sexta-feira, 20 de maio de 2011

O FMI depois de DSK

Harold James*
O escândalo expôs alguns problemas fundamentais do Fundo.
Como o poderoso Fundo Monetário Internacional (FMI) decaiu. Mais de uma década atrás, a revista francesa "Paris Match" publicou uma foto do então diretor-geral do FMI, Michel Camdessus, com o título: "O francês mais poderoso do mundo". Hoje, seu sucessor, Dominique Strauss-Kahn (DSK), algemado e com fisionomia grave nas fotos das primeiras páginas, é o francês mais humilhado do mundo.
Um resultado inesperado do sensacional escândalo sexual envolvendo DSK em Nova York é que a questão de sua sucessão está atraindo um nível sem precedentes de interesse e preocupação públicas. Na verdade, o escândalo expôs alguns dos problemas fundamentais na governança do FMI, e até mesmo sobre sua existência.
Strauss-Kahn tentou remodelar o FMI, transformando-o em médico - em vez de policial - do mundo financeiro mundial. Em ações de mitigação, ou mesmo prevenção, de crises financeiras, porém, a função de polícia é às vezes necessária. No momento, a combinação de excessos ainda evidentes no setor financeiro e nas finanças públicas em muitos países exige alguma ação policial bastante dura.
Qualquer organização é sempre muito mais do que simplesmente a pessoa que a preside, mas uma figura fraca ou politizada em seu comando pode causar grandes danos. Infelizmente, cerca de metade dos ex-diretores-gerentes do Fundo Monetário Internacional foram fracos ou excessivamente políticos - ou as duas coisas.
O primeiro dos dois diretores-gerentes do FMI, o belga Camille Gutt e o sueco Ivar Rooth, foram, ambos, figuras bastante fracas. Com efeito, o Fundo quase caiu em total esquecimento durante seu mandato.
O Fundo precisa de um diretor
que transcenda a lógica política e
possa desenhar o campo econômico
da nova ordem mundial.
O próximo diretor-gerente
 deveria ser oriental, em vez de ocidental;
economista, e não político;
e visionário, mais que estrategista.
Os dois mais recentes diretores-executivos do FMI anteriores a DSK, um alemão e um espanhol, foram igualmente fracos. Horst Köhler, nomeado em 2000, começou o milênio numa nota destoante. Ele tinha sido um influente secretário de Estado no ministério das Finanças da Alemanha, antes de se tornar o presidente das associações de bancos de poupança. Gerhard Schröder, à época, chanceler da Alemanha, pressionou vigorosamente para que um alemão fosse indicado para comandar o FMI, mas mesmo assim Horst Köhler sempre foi um candidato implausível, relegado a uma segunda opção. Ele renunciou ao posto em 2004 para concorrer como candidato de Angela Merkel ao cargo - em grande parte cerimonial - de presidente da República Federal da Alemanha, uma função que desempenhou com altos e baixos até renunciar abruptamente.
O sucessor de Köhler, Rodrigo Rato, tinha sido líder do partido de centro-direita espanhol, que foi inesperadamente derrotado nas eleições gerais de 2004 pelo atual primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero. Ele foi então enviado a Washington como prêmio de consolação mas nunca foi muito feliz por lá. A influência do FMI foi encolhendo e ele acabou renunciando em 2007 "por motivos pessoais".
Dominique Strauss-Kahn, da mesma forma, iniciou seu mandato no FMI como um político no exílio, depois de emergir como o mais formidável adversário doméstico do presidente francês Nicolas Sarkozy. Sarkozy e seus estrategistas sem dúvida pensaram que despachar DSK para o Fundo, que antes da crise financeira mundial parecia desimportante e marginal, era um lance brilhante. Eles podem até mesmo ter calculado que sua vida privada poderia causar uma comoção num país mais puritano e lascivo do que a França. Mas quando o FMI ressurgiu, após 2008, como instituição mundial fundamental, com DSK parecendo reorientá-lo com substancial habilidade política e econômica, ele começou novamente a parecer uma ameaça à tentativa de reeleição de Sarkozy.
O pesado envolvimento do FMI em uma solução para a crise da dívida soberana europeia acrescenta outro elemento de complexidade política. Não europeus suspeitaram que os europeus estavam sendo beneficiados por termos favoráveis concedidos por um político francês convertido em economista que queria voltar à política. E alguns europeus preocuparam-se com que o FMI estivesse tomando partido numa polarizada disputa intraeuropeia sobre como os custos da crise financeira deveriam ser partilhados.
Recentes nomeações para a direção do FMI foram, todas, viabilizadas após barganhas de alto nível entre governos europeus. Existe agora uma necessidade de romper definitivamente com a desacreditada lógica política que norteia tais decisões.
A convenção segundo a qual o diretor-gerente do FMI precisa ser um europeu ocidental não está escrita em lugar nenhum, muito menos nos "Artigos de Acordo" do Fundo. Com efeito, mesmo em 1973 havia um apoio substancial a um candidato não europeu, Roberto Alemann, renomado economista e ex-ministro da Economia argentino.
A história do FMI também sugere o tipo de profissional que trabalha mais produtivamente em Washington. Nenhum dos três diretores-gerentes mais poderosos e influentes havia sido político ou ministro de governo.
Per Jacobsson, economista sueco que resgatou o FMI de sua obscuridade em 1950, tinha sido funcionário do Banco para Compensações Internacionais (BIS), na Basileia. Como economista-chefe do BIS, em 1930, Jacobsson sabia como usar a análise econômica como base de influência. Jacques de Larosière e Michel Camdessus eram funcionários públicos franceses que combinavam alto nível de conhecimentos técnicos e experiência gerencial com uma visão de como a economia mundial deveria funcionar.
Hoje, o angustiante problema estratégico primordial do mundo é o ajustamento a uma nova geografia econômica e política, em que o peso da economia mundial está se deslocando para o leste e para o sul. É tentador concluir que a nomeação de uma personalidade bem relacionada proveniente de uma economia de mercado emergente poderia resolver o problema.
Mas tal desfecho repetiria o pensamento do passado, quando a principal necessidade era intermediar influências europeias e americanas. Nomear um ícone político asiático mudaria os nomes dos jogadores, não reinventaria o jogo.
O Fundo Monetário Internacional precisa de um diretor que transcenda a lógica política e possa desenhar o campo econômico da nova ordem mundial. O próximo diretor-gerente deveria ser oriental, em vez de ocidental; economista, e não político; e visionário, mais que estrategista.
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*Harold James é professor de História e Assuntos Internacionais na Universidade Princeton e professor de História no Instituto Universitário Europeu, em Florença. Seu livro mais recente "The Creation and Destruction of Value: The Globalization Cycle" (a criação e destruição de valor: o ciclo de globalização) Copyright: Project Syndicate, 2011. www.project-syndicate.org
Fonte: Valor Econômico online, 20/05/2011

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