domingo, 16 de janeiro de 2011

A síndrome da repetição

MARTHA MEDEIROS*

Temos nossas dores de estimação,
nossos erros reincidentes,
um caminho que parece uma
 infinita highway, mas é, no fundo,
 uma grande rotatória

Somos os mesmos e vivemos como nossos pais. Não, não era assim que eu queria começar, mas tenho essa mania de sempre iniciar uma crônica assinalando o gancho que me inspirou, seja uma música, um filme, um papo com uma amiga, um e-mail de leitor. No entanto, essa crônica nada tem a ver com a música do Belchior que a Elis eternizou, a citação foi apenas por força do hábito: todos nós vivemos em constante estado de repetição.
Até pouco tempo atrás eu procurava um analista para conversar um pouco, fazer balanços, enfim, ele era uma espécie de pronto-socorro emocional, e funcionava. O curioso é que, a cada vez que eu o procurava, voltávamos sempre ao mesmo assunto, as nossas conversas envolviam sempre os mesmos problemas – e eu sempre abandonava o tratamento me sentindo melhor, porém a mesma.
Será minha vida tão monocromática? Não é. O que acontece é que todos nós temos nossas dores de estimação, nossos erros reincidentes, um caminho que parece uma infinita highway, mas é, no fundo, uma grande rotatória. Acabamos sempre no mesmo ponto, dando as mesmas voltas.
"Algumas coisas mudam ao nosso redor,
mas nossa essência,
nossas dúvidas
e nossas perguntas
– principalmente as perguntas –
seguem as de sempre."

Faça o teste: você discute com sua mãe sobre diversos motivos ou sempre pelo mesmo? Com seu pai a discussão é mais variada ou empaca sempre na mesma questão? As queixas de suas namoradas são diversas ou parece que elas combinaram de dizer a mesma coisa? E as suas queixas sobre os outros, mudam muito? Quando você vai ao médico, ele não recomenda sempre o mesmo pra você? E você, naturalmente, não cumpre. Se você está casada há 25 anos, responda com sinceridade: a primeira briga que teve com seu marido foi muito diferente da que teve semana passada?
Existem pessoas na minha vida que conheço desde que nasci, fomos colegas de berçário, e não é força de expressão, tenho mesmo uma amiga que nasceu um dia depois de mim, no mesmo hospital, e mal sabíamos que riríamos e choraríamos juntas por toda a vida, não só pelo espanto do parto. Ela é apenas uma entre tantas outras que conheço há séculos, e seguimos sendo quem sempre fomos, e a cada encontro nos repetimos, e isso é a glória: saúdo os reconhecimentos, as sólidas histórias de vida e de companheirismo, o não precisar se reinventar constantemente. Algumas coisas mudam ao nosso redor, mas nossa essência, nossas dúvidas e nossas perguntas – principalmente as perguntas – seguem as de sempre.
Outro dia um amigo me disse que os únicos relacionamentos que duram são aqueles em que o casal renova os motivos das brigas. Bacana. Pedi pra ele me apontar um exemplo. Ele pensou, pensou, pensou, e depois começou a rir e me enrolou com uma conversa que já ouvi mil vezes, e eu, como em outras mil vezes, retruquei, e acabamos a tarde num abraço afetuoso mil vezes repetido e ficamos de não demorar para nos ver de novo, mas vai demorar, porque sempre demora, sempre foi assim. Tudo acontece do mesmo jeito o tempo todo.
______________________
* Jornalist. Escritora. Cronista da ZH
Fonte:ZH online, 16/01/2011

Um comentário: