sábado, 30 de abril de 2011

Entre a guilhotina e os biscoitos

CLÁUDIA LAITANO*
Imagem da Internet
Para agradar a apocalípticos e integrados, o jornal britânico The Guardian preparou ontem, para sua versão online, uma área em que “realistas” e “rebeldes” podiam manifestar suas opiniões a respeito do casamento (e inclusive escolher presentes virtuais para os noivos) conforme sua inclinação em relação ao assunto: do deslumbre absoluto com a pompa, a circunstância e os chapéus enfeitados ao desprezo mais raivoso com relação à monarquia britânica, ao circo midiático que se forma em torno de eventos desse tipo e, de quebra, “contra tudo isso que está aí” – do Renan Calheiros ao aquecimento global.
Na lista de presentes sugeridos para a turma dos “realistas”, representados por um coração com os rostos dos dois pombinhos (o que mais...), apareciam um conjunto de embalagens de tuperware com o brasão da família real, biscoitos finos e uma biografia da Rainha Vitória. Na lista dos presentes “rebeldes”, simbolizados por uma efígie de Che Guevara (quem mais...), as opções eram as chaves de um apartamento no exílio de Elba, um kit guilhotina para montar em casa e uma biografia de Charles I da Inglaterra – monarca executado em 1649. Entre a guilhotina e os biscoitos, a maioria dos leitores do The Guardian preferiu cortar os jovens pescoços reais – pelo menos figurativamente.
Quem preferiria ter passado a sexta-feira escondido no calabouço de um castelo medieval, para não ter que ouvir falar em casamento, em geral alega um de dois motivos (ou os dois): entojo com a superexposição do assunto ou desinteresse. Já as justificativas para o fascínio da realeza são tantas quanto os diamantes na tiara da noiva. Muita gente, como eu, deve ter acordado mais cedo ontem movida por um sentido de simetria com o passado. O mesmo impulso que nos faz, ao visitar uma cidade pela segunda vez depois de muitos anos, querer rever os mesmos lugares, medindo não apenas o que mudou na paisagem, mas o que, em nós, se modificou com o passar do tempo.
Aos 15 anos, assistir ao casamento de uma princesa que tinha quase a minha idade me pareceu um programa obrigatório. Dormimos na mesma casa, eu e mais três amigas, para acordar cedo no outro dia e ver a cerimônia enroladas no cobertor, tomando Nescau e comendo sanduíches. Não lembro de muita coisa, mas tenho muito presente o impacto causado pelo vestido de Diana. Não porque era especialmente bonito, mas porque era diferente de todos os vestidos de noiva que eu já tinha visto: estranho, exagerado, fabuloso. Já o vestido de Kate foi o oposto disso tudo: simples, discretamente sensual e quase previsível de tão elegante. O que se viu no altar ontem não foi uma plebeia esforçando-se para alcançar os arquétipos da realeza, mas uma mulher comum tratando de respeitar os códigos de uma família complicada. Bom para ela, ruim para o espetáculo.
O mundo, a realeza, as mulheres – e eu – mudamos muitos nesses 30 anos. Mas o que mais fez falta ontem foi o Nescau da minha mãe.
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* Cronista da ZH
Fonte: ZH online, 30/04/2011

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