sábado, 29 de janeiro de 2011

O apelo da cultura colaborativa

REDE CRIATIVA

Projetos como o filme “Life in a Day”, que permitiu a milhares de internautas se associar a Ridley Scott, dão o tom de uma revolução na qual a internet faz as vezes de bazar culturalU ma ideia simples: e se todos filmassem um fragmento de suas vidas em um determinado dia? Com a motivação certa – a participação de dois grandes cineastas, Ridley Scott e Kevin MacDonald – e uma rede mundial de colaboradores – os usuários do YouTube –, o projeto, batizado de Life in a Day, recebeu 4,5 mil horas de filmagens do dia 24 de julho de 2010, vindas de todos os cantos do mundo.
O documentário, que teve as muitas horas de filmagem iniciais reduzidas a apenas 90 minutos, foi lançado na quinta-feira, com direito a transmissão ao vivo via YouTube. Marca um experimento histórico: o maior filme já feito com conteúdo user-generated. É você, anônimo, que captura uma parte de seu dia em vídeo. O que for atraente para você, como autor. Uma inversão de ordem intermediada pela vocação colaborativa da Web 2.0.
Joe Walker, o editor, e Kevin MacDonald, o diretor do documentário, surpreenderam-se com a resposta do público ao projeto da cápsula do tempo audiovisual:
– Originalmente, o YouTube nos disse que teríamos algo em torno de 12 mil a 15 mil clipes – diz MacDonald. – No final, ficamos com 81 mil clipes, mais 5 mil de câmeras de qualidade inferior.
O lema da iniciativa, diz o produtor executivo Ridley Scott, é o “just do it”. No vídeo em que convida os internautas a participar do projeto, ele explica que a filmagem deve ser pessoal – você pode filmar qualquer coisa, desde que tenha algum significado íntimo – e desmistifica a criação cinematográfica em três frases:
– Se você quer fazer o que eu faço, então pegue a câmera, reúna alguns amigos e faça um filme. Se você quer fazer filmes, nada deve desviá-lo de seu objetivo, nada deve tirar sua motivação. Então faça isso.
Não é só no documentário de Scott e Macdonald, no entanto, que se pode ver exemplos de colaboração virtual. É possível dizer que a representante primeira da tendência colaborativa foi a Wikipedia, que teve seus 10 anos festejados na Campus Party 2011, em São Paulo. A alcunhada “enciclopédia livre” começou com descrença mesmo dos criadores, Jimmy Wales e Larry Sanger, que acreditavam em uma abordagem mais tradicional da proposta de enciclopédia – a Nupedia, escrita somente por especialistas.
Dez anos depois, o sucesso estrondoso da Wikipedia (são cerca de 400 milhões de visitantes únicos ao mês) comprova que a internet trilha o caminho de uma revolução cultural altamente antecipada: a substituição do modelo catedral pelo modelo bazar. Os dois modelos, apresentados em ensaio de 1997 pelo hacker e ícone do movimento open source Eric S. Raymond, eram aplicados inicialmente apenas à engenharia de software. Vão, no entanto, mais longe do que isso – e ajudam a explicar iniciativas como Life in a Day, a Wikipedia e mesmo os portais de jornalismo colaborativo como o OhmyNews.
"A reunião de corpos físicos tendo
a internet como mediadora criou
talvez uma das iniciativas mais fascinantes
dos últimos tempos:
a Orquestra do YouTube."
Softwares cujo código não pode ser alterado pelo usuário são enquadrados no modelo catedral. No modelo bazar, o conteúdo pode ser revisado, alterado e aprimorado pelos usuários via internet, resultando em um produto menos passível de apresentar erros. A tese se aplica a qualquer colaboração digital: segundo Raymond, “dado um número de olhos suficiente, todos os erros são triviais”. Quanto mais mãos trabalhando, melhor o produto final.
Cultura colaborativa, porém, não diz respeito apenas a trabalho remoto. A reunião de corpos físicos tendo a internet como mediadora criou talvez uma das iniciativas mais fascinantes dos últimos tempos: a Orquestra do YouTube. Milhares de músicos enviaram vídeos em que improvisavam em cima de uma peça composta especialmente para o projeto pelo americano Mason Bates. A primeira triagem foi feita por especialistas em música representando as melhores orquestras no mundo. Os semifinalistas passaram depois pelo crivo da comunidade YouTube, que selecionou os 101 finalistas. Os músicos então rumaram a Sidney para a maratona de ensaios que acabará apenas no próximo mês de março, em apresentação transmitida mundialmente direto da Casa de Ópera. No ano passado, a Real Academia Espanhola e o YouTube colocaram em prática também a primeira leitura global de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, com a participação de mais de 2,1 mil pessoas.
O fenômeno marca também uma mudança de comportamento digital. Se, num primeiro momento, o internauta preferia simplesmente marcar sua existência, com blogs, fotografias e espaços essencialmente egocêntricos, a tendência agora é de colaborar com projetos maiores. O internauta quer dividir não só sua intimidade, mas também informação.
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* POR FERNANDA GRABAUSKA ESTUDANTE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA FAMECOS-PUCRS.
Fonte: ZH online, 29/01/2011

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