segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A morte

Tenho tendência a ler entrevistas. Não sei dizer o que me conduz por esses caminhos. Enfim , o meu blog de recortes mostra isso. Ontem comecei a ler o livro de Arthur DapieveConversa sobre o tempo - que é um diálogo com dois gurus da nossa literatura: LUIS FERNANDO VERISSIMO e ZUENIR VENTURA. Escolhi para colar no blog o tema da MORTE.
A morte não aparece no cotidiano da vida, quando se vive a vida com sonhos e objetivos a serem alcançados. Ela surge quando os sonhos voaram e não retornam para os pombais como as pombas no final da tarde do nosso poeta Raimundo Correia. Para mim é sempre um assunto instigante. Vamos ver o que os nossos escritores Fernando e Zuenir falaram sobre a MORTE.

Arthur Dapieve: É manhã. Vocês estão com a cabeça descansada. Pensei em tratar do tema da morte, da ideia de finitude, da experiência da passagem do tempo. Vocês provavelmente leram O outono do patriarca, de Garcia Márquez. Ao final do livro, o ditador de algo entre 107 e 232 anos reflete que mesmo as vidas mais longas e produtivas não servem para nada além de aprender a viver. Vocês acham que é isso? Ou aprende-se alguma outra coisa com a vida? Uma vida longa e produtiva como a de vocês.

Luis Fernando Veríssimo: A lição maior, à qual eu acho que a gente resiste, é ver o absurdo da vida. Tudo isto pra que? Pra nada, né. Agora, tudo isso tem seu valor. Mas, como lição de chegar a uma filosofia no fim da vida sobre a vida, eu acho que não serve para muita coisa, não. Sei que é uma atitude meio niilista, mas é o que eu acho. A morte é o fim de tudo, não fica nem a memória, pra gente não fica memória, não tem outra vida, não tem nenhuma consequência de ter vivido de um jeito ou de outro. Então, eu acho que a lição da vida é o absurdo da vida. Mas é uma lição à qual a gente deve resistir, não se deve sucumbir a ela. Acho que é o Camus que diz que a única questão filosófica séria é o suicídio. Quer dizer, o suicídio é quando você se dá conta do absurdo de tudo. Então, a gente deve resistir a este “se dar conta do absurdo da vida”. E viver como se a vida tivesse sentido, e você eventualmente vai levar um tipo de sabedoria, um tipo de consequência, um tipo de recompensa, vamos dizer assim.

Zuenir Ventura: O próprio suicida, o próprio Camus tem a metáfora do Sísifo.

LFV: É. A vida está sempre levando a pedra até lá em cima, e pedra volta rolando.

AD: Ela fala do absurdo e do suicídio o tempo todo. Mas no final vem um golpe, porque escreve: “É preciso imaginar Sísifo feliz.” É a última frase do livro. Uma solução Deus ex machina para a vida, ele decide.

ZV: Eu acho que é exatamente o que o Luis Fernando disse. Agora, engraçado, essa coisa que me angustia como eu acho que o angustia. Quer dizer, a gente pensa muito na finalidade, na vida como um fim. Eu acho que a gente esquece que o importante é o caminho, o meio. O que mais me preocupa, preocupa não, o que me interessa é realmente esse caminho. Eu não me coloco “o que vai ser depois?”, “o que será de minha vida?”. Porque eu acho que o que irrompe no aqui e agora é que é realmente fundamental. Eu disse que a minha grande angústia é o sofrimento, não a morte. Agora, a morte, como disse seu amigo...

AD: ... a morte não existe pra gente.

ZV: ... não existe pra gente. Como eu não acredito no além,nessas coisas... Seria terrível, você do outro lado olhando o que você perdeu. Olhando pra cá e dizendo: “pô, to perdendo esta festa, to saindo no meio da festa.”

AD: Ao menos temporariamente. Por que se você fosse para lá, os outros também iriam pra lá. E aí, de repente...

