sábado, 22 de janeiro de 2011

Judeus e católicos, filhos do mesmo pai

Rabino de Roma:
judeus e católicos, filhos de um mesmo pai

Entrevista com Riccardo Di Segni

Por ocasião do Dia de diálogo judaico-cristão, realizado na Itália em 17 de janeiro, antes de iniciar a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, o rabino-chefe da comunidade judaica de Roma, Riccardo Di Segni, deu uma entrevista ao programa Cristandade, de Rai Internazionale. ZENIT apresenta sua versão em português:

Honrarás teu pai e tua mãe; mas de quem somos filhos?
Di Segni: Segundo a nossa tradição, temos dois pais biológicos, e a Tradição diz-nos que os participantes são, na verdade três: a parte divina e a parte biológica, e também pode haver partes educacionais que não são reservados aos pais. Às vezes, os pais podem ser estranhos ou até mesmo negativos em um processo educativo. Portanto, a "paternidade" ou "maternidade" são conceitos que se ampliam.

Muitos comentários dizem que do mandamento "Honrarás teu pai e tua mãe" derivam todos os outros. O que significa honrar pai e mãe?
Di Segni: Segundo a tradição, é uma relação de respeito que se estabelece nas formalidades importantes, pelas quais se deve reconhecer o progenitor como uma autoridade a ser respeitada sempre. Além disso, existe uma relação que pode se tornar uma relação de ajuda, seja ela material ou num sentido mais amplo, ao longo dos anos, quando as relações se invertem: quando pequenos, somos absolutamente dependentes dos nossos pais e, com o passar dos anos, são os pais que, de alguma forma ,dependem dos filhos. Então, neste momento, o respeito pelos pais é uma tarefa mais importante ainda.

Nas línguas semíticas, a palavra "misericordioso" que define o Onipotente, tem a mesma raiz, rachem em hebraico, rahim em árabe, que a palavra "útero" e indica a atitude da mãe que recebe a criança em seu ventre. A Bíblia compara Deus a uma mãe que não esquece seus filhos, como recordou o Papa João Paulo II. Portanto, a maternidade define a misericórdia divina?
Di Segni: Digamos que, em uma representação esquemática existe - na imagem que temos do Divino - uma parte de justiça, de severidade, e uma parte de amor. Nesta oposição, ou síntese de diferentes aspectos, pode-se dizer que, praticamente, a parte masculina representa o amor. Existe também o apoio linguístico que o confirma. Mas é a própria Bíblia que usa a expressão de que Deus tem misericórdia de nós como um Pai se compadece de seus filhos, "Rachem aw alwalim". Portanto, não há exclusividade na Misericórdia, já que não há exclusividade na justiça.

Então, o que significa ser irmãos? Os cristãos e judeus têm um pai e uma mãe em comum?
Di Segni: Toda a humanidade tem um pai e uma mãe em comum, se é que faz sentido a história da Bíblia de que a humanidade deriva de Adão e depois de Noé; tudo o que nós reconhecemos em um ancestral comum e que nenhuma pessoa pode aceitar - como dizem nossos textos - é ser superiores ao outro, porque temos uma origem comum. Neste sentido, todos os homens são irmãos. Há também três grupos de laços humanos unidos mais estreitamente, e sem dúvida a relação entre judeus e cristãos é especialmente estreita e pode ser representada pela imagem de fraternidade, com todos os altos e baixos que existem em um relacionamento fraterno.

A palavra "diálogo" pode ter um sentido forte e um fraco. Pode ser, digamos, um diálogo diplomático que não tem impacto na vida, ou um diálogo que envolve e transforma a pessoa como um todo. A relação entre o homem e Deus, na Bíblia, é muitas vezes um diálogo dramático. Como o senhor define, portanto, o diálogo entre cristãos e judeus?
Di Segni: Eu diria que é uma necessidade da qual não se pode escapar, mas a experiência é difícil, porque é necessário superar uma série de obstáculos colocados pela história, pela teologia e pela vida cotidiana. O fato de que seja difícil não nos exime de lidar com isso, tendo um mínimo de esperança e serenidade, já que disso pode sair algo positivo.

