terça-feira, 24 de maio de 2011

Período integral

BENJAMIN STEINBRUCH

Imagem da Internet
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Escola em período integral deveria
ser obsessão dos governantes que
vivem seu primeiro ano de mandato

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NO MÊS PASSADO, encontrei Michael, um empresário de Michigan, nos Estados Unidos. Durante três gerações, a família dele se dedicou com sucesso à indústria, na área de metalurgia. Recentemente, porém, a família vendeu o negócio e agora Michael investe em um ramo completamente diferente: educação. Na rápida conversa que tivemos, ele explicou por que fez mudança tão drástica de área de negócio. "O trabalhador americano precisa se requalificar porque as coisas que ele sabia fazer não são mais feitas nos EUA -elas vêm da China, da Coreia, do Japão e de vários outros países."
Com base nesse diagnóstico, Michael resolveu abrir uma instituição de ensino voltada para os novos setores que demandam mão de obra na economia americana, principalmente em serviços e em tecnologia. A história de Michael não se aplica com muita propriedade ao Brasil.
Aqui, estamos em um estágio diferente. Mesmo sofrendo em parte com a invasão de importados, por um desvio momentâneo, mas preocupante, na taxa cambial, ainda temos muitos setores industriais globalmente competitivos e com forte demanda de profissionais.
A preocupação com educação, porém, que já é obrigação do setor público, tem tudo a ver com o crescimento econômico. Não há outra maneira de mantê-lo, a não ser com a implantação de um bom sistema educacional em todos os níveis, do básico ao superior. Bastou a economia crescer 7% ao ano para começar a faltar profissionais qualificados em todas as áreas da indústria.
O analfabetismo em idade escolar no país, é verdade, vai ficando para trás. O Censo de 2010 mostrou que apenas 3,2% das pessoas na faixa de 10 a 29 anos não sabem ler e escrever. Entre os que têm mais de 30 anos, o índice de analfabetismo é maior, de 13,27%. Isso significa que o sistema de ensino básico tem sido eficiente para alfabetizar as crianças e os jovens. Assim, o analfabetismo tende a desaparecer em uma ou duas gerações.
Há, portanto, um sucesso quantitativo no ensino básico brasileiro. O mesmo, infelizmente, não se pode dizer sobre a qualidade. Chamou a atenção uma iniciativa do governo de São Paulo, que anunciou aumento prefixado de 42% no salário dos professores paulistas nos próximos quatro anos.
Ao ler essa notícia, bateu-me um forte saudosismo dos tempos de escola primária no interior paulista. As professoras tinham status extraordinário na cidade. Eram admiradas e respeitadas, não apenas pela sua posição de mestres, mas também por conta dos salários que recebiam nas escolas públicas, já que raríssimos colégios privados tinham boa qualidade -só alunos que não conseguiam acesso às escolas do Estado recorriam às particulares.
O piso salarial de um professor com jornada de 40 horas semanais em São Paulo, o Estado mais rico do país, será de R$ 1.894 mensais depois do reajuste de 13,8% em 1º de julho. Sabemos das dificuldades orçamentárias dos Estados, mas, certamente, esse salário não é suficiente para estimular a formação de bons professores. No chão de fábrica, em muitos setores industriais, trabalhadores com nível primário ganham salário básico maior.
A remuneração de professores é fundamental para melhorar a qualidade do ensino brasileiro. Mas há outro aspecto relevante: o tempo de permanência dos alunos na escola.
Em países como a Coreia, as crianças ficam até 12 horas por dia nas escolas, 7 delas estudando. Em toda a Europa, os alunos frequentam a escola em tempo integral.
Não há como fazer milagres em matéria de melhoria de qualidade de ensino se não encontrarmos uma forma de ampliar as míseras 4 horas de aulas diárias do ensino público.
Custe o que custar, é preciso reter os alunos por mais tempo estudando, brincando, praticando esportes e se alimentando corretamente.
Estarreceu-me a leitura de relatos de mães desesperadas, que trabalham fora de casa, no Rio. Longe dos olhos paternos, quando as 4 horas de aula terminam, meninos e meninas ficam na rua, expostos a tudo, inclusive ao aliciamento de traficantes de drogas. Escola em período integral deveria ser uma obsessão nos programas de governantes que vivem seu primeiro ano de mandato.
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*BENJAMIN STEINBRUCH, 57, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.
Fonte: Folha on line, 24/05/2011

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