domingo, 25 de setembro de 2011

Contando história, fazendo outono

Paulo Ghiraldelli Jr*
Estive no Programa do Jô e fiz uma metáfora sobre um ensinamento que recebi de Paulo Freire. Foi a historieta de como fazemos para que um elefante possa descer da árvore. Se o elefante sobe na árvore, então ele que não é bobo, não salta de lá ao querer descer. Para descer ele senta numa folha e espera o outono chegar. Do modo como contei o caso, no Jô, ainda acrescentei que eu mesmo vi os elefantes planando e pousando, quando o outono chegou e trouxe para o chão, de modo leve, o que é pesado, e isso sem estrondo ou ferimentos. Tudo que é pesado só pode pousar de modo leve. E que cada um saiba encontrar o seu outono para fazer o pesado pousar.
Contar histórias é algo que Paulo Freire sabia bem. E nisso, ele fazia filosofia. Pois a filosofia que ele fazia, se quisermos algum enquadramento acadêmico, pode ser vista como na tradição de Montaigne e Pascal. Uma filosofia de ensaios e aforismos.
Os militantes anti-Paulo Freire odeiam meu discurso, quando digo isso. Os militantes freirianos também. Os anti, querem a desconsideração a priori de Freire. Os favoráveis, querem que ele fale o jargão marxista, ou melhor, marxóide. Paulo Freire, felizmente, falava a linguagem própria para descer elefantes no outono. Por isso, tornou-se um contador de histórias para vários países e culturas tão diferentes, sendo usado por ricos e pobres, azuis e amarelos, músicos e cientistas, vagabundas e beatas. Freire era um grande contador de histórias, não um metodólogo babaca ou um miltante chato.
Os americanos gostam muito de Paulo Freire. Porque os americanos são contadores de histórias. Claro que também somos. Mas, o contar história, no nosso país, nem sempre tem a ver com a academia. No geral, nossa universidade sabe tão pouco sobre o contar história que, não raro, não consegue ensinar um estudante a fazer uma dissertação de mestrado. Não entende que dissertar é contar. Então, nesse ritmo, não é difícil transformar um estudante que até poderia contar bem uma história, uma narrativa gostosa, em alguém capaz de entregar no guichê do setor da pós-graduação algo que não dá para ler.
"Os americanos gostam muito de Paulo Freire.
Porque os americanos são contadores de histórias.
Claro que também somos.
Mas, o contar história, no nosso país,
 nem sempre tem a ver com a academia."

Minha entrevista no Jô me alertou para isso. Alguns queriam que eu fosse lá não para conversar coisas engraçadas e de entretenimento. Queriam que eu fosse lá para falar coisas sisudas, de modo que o “ibope” do Jô despencasse. Mas o Jô é meu amigo, eu não faria isso com ele. E também não faria uma besteira dessas contra mim mesmo! Também apareceram os que não entenderam que a história dos elefantes era filosofia. Cobraram de mim o que eu jamais faria. Não entendem de TV e, o pior, não entendem de academia também, pois nunca pararam para pensar no papel da cultura do contar história.
A cultura americana é uma cultura do contar história porque os Estados Unidos não são um país kantiano, são um país historicista. Lá, a lei não é feita por imperativos. Ela é informada por casos, ou seja, jurisprudência. Aqui, a jurisprudência importa bem menos. Nos Estados Unidos, tudo é um “contar história”. Aqui, contar história é até pejorativo. “Não me venha com história”, dizem alguns, aqui no Brasil! Mas sabem estes que não há o que dizer quando não se conta uma história?
Por causa disso tudo aí é que me dispus a participar de um programa de pós-graduação em Contação de História, na UFRRJ. Contação de história é uma prática. Aprender a praticá-la é, em essência, uma das mais requisitadas habilidades para o filósofo. Pois o filósofo não é só o que reflete sobre contar histórias mas, antes, é também um bom contador de histórias ou então acabará empurrando os elefantes de cima da árvore, fazendo um estrago danado. Contar histórias é entender quando é que se pode colocar um outono na vida de cada um.
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* Filósofo, escritor e professor da UFRRJ
PS: o edital está aberto no site da UFRRJ
Imagem da Internet

3 comentários:

  1. Ainda não entendi a história do elefante! :P

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  2. Acabei de ver o vídeo no Youtube, e não tinha entendido a história do elefante, mas agora entendi perfeitamente.

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  3. Amei o vídeo com o Jô, parabéns, qto a história do elefante = "com paciência possuireis vsa alma" (?)

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