quinta-feira, 14 de abril de 2011

"Brasileirinhos"

PASQUALE CIPRO NETO*
Imagem da Internet
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Essa mesma delicadeza e esse mesmo afeto
 transbordam da forma
 empregada por Dilma

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A PRESIDENTE/A DILMA ROUSSEF comoveu muita gente quando pediu um minuto de silêncio em homenagem aos "brasileirinhos que foram tão cedo retirados da vida". Atrevo-me a dizer que a forma diminutiva empregada pela presidente/a acentuou o forte caráter emocional do seu pronunciamento a respeito do brutal destino daquelas 12 crianças. Digo mesmo que a mensagem certamente não teria a mesma força se Dilma tivesse empregado outra palavra ("crianças", por exemplo).
Na escola, quando se estuda o diminutivo, lamentavelmente ainda é comum o predomínio da ênfase sobre a ideia de tamanho, como se esse fosse o único ou o principal valor dessa flexão. Aí vêm as inevitáveis (e chatíssimas) listas, que as atônitas crianças são obrigadas a decorar. Depois, inexorável, uma prova, braba, bem braba, seca, bem seca, em que se pede o diminutivo de "feixe", "nó", "corpo", "homem" etc.
Quando a molecada "descobre" que o diminutivo (erudito) de "feixe" é "fascículo", que o de "nó" é "nódulo" e que o de "homem" é "homúnculo" ("homúnculo!!!"), a perplexidade se acentua, sobretudo porque nem sempre se explica de onde vêm essas formas nem se diz em que situações ocorre seu uso.
Em vez de listas e listas, não seria melhor deixar que os textos da nossa literatura trouxessem as formas diminutivas e, com elas, a conversa sobre os seus diversos valores?
Posto isso, proponho ao leitor a observação dos valores do diminutivo em dois poemas do grande Manuel Bandeira. O primeiro deles é o tocante "O Menino Doente":

"O menino dorme.
Para que o menino
Durma sossegado,
Sentada ao seu lado
A mãezinha canta:
- "Dodói, vai-te embora!
"Deixa o meu filhinho,
"Dorme . . . dorme . . . meu . . ."
Morta de fadiga,
Ela adormeceu.
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta:
- "Dorme, meu amor.
"Dorme, meu benzinho . . ."
E o menino dorme".

Compare, caro leitor, o valor do diminutivo em "mãezinha" com o que há em "filhinho" e "benzinho". Comparou? Então vamos ao segundo poema de Bandeira, o antológico "Porquinho-da-Índia":

 "Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
 Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
 Levava ele pra sala 
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .
 - O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada".

Em "bichinhos", o diminutivo expressa um misto de afeto e ideia de tamanho, mas em "limpinhos" e sobretudo em "ternurinhas"... Parece-me um tanto redundante falar da imensa delicadeza e do infinito afeto que transbordam dessas formas.
Pois essa mesma delicadeza e esse mesmo afeto transbordam também da forma empregada pela presidente/a em seu pronunciamento. Afeto e delicadeza que talvez alguns daqueles brasileirinhos tenham experimentado no seio das suas famílias, na escola, na formação do imaginário, na fruição de certas leituras, na entrada da poesia nas suas almas. A poesia (sob todos os aspectos da palavra) é tudo nesta vida, caro leitor. É isso.
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* Professor de língua portuguesa e apresentador de televisão brasileiro. Também conhecido apenas pela alcunha de Professor Pasquale, com a qual se apresenta. Colunista dos jornais Folha de S.Paulo, O Globo e Diário do Grande ABC, entre outros, e da revista literária Cult.
Fonte: Folha online, 14/04/2011

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