande importância, acabam gerando enormes efeitos. Ou, como sugere a Teoria do Caos, uma borboleta batendo asas na Amazônia causa um tufão no Texas.

Na vida pessoal, convivemos permanentemente com a necessidade de tomar decisões: que filme assistir, que livro ler, onde morar, que caminho tomar… a lista é longa. E a essas decisões acrescentamos outras tantas, tomadas na vida profissional: que projeto aprovar, quando lançar um produto, que preço cobrar, quem contratar, quem demitir… essa lista também é longa.
O prezado leitor deve lembrar-se de ocasiões nas quais foi torturado por uma decisão, ou por uma série delas. Por exemplo, a compra de um novo computador. O simples mortal que se aventurar em um site de compras se verá em um labirinto de informações e alternativas. Cansado e humilhado, talvez tenha de ser salvo por um sobrinho nerd. Outro exemplo fatídico: as decisões de investimentos.


O feliz herdeiro de um tio-avô distante, provavelmente, verá a sua alegria financeira transformar-se em profunda angústia quando tiver de enfrentar um gerente de aplicações, com sua conversa cifrada, seus números disparatados e suas taxas ocultas. E mais um exemplo, ainda mais tenebroso que os anteriores: as festas de casamento. Organizar tais eventos, com restrição de recursos e sob intensa pressão familiar, constitui desafio para o qual poucos estão preparados. Fazer lista de convidados, escolher o local e a decoração, definir os pratos e as bebidas: para decidir sobre todos esses detalhes, e outros mais, é preciso paciência inesgotável e bolsos profundos.
Paul Nutt, professor emérito da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, dedicou sua vida profissional a entender e explicar os processos de tomada de decisão. Seu foco foram as decisões tomadas nas empresas. O pesquisador avaliou centenas de decisões em organizações, tais como a GM, a Toyota e a Nasa. Concluiu que, mesmo nesses impérios da racionalidade e da eficiência, metade das decisões tomadas falha. Imaginemos o resto!
Em um trabalho científico, publicado em fevereiro de 2011 nos Proceedings of the National Academy of Sciences e divulgado pela mídia internacional, o pesquisador Shai Danziger e colaboradores avaliaram as decisões tomadas por juízes em mais de mil casos de pedidos de liberdade condicional. O estudo revelou que a taxa de concessão era mais alta no início do dia e após as duas interrupções diárias, caindo a quase zero nos períodos imediatamente anteriores às interrupções. Para explicar o resultado, duas hipóteses foram levantadas: primeira, o tempo decorrido desde a última refeição – juízes com mais fome são mais rigorosos; segunda, o número provocado pelas decisões tomadas em série – juízes mais cansados tendem a tomar decisões mais “fáceis”, que mantêm a situação existente, o que, neste caso, significa a permanência do encarceramento.
Tomar decisões constitui um processo estressante, que compreende múltiplos raciocínios, suposições, considerações e comparações e nem sempre as informações necessárias estão disponíveis e são confiáveis. Um tomador de decisão racional e criterioso pode facilmente irritar-se diante da pressão para fazer escolhas em meio a situações ambíguas. Além disso, por mais estruturados que os processos se encontrem, depois de uma bateria de decisões, qualquer executivo ou profissional pagará o preço do estresse, ou, como no caso dos juízes estudados, transferirá o ônus de sua fadiga para terceiros. Quando estamos cansados, temos dificuldades para tomar decisões e tendemos a seguir os caminhos mais fáceis ou o que nos recomendam os supostos especialistas.
O que fazer? Para profissionais e executivos, o bom senso recomenda evitar as maratonas analíticas e decisórias, e programar as decisões mais difíceis para o início do dia. Gestores cuidadosos, em casa ou no trabalho, preservam sua capacidade de tomar decisões, para usá-la quando é mais importante. Os calígrafos do destino agradecem.
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