sábado, 19 de março de 2011

David Harsanyi: "O governo quer decidir até o tamanho da casa do cachorro"

Para o escritor americano, o “Estado babá”, que 
pretende influenciar o comportamento dos indivíduos,
está minando a liberdade
JOSÉ FUCS
O escritor americano David Harsanyi é um duro crítico das iniciativas governamentais que pretendem determinar o que comemos, o que bebemos, os remédios que tomamos e o que vemos na TV. Segundo Harsanyi, autor do livro O Estado babá – Como radicais, bons samaritanos, moralistas e outros burocratas cabeças-duras tentam infantilizar a sociedade, recém-lançado no Brasil, não cabe ao governo dirigir o comportamento dos indivíduos e determinar um padrão moral para a sociedade. “Para mim, não é dever do Estado proteger as pessoas delas mesmas”, afirmou a ÉPOCA na semana passada, ao passar pelo Rio de Janeiro para dar uma palestra sobre o tema. “Nada justifica o comprometimento da liberdade.”
ENTREVISTA - DAVID HARSANYI
Filipe Redondo/ÉPOCA QUEM É
Escritor americano, de 41 anos. Casado, tem dois filhos e mora em Denver, nos EUA
ONDE ESTUDOU
É formado em comunicações pela Long Island University, no Estado de Nova York, em 1993
O QUE PUBLICOU
É autor do livro O Estado babá (Ed. Litteris), recém-lançado no Brasil, e colunista do jornal The Denver Post

ÉPOCA – O que o senhor quer dizer com “Estado babá”?
David Harsanyi –
Quando falo em “Estado babá”, estou me referindo às iniciativas do governo para forçar os indivíduos a fazer alguma coisa. Não coisas grandes, como em uma ditadura, mas pequenas coisas, com o objetivo de tentar dirigir o comportamento dos indivíduos e determinar um padrão moral para a sociedade. Acho que não cabe ao governo fazer isso.

ÉPOCA – Na prática, o que isso significa?
Harsanyi –
Uma das ações mais conhecidas do Estado babá é a proibição do fumo em restaurantes (adotada tanto nos EUA como no Brasil). Mesmo que o dono do restaurante queira permitir o fumo em seu estabelecimento, ele não pode. Outro campo que o Estado babá costuma regular muito é o de alimentação. Nos EUA, há leis determinando como deve ser a comida das crianças na escola. Em alguns lugares, elas não podem sequer fazer festas de aniversário com bolos, porque não se pode dar nada com açúcar para elas. Algumas cidades proibiram até a abertura de lanchonetes de fast-food em certas áreas para tentar combater o problema da obesidade infantil. Em Los Angeles, criaram as chamadas “zonas de engasgo”, onde você não pode vender certos tipos de comida, porque não são considerados saudáveis. Na Califórnia, há cidades que proibiram até o fumo nas ruas. No Colorado, um juiz chegou a proibir as pessoas de fumar em suas próprias casas. Outras cidades criaram as chamadas “leis de quintal”, por meio das quais o governo determina até qual deve ser o tamanho das casinhas de cachorro e quanta água você tem de deixar na tigela para seu animal de estimação.

ÉPOCA – Por que esse tipo de controle está se disseminando?
Harsanyi –
Os políticos têm de fazer alguma coisa. Eu até reconheço que muitas leis que corroem a liberdade são bem-intencionadas. As pessoas querem ajudar alguém ou resolver um problema social. Mas isso gera consequências inesperadas e cria precedentes perigosos para a aprovação de novas leis invasivas. A coisa começa com uma boa ideia, depois vai crescendo e acaba virando algo que causa danos muito maiores. Nada justifica o comprometimento dos direitos individuais e da liberdade. A liberdade é mais importante que o problema.

