sábado, 24 de setembro de 2011

Entre filosofia, religião e ciência

ROBERTO HOFMEISTER PICH*

ALÉM DA RAZÃO
 Convidadode simpósio na PUCRS, Plantinga sustenta
que pensamento evolucionista-naturalista
está mais conectado com a sobrevivência
do que com a verdade
Filósofo americano Alvin Plantinga falou na PUCRS sobre a fé como valor do conhecimentoAlvin Carl Plantinga (1932 – ) é um dos principais filósofos analíticos da atualidade. De 24 a 31 de agosto, ele visitou o Brasil, a convite dos programas de pós-graduação em filosofia da Universidade de Brasília (UnB) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Alvin Plantinga obteve o doutorado em filosofia na University of Yale, em 1958. Foi presidente da American Philosophical Association (Divisão Central) de 1981 a 1982. Deixando sem menção a destacada atuação como conferencista internacional e professor visitante, Plantinga trabalhou em três instituições americanas, a saber, Wayne State University (1958 – 1963), Calvin College (1963 – 1982) e, por fim, University of Notre Dame (1982 – 2010).
Em mais de uma dezena de livros e de uma centena de artigos, Plantinga defendeu teses em filosofia da religião, metafísica e epistemologia que são largamente influentes e debatidas na comunidade filosófica mundial. Cristão convicto e educado na tradição calvinista, em filosofia da religião, os seus interesses se voltaram, sobretudo, ao tema clássico da relação entre fé e razão e à busca de formular uma adequada epistemologia da crença religiosa teísta – em que o “teísmo” reúne as convicções de que um Deus pessoal existe, criou o universo e é onipotente, onisciente e infinitamente bom. Nos anos 1960 e 1970, examinou detidamente o alcance das tradicionais “provas da existência de Deus” – dos “argumentos teístas” na filosofia. Nesse período, publicou a antologia The Ontological Argument (1965) e a obra God and Other Minds (1967). Na conclusão desta, acentuou o desempenho modesto da teologia natural no tratamento da crença em Deus, apontando para a ideia de que a crença em Deus pode ser “básica”, no sentido de não ter nem precisar de fundamento em outra crença para que se lhe atribua valor epistêmico. Plantinga também desenvolveu argumentos sobre o assim chamado “problema do mal” para a verdade e/ou a racionalidade da crença teísta, em particular em God, Freedom and Evil (1974).
Com o auxílio da lógica modal contemporânea e da semântica dos mundos possíveis, formulou uma “defesa da vontade livre” para mostrar que a existência de Deus, como entendido nas grandes religiões monoteístas, é compatível com a existência do mal no mundo. Em realidade, a metafísica de Plantinga, para além das teses sobre a existência de Deus (sobretudo a análise do “argumento ontológico”, em certa medida, ligado historicamente a Anselmo de Cantuária e, mais diretamente, a Descartes e Leibniz), apresenta-se no contexto de teses sobre filosofia da lógica. Foi nessa perspectiva que, em The Nature of Necessity (1974), Plantinga discutiu os vários aspectos do conceito de necessidade.
Em Faith and Rationality (1983), editada com Nicholas Wolterstorff, Plantinga aprofundou a ideia de a crença em Deus ser “básica” ou, agora, “propriamente básica”, ou seja, básica em um sentido adequado ao conhecimento – como o são crenças geradas pela “percepção” e pela “memória”. Essa tese, porém, supõe uma crítica à noção de crença básica comum à filosofia moderna, em particular nas epistemologias de Descartes e Locke, que acentuavam que crenças só deveriam ser mantidas em havendo posse, pelo sujeito, de certeza e evidência proposicional. Nessa direção, poder-se-ia bem entender a crítica moderna à racionalidade da crença em Deus, a partir do século 18. Por outro lado, a sua abordagem da crença teísta como “propriamente básica” exigiu também o desenvolvimento da noção de “função própria” (proper function) de uma fonte cognitiva humana, uma condição constitutiva para que crenças verdadeiras sejam adequadamente geradas como o resultado esperado daquelas mesmas fontes.
Assim, em 1993, Plantinga publicou os dois primeiros volumes sobre “aval epistêmico” (warrant): Warrant: the Current Debate e Warrant and Proper Function, os seus principais trabalhos em teoria do conhecimento. Ali, o autor rejeitou as principais teorias sobre o conhecimento como teorias da “justificação” de crenças, em que “justificação” seria aquela qualidade epistêmica positiva que faz de um caso de crença verdadeira um caso de conhecimento. Face à possibilidade de que uma crença seja verdadeira e justificada apenas “acidentalmente” (talvez o resultando principal das críticas de Edmund Gettier, em 1963, à visão clássica do conhecimento como “crença verdadeira justificada”), Plantinga sugere o conceito de “aval” como uma alternativa que não está claramente sujeita a esse problema. Em uma proposta vista na filosofia atual como “externalista”, Plantinga entendeu “aval” como uma qualidade que se acrescenta à posse de crença verdadeira e faz dela conhecimento, em havendo “função própria” no mecanismo cognitivo que a produz, em um ambiente favorável à produção da crença, segundo um plano de desígnio voltado à verdade e, ainda, segundo um “bom” plano de desígnio do mecanismo cognitivo, isto é, um que, em termos de probabilidade, é “confiável” porque gera, em sua maior parte, crenças verdadeiras.
A obra Warranted Christian Belief (2000) resume o pensamento de Plantinga sobre o estatuto epistemológico da crença religiosa, em particular da fé cristã. Nela, o autor reapresentou os principais resultados de sua teoria do conhecimento e aplicou-os à sua filosofia da religião. Em especial, ali, como já em 1993, continuou desenvolvendo o seu famoso “argumento evolucionário contra o naturalismo”, em que sustenta que a biologia evolucionária, enquanto explicação da evolução das espécies biológicas, relaciona-se muito bem com uma metafísica teísta e, pois, com a religião cristã, ao passo que, contra a opinião comum, a sua relação com o naturalismo metafísico não é boa. Isso se deve ao fato de que é possível mostrar que a crença na conjunção “evolucionismo e naturalismo” é autodestrutiva. O complexo argumento, que, junto com reflexões sobre religião e ciência, ocupou nos anos 2010 a maior parte da produção filosófica de Plantinga, procura mostrar que, na assunção da conjunção de naturalismo materialista e evolucionismo, a probabilidade de que as crenças humanas são produzidas por mecanismos cognitivos confiáveis e são, pois, elas mesmas confiáveis é baixa. Eventualmente, a adoção daquela conjunção torna baixa a confiabilidade de todas as crenças geradas por um ser humano, em especial porque a relação entre crença e comportamento, em uma perspectiva evolucionista-naturalista, não está claramente conectada com a verdade, mas essencialmente comprometida com a sobrevivência.
O Simpósio de Filosofia da Religião, Ontologia e Epistemologia – Diálogo com Alvin Plantinga, teve a primeira etapa na UnB, em 25 e 26 de agosto, e a segunda na PUCRS, de 29 a 30 de agosto. Diante do debate sério e franco que ocorreu entre os arguidores e o conferencista principal e do público numeroso que compareceu, percebe-se que reflexões sobre temas que atravessam filosofia, religião e ciência são importantes ao público geral. Seria recomendável que se fizessem mais presentes na esfera pública das discussões racionais
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*Professor do Programa de Pós- graduação em Filosofia da PUCRS
Fonte: ZH on line, 24/09/2011

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