terça-feira, 23 de agosto de 2011

A maior economia católica

Marcelo Neri*
Papa Bento XVI anunciou em Madrid durante a Jornada Mundial da Juventude, o Rio de Janeiro como sede para a próxima edição do evento em 2013. A visita do Papa ao Brasil abrirá a sequência de megaeventos internacionais sediados pelo Rio de Janeiro.
O Brasil não é só o país com o maior contingente de católicos do mundo, como é o emergente católico dos Brics. Entre os 27 estados da União Europeia em crise, o grupo dos Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) é essencialmente católico. Como reflexo do estado da economia, na última semana ocorreu em Madri uma série de protestos contra os custos dessa jornada da Juventude. Se Max Weber fosse vivo, veria talvez na crise econômica atual a confirmação de sua tese sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo, publicada nos idos do século XX.
A França, a maior economia católica do mundo passou por um ataque especulativo na origem da instabilidade financeira atual. O Brasil irá em algum tempo ultrapassar a França para se tornar também o maior Produto Interno Bruto (PIB) católico do mundo. Seria o Brasil dos idos do século XXI exceção à tese weberiana? Senão vejamos.
O Brasil é o país do grupo dos Brics
onde o catolicismo predomina,
mas essa religião voltou a
 perder terreno no país
Como está hoje o catolicismo no país? O catolicismo seguia longa e lenta queda histórica desde os primeiros registros censitários brasileiros de 1872 quando atingia 99,72% na população livre, a mesma cai a taxas aceleradas nos anos 1980 e 1990 - respectivamente as taxas de 0,5 e 1 ponto percentual por ano - reduzindo-se de 89% em 1980 para 83,3% em 1991 e depois para 73,89% em 2000.
O Censo do IBGE é tradicionalmente a base de dados usada nos diversos estudos acerca da religiosidade do brasileiro mas as estatísticas religiosas do Censo 2010 ainda não estão prontas. Nosso estudo baseado na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE demonstrou que a proporção de católicos no Brasil tinha parado de cair, mantendo-se em 73,79% em 2003. A estabilização católica se deu em todas as faixas etárias.
De 2003 para cá as bases ibgeanas não tocaram na religiosidade brasileira. O nosso novo processamento dos microdados da POF 2009 demonstra a volta da queda do catolicismo no Brasil, a um ritmo acelerado próximo ao da década de 1990, quase 10 vezes mais rápida que a queda secular entre 1872 e 1980. Chegamos em 2009 à menor participação de adeptos ao catolicismo em nossa história estatisticamente documentada: 68,4%, correspondendo a 130 milhões de brasileiros. Apesar de mais presente entre os pobres brasileiros (72,8% na classe E), o catolicismo é também mais alto na elite (69,1% nas classes AB), fazendo com que a parcela católica na população seja menor que na renda, 68,7% (R$ 1,3 trilhões anuais).
Disponibilizamos hoje em www.fgv.br/cps/religiao  completo mapa estatístico da religiosidade brasileira. Senão vejamos.
Se olharmos para dentro do Brasil no período recente a regra são exceções à tese weberiana de inadequação do catolicismo ao crescimento capitalista. Entre as 27 unidades da federação, os mais católicos são os nordestinos com 74,9% de sua população. Estes estados estão crescendo mais que os demais. De 2001 a 2009 a renda do Nordeste cresceu 41,8% contra 15,8% no Sudeste, a menos católica com 64,3% de sua população. De 2001 a 2008, a capital brasileira onde a renda cresceu mais foi Teresina com 56,2% e a periferia das grandes metrópoles, isto é contando todos os municípios da metrópole menos a capital, onde a renda cresceu mais foi a periferia da grande Fortaleza. Em suas respectivas categorias geográficas, isto é, capital dos estados e periferia metropolitana, estas são as mais católicas do país com 80,7% e 74,3%, respectivamente.
As chamadas décadas perdidas de 1980 e 1990 foram de marcada queda do catolicismo e aumento em especial de grupos evangélicos pentecostais. O período 2003 a 2009, embora compreendido entre duas crises, é interessante justamente pela sua pujança econômica, permitindo testar num contexto de crescimento a evolução religiosa. Nesse período observamos aumento dos sem religião de 5,13% para 6,72% e aumento dos grupos evangélicos de 17,9% para 20,2%. Note que todo crescimento veio dos evangélicos tradicionais que passam de 5,39% para 7,47% com relativa estabilidade dos pentecostais em torno de 12,7%. Outras crenças religiosas como espíritas, afro-brasileiras, orientais, entre outras, também sobem passando de 3,2% para 4,6%. Portanto, o boom brasileiro recente veio acompanhado de maior diversidade religiosa.
O movimento do caldeirão de crenças brasileiras tende a diluir o catolicismo. As mulheres são mais religiosas que os homens desde que o mundo é mundo e o Brasil é Brasil: 5% das mulheres não professam nenhuma religião contra 8,52% dos homens. Mas hoje elas são menos católicas que eles: entre os que possuem religião a proporção de católicos é 75,3% neles e 71,3% nelas. Enquanto os homens abandonaram as crenças, as mulheres trocaram de crença, preservando mais que eles a religiosidade. O catolicismo é patriarcal, já a religiosidade é mais feminina que masculina, passada da mãe às filhas e aos filhos. A infância e a juventude brasileira de hoje, retrato do futuro, são menos católicas que as demais faixas etárias.
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* Marcelo Côrtes Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, Fundação Getulio Vargas. Autor dos livros "Ensaios Sociais", "Cobertura Previdenciária: Diagnóstico e Propostas" e "Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grammen brasileiro". mcneri@fgv.br.
Fonte: Valor Econômico on line, 23/08/2011

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