ÉPOCA – Essas iniciativas do governo visam ao bem-estar da população?
Harsanyi –
Para mim, não é dever do Estado proteger as pessoas delas mesmas. Nós sabemos o que está acontecendo por aí. O que precisamos é de transparência. Temos de saber que fumar faz mal à saúde, mas as decisões devem caber a cada um. As empresas têm de produzir comida de boa qualidade para garantir a própria sobrevivência. Se elas não fizerem isso, os consumidores não vão comprar seus produtos. Não entendo quando o governo passa a tomar as decisões em seu nome, em vez de permitir que você o faça. No final, a maioria dessas leis nem alcança os objetivos dos legisladores. Frequentemente, você vê os evangélicos nos EUA tentando legislar sobre questões morais. Isso não funciona. O governo não consegue mudar o comportamento das pessoas dessa forma. Há formas melhores de estimulá-las a ter hábitos saudáveis do que obrigá-las a adotar certos comportamentos.

ÉPOCA – Em seu livro, o senhor chama essas ações governamentais de fascistas. Não é exagero?
Harsanyi –
Foi um termo usado propositalmente, com sarcasmo e humor. Quando você analisa uma restrição dessas isoladamente, talvez não pareça tão grave. Mas, quando soma tudo, trata-se de algo negativo para qualquer país. Não é um movimento político, é uma ideologia que abala a liberdade e serve como desculpa para as pessoas irem além e além – e esse é meu maior medo. Hoje, eles me dizem o que eu posso comer. Depois, vão controlar o que eu posso dizer, e assim por diante.
"Em uma sociedade empreendedora, saudável,
as pessoas correm riscos o tempo todo. 
Acabar com o risco 
é minar a liberdade"
ÉPOCA – Qual seria a alternativa?
Harsanyi –
Esse tipo de política não funciona. Sem essas proteções, os indivíduos iriam se tornar menos dependentes do governo e talvez pudessem se informar melhor e tomar melhores decisões. Quando mudei para Denver, no Colorado, levei meus filhos para o playground. Era um playground superseguro. Não havia jeito de eles se machucarem ali. Assim, você acaba criando crianças avessas ao risco. Elas não entendem as consequências de correr riscos, porque não deixamos que isso aconteça. Isso é ruim. Em uma sociedade saudável, empreendedora, capitalista, as pessoas correm riscos o tempo todo. Se acabamos com o risco, minamos a liberdade.

ÉPOCA – No Brasil, a Anvisa, a agência responsável pela vigilância sanitária, proibiu a venda de remédios para azia e dor de cabeça pelo sistema de autosserviço nas farmácias. Agora, quer controlar a publicidade de alimentos e até as substâncias incluídas nos cigarros.
Harsanyi –
Nos EUA, quando acham que algum remédio é perigoso, porque alguém teve um ataque no coração depois de tomá-lo, eles o tiram do mercado. Até pouco tempo atrás havia um analgésico poderoso, que aliviava dores terríveis dos pacientes. O governo proibiu sua venda porque alguns doentes o tomaram e sofreram ataque cardíaco. Não deixou que as pessoas tomassem a decisão sobre a própria vida e o tipo de risco que desejam correr. Só que elas sentiam tanta dor que estavam dispostas a correr o risco. Assim como no caso do cigarro, com os remédios devemos saber quais são os riscos, mas devemos poder tomar a decisão que julgarmos melhor para nós. No caso das crianças, o que está acontecendo no Brasil é semelhante ao que ocorre nos EUA. Eu sou o pai de meus filhos e devo ser responsável por tomar essas decisões. Há maus pais que tomam decisões ruins para suas crianças. Um comercial não os transformará em bons pais. Não vai promover o que o governo quer e ainda vai afetar outras pessoas, que são responsáveis em relação a seus filhos.

ÉPOCA – E quanto aos cigarros?
Harsanyi –
Sabemos que os cigarros não são bons para a gente. Mas muitas pessoas gostam de fumar. Quando se confirmaram os problemas causados pelo cigarro, os fabricantes se encolheram. Agora, o governo faz o que quer com as empresas de cigarro. No Brasil, as empresas têm de colocar fotografias nos maços para mostrar os problemas causados pelo cigarro. Acho que aqui eles mentem nos avisos. Vi um maço de cigarros que tinha um aviso dizendo que os cigarros provocam impotência sexual. Eu nunca vi um estudo afirmando isso, nem sei se é verdade. Mas eles podem dizer o que querem, certo? Nos Estados Unidos, eles dizem que até um único cigarro pode matá-lo. Não é verdade. 
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Fonte: Revista Época online, 16/03/2011

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