O senhor viveu as visitas de João Paulo II à Sinagoga e, no ano passado, recebeu Bento XVI. O que nos conta sobre estes encontros?
Di Segni: Foram visitas muito diferentes. Diferentes pela época e pela personalidade. A primeira foi um acontecimento importante que marcou, simbolicamente, um ponto de inflexão na história. A segunda, um evento que confirmou que esta linha de ação. Há nestes eventos... mas este último não foi um evento em que tudo funcionou de forma pacífica, houve polêmica em torno dele, e eu insisti que muito em que se realizasse, porque eu acho que nos faz sentir que, muito além do que nos divide, existem elementos comuns e obrigações comuns - e sobretudo destas últimas, de caminhar unidos, não podemos fugir.
"Vem de toda forma possível de intolerância,
que pode ser a intolerância política,
 a intolerância da ditadura ou
 também a intolerância religiosa."
Quando Bento XVI chegou à Sinagoga, fez uma parada na frente das lápides que recordam os judeus romanos deportados. O dia da Memória é uma lembrança necessária ou uma advertência atual?
Di Segni: Necessariamente ambas. O dia da Memória significa que devemos parar para refletir, entender o que aconteceu, lembrar e também - como deveriam ser todos os dias da Memória - nao permanecer no passado, mas projetar esses fatos para o futuro e, como este é um problema que incide na saúde da sociedade, é absolutamente necessário parar para refletir.

O senhor acha que a liberdade religiosa está em perigo, que a vida dos crentes é ameaçada por causa da fé?
Di Segni: Absolutamente.

De onde vem o perigo?
Di Segni: Vem de toda forma possível de intolerância, que pode ser a intolerância política, a intolerância da ditadura ou também a intolerância religiosa.

A religião, em sua opinião, é uma causa ou um pretexto para a guerra e a violência?
Di Segni: Ah, pode ser as duas coisas. Às vezes, pode ser uma desculpa fácil, mas outras vezes é a própria estrutura religiosa que é intolerante. Por que falamos de religião como se, por definição, fosse uma coisa bela? É necessário discutir a religião, sofrê-la, vê-la e melhorá-la de qualquer forma.

Quanto aos italianos que estão em contato com outras culturas, que vivem em outras partes do mundo, como eles vivem a relação entre as três grandes religiões monoteístas?
Di Segni: Viajar pelo mundo é uma grande lição para entender as diferenças. Hoje, a Itália já não é tão regionalista, a paisagem humana que captamos andando pelas ruas de qualquer cidade italiana mudou muito atualmente. Conhecer as diferenças é essencial para compreender que a humanidade não detém quem tem o rosto como o meu; devemos assumir que essas diferenças existem, e então aprender a viver juntos.
"O judaísmo vive de utopia e, portanto,
o fato de que seja uma utopia
não significa que seja algo
que não será alcançado..."

A diversidade é um perigo ou uma riqueza?
Di Segni: A diferença deve ser uma riqueza.

Estão nos vendo também em Israel. O senhor gostaria de enviar uma mensagem aos judeus italianos fizeram Aliá, que voltaram à terra de Israel?
Di Segni: Somos irmãos próximos e compartilhamos as esperanças e experiências; nós nos dirigimos a eles sempre com carinho.

O profeta Zacarias e também Isaías, se não me engano, falam de um dia em que judeus e gentios comerão juntos, nas cabanas, na festa de Sucot, que relembra a peregrinação pelo deserto. Será que esta mesa é uma utopia ou uma profecia que, de alguma forma, já existe no presente?

Di Segni: O judaísmo vive de utopia e, portanto, o fato de que seja uma utopia não significa que seja algo que não será alcançado, mas ao contrário: em nossas orações, confirmamos o conceito de que nenhuma coisa dita pela boca dos profetas deixou de realizar-se, ou seja, cedo ou tarde, isso se cumprirá. De alguma forma, alguma pequena coisa é feita, porém ainda temos muito a percorrer.

O deserto é grande ainda...
Di Segni: Sim. Mas o deserto pode ser uma situação ideal.
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Fonte: Zenit.org, 21/01/2011
Imagem da Internet

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