sábado, 28 de maio de 2011

TYLER COWEN - Entrevista

Internet proporciona ganhos limitados
 a emprego e renda
Imagem da Internet
PARA AUTOR DE UM DOS LIVROS DE ECONOMIA MAIS DEBATIDOS DO ANO, CRISE DE 2008 FOI ÁPICE DA BOMBA DE ILUSÃO DE RIQUEZA E ESTAGNAÇÃO TECNOLÓGICA
Até os anos 1970, a economia americana viveu numa espécie de Éden: bastava levantar o braço e arrancar uma fruta pendente ("low-hanging fruit") para crescer. Havia terra abundante, trabalho imigrante farto, jovens inteligentes à espera de educação e revoluções tecnológicas decorrentes da difusão de eletricidade, encanamento, automóveis etc.
Mas, nos últimos 40 anos, o ritmo de crescimento da economia, da renda média, do nível de emprego e da produtividade (ganhos de eficiência) caiu muito. Para Tyler Cowen, economista da George Mason University e blogueiro do Marginal Revolution, nas últimas décadas os Estados Unidos (e todo o mundo desenvolvido inovador) atingiram uma espécie de limite, platô, no desenvolvimento tecnológico.
Inovações recentes como a internet mudam menos a vida das pessoas do que as de cem anos atrás e têm muito menos impacto sobre o PIB (Produto Interno Bruto, que mede o desempenho da economia) e sobre a criação de empregos (o Facebook, por exemplo, emprega 2.000).
Como boa parte do crescimento recente foi financiada com endividamento, a conclusão de Cowen é que a crise de 2008 foi o culminar da bomba de ilusão de riqueza e estagnação tecnológica.
Essas ideias estão no e-book "The Great Stagnation: How America Ate All The Low-Hanging Fruit of Modern History, Got Sick, and Will (Eventually) Feel Better", um dos livros de economia mais debatidos neste ano nos EUA -ou "o" mais debatido, segundo o jornal britânico "Financial Times".
Em abril, Cowen veio ao Brasil para o 24º Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, onde falou sobre internet e liberdade econômica. Abaixo, trechos da entrevista à Folha.

Folha - O senhor diz que os EUA chegaram a uma fronteira tecnológica, período de estabilidade na criação de tecnologias de fato impactantes. O que isso significa?
Tyler Cowen - Imagine todo o mundo ocidental tendo esse fantástico período de crescimento. Começa mais ou menos nos anos 1870 e segue até os anos 1950, 1960.
As pessoas passam a ter eletricidade, encanamento, carro, telefone, TV, rádio, elementos básicos da vida humana. E a maioria vem da combinação variada de máquinas poderosas e combustíveis fósseis.
Quando nos aproximamos do presente, exaurimos a maioria dessas possibilidades. Então, temos carros, e a cada ano eles ficam melhores, mas não vamos substituí-los por algo totalmente novo. E isso está por trás da desaceleração econômica.

Por que chegamos a isso?
Não acho que seja por uma falha em particular. Agora estamos de volta aos tempos normais. A maior parte da história da humanidade é de crescimento muito baixo.

Ocorreria de todo modo?
Sim, mas cometemos alguns erros. Temos um sistema educacional falho para muitos e a cada ano gastamos mais em educação e não obtemos resultados melhores. E a resposta não é gastar mais. Não há competição o suficiente, e a educação não é suficientemente orientada para agradar ao consumidor e aos pais. É um grande setor travado.

O maior avanço tecnológico recente foi a internet. Mas, o senhor diz, seu ganho ainda não é refletido no PIB nem na renda média. Por quê?
A internet é muito divertida e há muita invenção nela. Você tem redes sociais como Facebook, Twitter, e-mail. Mas, em termos de geração de riqueza e de empregos, [o progresso] é muito pequeno. Os ganhos financeiros são muito concentrados.
A internet é um progresso e continuará sendo, mas não o suficiente, se comparada aos ganhos que tivemos em eras anteriores. É como se um setor da economia estivesse sendo muito inovador, enquanto o resto está praticamente estagnado.

Não é o caso de pensar que, com as novas tecnologias, os parâmetros de crescimento e de produtividade estão se alterando? Não haverá logo bons modelos de negócio?
Isso é verdade, mas veja os últimos 11 anos neste país. Nem salários nem número de empregos subiram. Eu não culpo a internet, você pode dizer que, sem ela, teria sido pior. Mas, no largo plano, a internet não é suficiente para compensar essas tendências básicas negativas.
Creio que, eventualmente, iremos encontrar modelos de negócio adequados, mas "eventualmente" é muito tempo. Pode levar décadas antes de algo que fundamentalmente melhore a economia. Creio que isso acontecerá, mas não amanhã.
Varejistas como o Walmart usaram a internet para remodelar sistemas de logística.
Para o Walmart, representa ganhos reais, especialmente nos anos 1990. Mas, de novo, se você compara com períodos anteriores, havia múltiplos setores da economia gerando muitos ganhos. Como transporte, comunicação, eletricidade. Agora, é número limitado.

