sexta-feira, 20 de maio de 2011

Pecado católico, pecado protestante. O caso Strauss-Kahn

Imagem da Internet

O caso DSK [Dominique Strauss-Kahn, diretor gerente do FMI]
revela um choque de culturas.
O catolicismo e o protestantismo não têm a mesma maneira
de gerir a culpa e o pecado.
Questões de teologia e história...

Desde o pecado original, a humanidade “manca”, especialmente no registro da sexualidade. A Igreja católica aceita isso como uma realidade indiscutível que se trata de curar e acredita especialmente no poder dos sacramentos. Ela afirma ainda sua competência para “gerir” o melhor possível os erros e a culpabilidade, especialmente através do sacramento da Penitência, pelo qual o sacerdote pronuncia o perdão de Deus ao penitente dando-lhe a absolvição, após a confissão sincera dos pecados e a promessa de não mais repeti-los.
A Igreja católica acredita que a pessoa sempre pode se emendar com a graça de Deus que age na alma. Ela defende uma visão complexa do pecado e da questão da liberdade no que diz respeito à fraqueza humana. A fraqueza pode ser menor ou maior, dependendo da natureza dos indivíduos, a liberdade pode ser mais ou menos segura em função da história e da psicologia do indivíduo, nada é absoluto.
Isso desembocou na casuística, ou seja, na cultura da jurisprudência sobre a culpa. A Igreja pode se orgulhar de um certo refinamento no gênero, e foi inclusive o que se tem criticado aos jesuítas. É assim que se chegou à distinção entre os pecados veniais e mortais, a fim de ter em conta a maior ou menor gravidade de um ato. Porque se pode fazer o mal sem que seja um pecado.
Por exemplo, eu atropelo de carro um pedestre que se jogou debaixo das rodas, acidentalmente. Se eu estivesse dirigindo em velocidade baixa, prestando atenção, não haveria pecado. Se eu estivesse bêbado, já seria outra coisa... Esta visão inspirou a categoria jurídica, no direito penal, das circunstâncias agravantes ou atenuantes. O universo católico é marcado por uma gestão flexível e individual do pecado. Há uma lei, mas a Igreja sempre viveu a adaptação a cada um segundo a lei da gradualidade (ver as recentes declarações do papa sobre os preservativos em seu livro Luz do Mundo).
O “bom” padre é um leão no púlpito, mas um cordeiro no confessionário, como disse o papa Pio X... No segredo do confessionário, o padre se adapta e fixa uma penitência justa e suportável. No caso dos crimes públicos envolvendo poderosos – o rei poderia ser excomungado pelo papa –, há sempre a possibilidade de reparar e ser reintegrado na comunhão por meio de sanções graves – o que explica o surgimento das indulgências, que são reparações "rápidas" e alternativas do pecado.
A perversão continuava: era possível “comprar”, no século XVI, sua penitência sem qualquer remorso, nem sincero arrependimento. Foi isto que Lutero denunciou violentamente em 1517, em suas 95 teses contra as indulgências. A cultura protestante só vê hipocrisia na gestão católica do pecado, a quem ela denuncia um lado "merceeiro", negociante de tapetes.
O ponto de vista calvinista defende que é preciso passar a religião pelo alvejante, purificá-la do seu lixo. Este é o significado do puritanismo (uma forma de calvinismo radical), que não tem, primeiramente, intenção sexual, mas que quer livrar a relação do homem com Deus de todos os pequenos arranjos mundanos, para dar apenas poder e glória a Deus. A nobre ideia é que a Igreja não deve se imiscuir na gestão do pecado, que é reservada exclusivamente a Deus, a menos que se arrogue um poder indevido. Por isso, nega a confissão e tudo o que acontece com... porque se pensa que esta mediação da Igreja é ilegítima, que ela interfere indevidamente na relação entre o crente e seu Deus.
Os americanos se construíram sobre a visão “puritana”, no sentido histórico: Os Pilgrim Fathers deixaram a Inglaterra, onde o protestantismo, na sua opinião, se perdeu (simultaneamente por conluio com uma influência catolicizante no anglicanismo e também pela aliança entre o trono e o altar, razão pela qual a primeira emenda da Constituição norte-americana estabelece a laicidade das instituições).
 Os recentes acontecimentos nos Estados Unidos
estão repletos de casos em que políticos
que militam contra o homossexualismo
são pegos em flagrante delito
de relações gays.
Esta visão protestante se une, nos Estados Unidos, a uma abordagem anglo-saxã voluntariamente binária: tudo é preto e branco, não há nenhuma área cinzenta, como no catolicismo. Não se toma a pessoa na sua globalidade, como no catolicismo, mas ela é destrinchada em pedaços. Daí a força do fenômeno do “nascer de novo”: “Eu era um pecador, me converti e me tornei puro. Desde que estou ancorado em Deus, estou morto para o pecado.”
O catolicismo, ao contrário, postula que o caminho para a santidade é progressivo e consiste de etapas onde se cai e depois se levanta e onde se avança por etapas; sem que nunca possa se considerar totalmente puro. Não há nada semelhante na cultura protestante evangélica americana onde se supervaloriza a ruptura entre o antes e o depois da conversão, entre o pecado do passado e a pureza do presente. Mas a realidade é mais complexa... Permanecemos pecadores...
Isso incentiva, então, o fenômeno da clivagem entre uma vida privada pecaminosa e uma vida pública impecável. Os recentes acontecimentos nos Estados Unidos estão repletos de casos em que políticos que militam contra o homossexualismo são pegos em flagrante delito de relações gays. Pode-se citar também o caso do governador do Estado de Nova York que estava envolvido em uma rede de garotas de programa quando ele tinha como prioridade a luta contra a prostituição. Quem quer ser anjo, acaba sendo besta, disse Pascal. Mas o fenômeno da clivagem também está presente no catolicismo, se pensarmos nos casos de pedofilia envolvendo padres, ou o fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel.
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A reportagem é de Jean Mercier e está publicada no sítio da revista francesa La Vie, 17-05-2011. A tradução é do Cepat.
Fonte: IHU on line, 20/05/2011

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