quarta-feira, 27 de julho de 2011

Nós, os humanos

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE PEDRO LOBO SCALETSKY

Vejamos esta lista: Anders Behring Breivik, Thomas Hobbes, Charles Darwin, Michel Houellebecq, eu, Maurice Dantec, João Ubaldo Ribeiro e lobos-marinhos. O que pode haver de comum entre esses elementos tão díspares e disparatados, salvo os lobos? Breivik é o serial-killer norueguês. O inglês Hobbes, cientista político, filósofo e matemático, algo comum no século XVII, antes que política e matemática se tornassem inconciliáveis, refletiu sobre a natureza humana. Teve uma sacada digna de um publicitário: o homem é o lobo do homem. Darwin, o pai da teoria da evolução das espécies, disse que um chacal dorme dentro de cada um de nós e pode acordar a qualquer momento. Podemos sempre involuir. Michel Houellebecq e eu tivemos uma conversa, na Patagônia, sobre lobos-marinhos, bichos considerados por ele como de baixo nível, superados, talvez, só por bebedores de cerveja atolados em sofás vendo jogos de futebol na TV.
O escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro afirmou outra dia que nós, humanos, pertencemos a uma "especezinha" muito criticável. Muita gente antes e depois de todos os citados aqui já tentou fixar o que separa o homem das demais espécies? Por exemplo, o que separa o homem, mesmo o bebedor de cerveja, de um lobo-marinho esparramado em cima de um rochedo gelado? Os otimistas encontraram bonitas respostas para essa questão metafísica: a consciência, a inteligência, a capacidade de produzir arte, a consciência da finitude, a certeza da morte, a crença num ser superior, a fala e até a aptidão para distinguir 183 tipos de cerveja. A mortandade de inocentes provocada por Anders Behring Breivik sugere outra resposta: a estupidez. Que outro animal mata por ressentimento ou inveja? Que outro bicho executa os semelhantes em massa por não suportar algumas diferenças?
Tudo isso eu vi descrito magistralmente no romance de Maurice Dantec "Raízes do Mal". E ainda tem quem não o entenda ou duvide da sua qualidade. Anders Behring Breivik é o Andreas Schaltzmann de Dantec. O chacal não para de espalhar-se pelo mundo sinalizando um momento de involução da nossa espécie. O homem já não é o lobo do homem. Bom seria se fosse o lobo-marinho do homem. Bastaria distribuir sofás. É o chacal. Com certeza o único ser que mata por crença e ideologia. A espécie inteira tem culpa pela loucura de Breivik? Claro que não. De qualquer maneira, é uma espécie sob suspeita, a única, em princípio, a abrigar indivíduos capazes de praticar o mal em nome de um suposto bem. O serial-killer glacial será certamente considerado um doente. Isso muda algo? Elimina a sua responsabilidade? Absolve a sua espécie?
Para quando a próxima chacina? Parece que agora só muda o cenário: Estados Unidos, um subúrbio do Rio de Janeiro, Oslo. Talvez tenhamos encontrado a resposta definitiva para o enigma humano: a única espécie com indivíduos prontos a matar seus semelhantes por insatisfação consigo mesmos. Uma "especezinha" capaz do melhor e do pior, especialmente do pior. Cada vez mais.
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* Sociólogo. Escritor. Prof.Universitário. Tradutor. Cronista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo on line, 27/07/2011

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