ZV: Não me aflige essa cois de sentido da vida, esse enigma que a gente não consegue decifrar, que é o absurdo. Que é realmente o absurdo. Mas eu acho que o Camus acaba resolvendo dessa maneira poética, linda, de que ao mesmo tempo é preciso imaginar o Sísifo feliz – quer dizer, carregando pedras, sem sentido, aquela coisa. Enfim, não é uma questão existencial, metafísica, pra mim não. Não mesmo.

(...)

ZV: O único absurdo da morte é que a melhor morte pra gente é aquela que você não pressente. Quer dizer, é aquela morte que a gente sonha ter, dormindo. E é a pior morte para quem fica, para os amigos. Porque você não prepara. É uma porrada, sempre. Essas perdas assim inesperadas, repentinas, são terríveis. E, na verdade, pra gente seria melhor.

(...)

ZV: Minha primeira experiência com a morte foi quando eu era bem garoto. Foi em Ponte Nova, eu devia ter uns 8, 9 anos. Foram na minha casa chamar meu pai com urgência para ir à casa de um tio. Saímos, meu primo, eu e meu pai. Eu saí assobiando, eu estava aprendendo a assobiar. E lembro que meu pai falou: “Não assobia não, porque é sério. É grave a coisa.” Quando chegamos lá era a morte de um parente. Mas aquilo – associar a morte a uma coisa triste, e você não poder ter nenhuma manifestação que pudesse ser confundida com alegria – foi chocante. Aí eu vi que a morte era uma coisa traumática. Não dava pra assobiar por ela.

AD: E naquele momento a morte lhe parecia o que? A experiência de saber que as pessoas morrem, isso lhe soava como o que?

ZV: Era algo estranho, que mudava as coisas. Mudava o humor das pessoas. Eu não tive nenhum sentimento, acho que não era muito ligado a essa pessoa. Não tive sensação da perda, apenas essa coisa estranha. Até cheguei a perguntar: “Mas por que eu não posso assobiar? Por que esta coisa é séria? E aí, quando cheguei lá, era a morte. Ficou como algo insólito, mas sem nenhuma implicação filosófica.

AD: Qual a sua primeira experiência com a morte alheia, Verissimo? Você era criança? Morreram parentes ou amigos?

LFV: Não me lembro, não. Acho que a que mais me marcou, obviamente, foi a do meu pai. Mas isso foi muitos anos depois. De infância, não me lembro. Houve a morte do meu primo-irmão Carlos Eduardo Martins. Era filho da minha tia Lucinda, que foi casada com Justino Martins. Ele era dois ou três anos mais moço do que eu, mas nós fomos muito companheiros, e ele morru num acidente de carro aqui no Rio. Isso foi um negócio terrível. Mas também não foi na infância, foi um pouquinho mais tarde.

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Da orelha do Livro:

ARTHUR DAPIEVE - Jornalista, escritor e professor de Jornalismo na PUC-Rio, nasceu no Rio de Janeiro em 3 de dezembro de 1963. Colunista do Segundo Caderno de O Globo, é autor de vários livros de ficção e não ficção, entre eles, Black music, De cada amor tu herdarás só o cinismo, Renato Russo - O trovador solitário e Morreu na Contramão: o suicídio como notícia.

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Gaúcho de Porto Alegre, nasceu em 26 de setembro de 1936. Cronista consagrado e colunista de O Globo, O Estado de São Paulo, Zero Hora e do jornal português Expresso, é dono de uma vasta obra literária que inclui livros infantojuvenis, de humor, quadrinhos, crônicas e romances publicados em mais de 15 países. Entre seus best-sellers estão: Os espiões, Borges e os orangotangos eternos, As mentiras que os homens contam, O analista de Bagé e Comédias para se ler na escola.

ZUENIR VENTURA - Jornalista e escritor premiado, nasceu em Além Paraíba, Minas Gerais, em 1º de junho de 1931. Colunista de O Globo, tem vários livros publicados no Brasil e no exterior, entre eles, 1968 - O ano que não terminou, Chico Mendes - Crime e castigo, Inveja - Mal secreto e Cidade Partida - Um retrato das causas da violência no Rio.
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Fonte: Dapieve, Arthur, Veríssimo, Luis Fernando, Ventura, Zuenir. Conversa sobre o tempo.
Ed.Agir,RJ, pp.205/225.

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