segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Franzen vai na contramão do pós-moderno

CRÍTICA ROMANCE
DANIEL BENEVIDES*

Nove anos após o aclamado "As Correções", autor americano lança livro que trata dos anos pós-11 de Setembro
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OS GRANDES TEMAS CONTEMPORÂNEOS
SÃO ALOCADOS NOS ESPAÇOS
DA TRAMA SUBJETIVA

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Lá se vão nove anos desde o lançamento do primeiro romance de Jonathan Franzen, "As Correções", avidamente aclamado mundialmente.
O livro propunha uma volta à literatura humanista, ao mundo interno dos personagens, povoado de sentimentos universais facilmente identificáveis pelo leitor.
Ou seja, colocava-se claramente na contracorrente do pós-modernismo e seus jogos de linguagem, teia de referências e digressões enciclopédicas.
Ganhou mil prêmios -entre eles, o National Book Award-, centenas de milhares de leitores e dividiu águas, deixando a literatura contemporânea em xeque -o espírito de Tolstói, Stendhal e Mann parecia renascer para reclamar a primazia.
"Freedom" (liberdade), o aguardado sucessor, surge na mesma direção. Se, no livro de estreia, Franzen dissecava a era Clinton nos anos 1990, através dos conflitos da família Lambert, seu cenário em "Freedom" são os anos pós-11 de Setembro, com Bush filho no poder, e os disfuncionais Berglund no centro da história.
O formato da trama é o já bem conhecido triângulo. O roqueiro Richard Katz, líder cool e desencantado das bandas Traumatics e Walnut Surprise é o melhor amigo de Walter Berglund, idealista entusiasmado e careta.
Na faculdade, ambos eram apaixonados pela bela e popular Patty, que acaba escolhendo o certinho Walter, com quem terá dois filhos: Joey e Jessica.
Katz entra em crise após finalmente chegar ao sucesso e abandona a música, desestimulado pela estupidez da unanimidade e pela nova era de consumo mais que rápido, em que as canções se perdem na memória "infinita" dos iPods.
O democrata Walter, obcecado pelo tema da superpopulação, envolve-se no projeto ambíguo de um bilionário republicano cujo objetivo é preservar uma grande área verde em que vive um pássaro ameaçado de extinção, para compensar os estragos cometidos por sua empresa exploradora de carvão. À parte o atrativo da empreitada, "combater o inimigo de dentro de suas fileiras", está também uma jovem e desejável assistente, a indiana Lalitha.
Franzen escreve com um olho no microscópio sentimental, e outro numa teleobjetiva dirigida ao contexto. Cada região íntima dos personagens parece corresponder a um pedaço da tela sóciopolítica de fundo.
Entediada, Patty flutua nas ondas do álcool e antidepressivos; o rebelde Joey sai de casa para viver com a vizinha, e acaba num inescrupuloso trabalho ligado à guerra no Iraque. Os grandes temas contemporâneos são habilmente alocados nos espaços da trama subjetiva.
Tirando poucos momentos chatos e previsíveis, tudo é descrito de maneira sensível, sem ruídos ou exageros. As cenas de sexo são naturais, num espectro que vai do constrangimento cômico à paixão violenta; o registro dos diálogos mostra bom ouvido para nuances, hesitações, intenções escondidas; a caracterização dos personagens -críveis, quase visíveis- revela seus pensamentos e desejos mais fundos.

É outro grande livro? Talvez. O curioso é que Franzen parece pouco à vontade com o barulho em torno da obra.
Tal como Katz, ficou constrangido por "Freedom" ter sido selecionado para o clube do livro da Oprah (o que diria Flaubert?). Mas o destaque no popular programa de auditório faz sentido: mesmo em toda sua complexidade e pulsão satírica, "Freedom" tem sob as páginas um (bem americano) substrato de escrúpulos, o que às vezes ameniza a acidez nas entrelinhas. O livro será lançado no Brasil pela Companhia das Letras, em meados de 2011.
FREEDOM
AUTOR Jonathan Franzen
EDITORA Farrar Straus Giroux
QUANTO US$ 13,99 (cerca de R$ 30), 560 págs.
AVALIAÇÃO ótimo
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* COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Fonte: Folha online, 13/12/2010

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