segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O núcleo humano

LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL*

O conceito de Cícero para a humanitas implica o desenvolvimento pessoal que leva em conta os aspectos éticos e estéticos do homem. Por mais que o mundo atual esteja longe disso, o que ficou evidente no século 20, precisamos acreditar que subsiste em cada mulher, em cada homem, um espaço apenas seu, em que restam intactos os valores da integridade, da solidariedade.
Há um momento em que esse homem e essa mulher, olhando-se ao espelho, olhando seus olhos e os traços do seu rosto, caem em si mesmos: “Há algo em mim que não morreu”. Esse algo é o núcleo humano.
Na infância, ele não existe, ao menos como núcleo, pois a criança é, toda ela, humanidade em ação. Os desejos infantis estão todos visíveis, e não há distância entre o que se diz e o que se pensa. Mesmo as pequenas maldades são perpetradas na inocência. Aliás, nenhuma criança se indaga a respeito de si, pois seus desejos e suas vontades ligam-se a ações imediatas. Daí a surpresa dos castigos, de que nenhuma criança se julga merecedora.
"...estão apenas à busca de seu núcleo humano,
que não sentiram nem perceberam
encolher-se no transcorrer da vida.
É o império do tempo,
de quem ninguém escapa."

Na adolescência e na juventude algo da consistência imaterial da pessoa começa a recolher-se. Começa a haver um lapso entre o que a boca diz e o que o núcleo sente. É o momento da afirmação perante os outros, em que as máscaras cumprem o papel de filtro para o sofrimento.
Ao jovem, o que importa é a vida. A preocupação com o tempo, essa, surgirá depois.
A idade madura é o estágio da maior invisibilidade do núcleo humano. Ele está ali, presente; sentimos que existe, queremos que exista, mas é preciso que ele ali se mantenha, como salvo-conduto de nossas ações: “Fiz essa indignidade, mas sei que algo de mim é verdadeiro e bom”.
Na velhice o fenômeno se inverte. Nada mais há para ganhar; nada para perder. A vida plenamente vivida, ou mesmo falhada, a consciência de não ser eterna, certo tédio para encarar as inconstâncias alheias, autorizam a pessoa a liberdades imprevistas. É este o momento em que os velhos são tachados de ridículos mas, feitas as contas, estão apenas à busca de seu núcleo humano, que não sentiram nem perceberam encolher-se no transcorrer da vida. É o império do tempo, de quem ninguém escapa.
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* Escritor. Romancista. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 29/08/2011
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