quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A força da memória no aprendizado

POLÊMICA NO ENSINO


A chamada decoreba, forma de aprendizado que privilegia a memória, nas últimas décadas foi relegada à condição de método ultrapassado e ineficaz em muitas escolas brasileiras.
Um estudo publicado semana passada na renomada revista Science, porém, sugere que exercícios de memorização são capazes de melhorar de maneira significativa o desempenho de estudantes. As conclusões geram controvérsia entre educadores.
Professor de Psicologia da universidade americana de Purdue, Jeffrey Karpicke (foto) selecionou 200 jovens universitários que estudaram textos científicos de duas formas diferentes. Em uma delas, procurou simular a forma mais comum de ensino, inclusive no Brasil, em que os alunos leem algo e são estimulados a fazer elaborações sobre o conteúdo que acabaram de aprender. Por exemplo: consultando os livros, escrevem em uma folha quais consideram ser os tópicos mais importantes e como eles se relacionam.
A outra estratégia foi simplesmente ler os textos, então se afastar dos livros e tentar recuperar o máximo possível de informação apenas por meio da memória. Essa atividade, que hoje é mais comum em avaliações a fim de medir o quanto o aluno já aprendeu, revelou-se um poderoso estímulo ao desempenho. Aqueles que exercitaram a memória em vez de estudar com o texto à sua frente tiveram resultado 50% superior.
Imagem da Internet
Outra surpresa é que a prática de memorização não só ajudou a fixar as informações objetivas dos textos, mas a responder questões que exigiam deduções mais complexas e cruzamento de informações. O estudo oferece uma hipótese para o fenômeno: relembrar não seria apenas resgatar informações previamente arquivadas no cérebro, mas reconstruir o que foi armazenado, reorganizando o assunto e priorizando determinados tópicos. Esse trabalho mental aumentaria o nível de compreensão sobre o tema.
Do ponto de vista pedagógico, o estudo valoriza uma ferramenta que nas últimas décadas foi condenada por muitos educadores como simples “decoreba” ou “conteudismo”. Dentro dessa tendência, mesmo avaliações oficiais como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) procuram exigir dos candidatos mais a capacidade de relacionar informações do que resgatar conhecimento por meio da memória.
Para o especialista em educação João Batista Oliveira, a pesquisa é um primeiro indício e deve ser referendada por outros experimentos semelhantes. Porém, acredita que a pedagogia atual, pouco afeita aos exercícios de memorização, carece ainda mais de sustentação científica.
– Estamos repetindo as mesmas fórmulas, sem pesquisa alguma. Não vejo contradição entre memorizar e relacionar conteúdos – avalia.
Para a educadora Esther Grossi, porém, exercícios de memória têm limites no processo educativo.
– Ninguém pode aprender a ler e a escrever por memorização, por exemplo. É preciso construir o que chamamos de um esquema de pensamento – contrapõe.
O próprio autor do trabalho, porém, considera que não há uma contradição obrigatória entre suas descobertas e os pilares teóricos de filosofias educacionais como o construtivismo – embora admita que a prática de memorização seja pouco utilizada como recurso pedagógico.
– É mais uma ferramenta – afirma Karpicke.

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Entrevista - Jeffrey Karpicke, pesquisador americano

Professor de Psicologia da Universidade de Purdue, localizada em Indiana, nos Estados Unidos, Jeffrey Karpicke se dedica a investigar a relação entre memória e aprendizagem. Na semana passada, o artigo publicado na revista Science, uma das mais respeitadas no universo científico do planeta, despertou a atenção de educadores e pesquisadores sobre o assunto. Por e-mail, o especialista concedeu a seguinte entrevista a ZH:

Zero Hora – O que o senhor considera a descoberta mais importante do trabalho?
Jeffrey Karpicke – Nossa pesquisa mostra que adotar o sistema de recuperação pela memória produz efeitos poderosos sobre o aprendizado.

Zero Hora – No Brasil, como em outros países, nos últimos anos exercícios de memorização vêm caindo em desuso. Por que esse tipo de ensino adquiriu má reputação entre diferentes acadêmicos?
Jeffrey Karpicke – Acredito que a recuperação (da memória) não se opõe a uma abordagem construtivista da aprendizagem. Nós estamos mostrando que o processo de relembrar é importante para ajudar os estudantes a construir sólidas estruturas de conhecimento conceitual.

Zero Hora – Como tem sido a resposta por parte dos educadores desde a publicação do artigo na Science?
Jeffrey Karpicke – A resposta dos educadores tem sido muito positiva. Professores são comprometidos a ajudar os seus estudantes a aprender, e eles querem usar as melhores ferramentas disponíveis. A prática da recuperação da memória é uma dessas ferramentas disponíveis.
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Aos mestres
PROFESSORES

Confira algumas das consequências práticas sugeridas pelo estudo americano:

- Como é hoje
A maior parte dos professores passa o conteúdo aos alunos e se preocupa com que eles reflitam sobre o tema recém-visto, estabeleçam relações com outras áreas, podendo fazer consultas a livros, internet ou outros recursos para aumentar a compreensão sobre o tema

- O que o estudo sugere
Depois de transmitir o conteúdo, seria mais producente estimular os alunos a fazer “testes” não destinados a medir o conhecimento já acumulado, mas com o objetivo de exercitar a memória.
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Reportagem por MARCELO GONZATTO

marcelo.gonzatto@zerohora.com.br
Fonte: ZH online, 26/01/2011

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