Onde o Brasil e outros emergentes se posicionam?
O Brasil ainda pode brincar de "catch-up" [alcançar tecnologicamente] e universalizar muito da tecnologia que quase todos nos EUA e muitos no Brasil têm. Esse é o tipo de "fruta pendente" que gera grandes ganhos.
O Brasil está crescendo rapidamente, o que precisa fazer é continuar assim.
A China está fazendo "catch-up" em ciência rapidamente, embora não haja novos produtos vindos de lá. Mas, politicamente, é muito volátil, a renda per capita é baixa, há problemas de transparência. Estou mais confiante no Brasil.

Em Porto Alegre, o senhor disse que a internet, incontrolável pelos governos, é uma das áreas "fruta-pendente" no Brasil. Ela pode gerar readequações do papel do governo na economia?
O varejo brasileiro, por exemplo, não é muito competitivo, é taxado muito, e os preços são muito altos. Ademais, a qualidade de comprar e receber pelo que você paga também é muito ruim.
Se você compara, digamos, Brasil e México, no México é muito melhor. Então, creio que a internet irá forçar uma maior competição, e os consumidores vão se acostumar mais com preços mais baixos e demandar mudanças. Muitos dos impostos sobre o varejo serão extirpados.

O que governo e setor privado podem fazer para acelerar inovação e crescimento?
Não muito. O governo pode melhorar o sistema educacional e dar subsídios à ciência. Mas, se chegamos a uma fronteira tecnológica, não adianta jogar mais dinheiro. Levam décadas de avanços que, eventualmente, vão valer a pena numa ruptura. A maioria das pessoas inteligentes precisa se importar com ciência. Se essas pessoas começam a ir para finanças, isso é um problema.

RAIO-X DE TYLER COWEN
IDADE
49 anos
QUEM É
Professor da George Mason University, onde dirige o Mercatus Center, e blogueiro do Marginal Revolution. Escreve para "New York Times", "New Republic", "Wall Street Journal"
FORMAÇÃO
Mestre em economia pela George Mason e Ph.D. na mesma área por Harvard
INTERESSES
Adora cultura brasileira, principalmente música (de Mutantes a Cibele) e arquitetura (Oscar Niemeyer)

CRÍTICA

Blogueiro tem visão alternativa, mas não excludente, a Krugman

CELSO ROCHA DE BARROS*
ESPECIAL PARA A FOLHA

Erudito e tecnicamente competente, gourmet, economista da cultura e colecionador de bandeiras de vodu, Tyler Cowen escreve, junto com Alex Tabarrok, um dos melhores blogs do mundo, o Marginal Revolution.
Mas, diante da maior crise econômica desde 1929, você não quer Freakonomics: você quer Keynes. Seria Cowen capaz de prover uma visão da crise e sugestões para superá-la, como vem tentando fazer Paul Krugman?
Eis a visão em "The Great Stagnation": nas últimas décadas, atingimos um platô no desenvolvimento tecnológico. As inovações recentes, como a internet, mudam menos a vida do que as invenções de cem anos atrás.
Boa parte do crescimento recente foi financiada com endividamento, e a mediana da renda nos EUA não se mexe muito desde os anos 1970.
Essa estagnação, aliada à ilusão de riqueza dos endividados, é a raiz da crise; o mercado imobiliário só estourou primeiro porque lá os devedores eram mais pobres. Cowen é otimista no longo prazo: China e Índia vão começar a inovar mais, cresce o consenso visando reformar a educação norte-americana, e os efeitos da internet sobre a geração de renda e emprego, até agora menores do que se pensa, podem crescer.
Mas seria um erro achar que a narrativa de Cowen substitui a discussão sobre a necessidade de políticas keynesianas para superar a crise. Se a economia tivesse se lançado numa espiral deflacionária em 2008, teríamos um ambiente favorável a empreendedorismo e inovação?
Não me parece, no fundo, que Cowen e Krugman ofereçam explicações excludentes. E há muito mais no livro.
Recomendadíssimo.
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*CELSO ROCHA DE BARROS é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford

THE GREAT STAGNATION
Tyler Cowen
EDITORA Penguin
QUANTO US$ 5,19 (256 KB)
AVALIAÇÃO Ótimo
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Reportagem por: NATÁLIA PAIVA DE SÃO PAULO

Fonte: Folha on line, 28/05/2011

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