domingo, 28 de novembro de 2010

JIM COLLINS - Entrevista

A ERA DA TREMENDA INCERTEZA

Imagem da Internet

O mais rigoroso analista econômico americano diz que as turbulências vão continuar e que os empresários brasileiros são os mais preparados para sair vitoriosos da crise.
Se você só puder ouvir um único guru de negócios, ouça Jim Collins. Essa é a opinião unânime dos maiores empresários do mundo que lhe pagam 60 000 dólares por uma palestra de 45 minutos. De cada vinte convites que recebe para falar, Collins recusa dezenove. Seu escritório fica em Boulder, no estado americano da Colorado. Já publicou quatro livros. O mais recente, Como as Gigantes Caem, saiu no Brasil pela Campus-Elsevier. (...) Leva até oito anos para escrever um livro. O próximo mostra os grandes líderes empresariais estão enfrentando os tempos atuais “de tremenda, tremenda, tremenda incerteza”.

O capitalismo é sempre sinônimo de risco. O que há de peculiar nos atuais tempos de instabilidade?
Existem várias forças que contribuem para a instabilidade. O mundo está mais complexo e mais interdependente. As empresas não são as únicas forçar globalizantes. Estamos nos globalizando em vários aspectos, nos bons e nos ruins, na cultura e na doença, por exemplo. Temos ainda a marcha contínua da mudança tecnológica na medicina, na eletrônica, na bioengenharia, na computação, criando coisas que nem imaginamos. Não há nada que sugira que esse processo vá parar. Por fim, no tempo da Guerra Fria, vivíamos em um mundo perigoso, com a ameaça nuclear estável. Agora as turbulências são de múltiplas origens.

"É poderosíssim a ideia
de que ninguém pode me impedir
de abrir uma empresa
na minha garagem"

A paralisia diante do risco não explica o inigualável sucesso empresarial dos Estados Unidos, correto?
Correto. Os americanos têm qualidades extraordinárias, a mais notável delas, o arraigado espírito empreendedor. Quando eu lecionava empreendedorismo e pequenos negócios na Universidade Stanford, na Califórnia, sentia que falava coisas que caíam bem na alma dos alunos. Uma explicação para isso é que somos um país de imigrantes, de gente que deixou sua terra natal para começar do nada do outro lado do Atlântico. Minha família veio da Irlanda. A motivação de mudar de país, sem saber exatamente o que se vai encontrar e sem ter nada para recomeçar, é essencialmente empreendedora. Os imigrantes não vinham para começar uma nova empresa, mas para recomeçar toda uma vida.

O Brasil também é um país de imigrantes e, no entanto, não tem esse espírito empreendedor.
Nos Estados Unidos, a imigração somou-se a um outro fator: a facilidade com que se abre um negócio. Isso não é de hoje. Não é preciso pedir permissão para ninguém para abrir uma empresa. Ninguém poderá impedir você de acordar amanhã de manhã e resolver pegar metade de uma peça de sua casa e começar uma empresa. Em Stanford, lembro-me que Jim Gentes, fundador da Giro Sport Design, me convidou para visitar uma empresa. Peguei o endereço e fui. Era a casa dele. No quarto ficava o estoque. Na garagem, havia uma pequena linha de montagem. Ele estava fabricando novos capacetes para ciclistas e muitas lojas de bicicleta já estavam vendendo o produto. Hoje, metade do mundo usa os capacetes criados por Gentes. É poderosíssima a ideia de que ninguém pode me impedir de abrir uma empresa na minha garagem.

"O líder canaliza tudo
para a causa,
a empresa,
o país."

Se o Brasil quisesse reproduzir esse espírito empreendedor, o que deveria fazer?
Em primeiro lugar, é preciso eliminar todo obstáculo para quem quiser começar uma empresa amanhã de manhã. Não pode haver papelada, burocracia, licença, coisas que atrapalham. Claro que, mesmo nos Estados Unidos, um pequeno empresário, se tiver empregados, terá de pagar imposto sobre a folha de pagamento, entre outras obrigações, mas não terá de pedir permissão a ninguém para começar. A segunda providência é criar mecanismos que sistematizem o processo de empreendedorismo: escolas de administração, capital de risco, investidores, fundos de pesquisa. O empreendedorismo não é uma questão de personalidade. É um processo sistemático e replicável, que pode ser ensinado a qualquer pessoa que tenha disciplina. Não é coisa exclusiva de visionários ou malucos aventureiros. Empreendedorismo se ensina. Em terceiro lugar, é necessário valorizar elementos de uma cultura em que a falência honesta seja respeitada. Nos Estados Unidos, se você agir corretamente, com ética e decência não será criticado. Será elogiado por ter tentado caminhar com as próprias pernas. Celebrar a falência honesta é fundamental. Só não sei como se instiga isso numa sociedade.

(...)

Como identificar um líder?
O líder canaliza tudo para a causa, a empresa, o país. Para salvar a Xerox, Anne Mulcahy demitiu e fechou divisões que ela mesma criara. São decisões duríssimas. Como diz Darwin Smith, artífice do crescimento de Kimberly-Clark, se você tem câncer no braço, tenha coragem de cortar o braço fora.

(...)
"Fazer o iPad é como pintar
um quadro.
 É uma criação."


Quais são os maiores mitos sobre os empresários?
O primeiro mito é que são motivados principalmente pelo dinheiro. Gordon Moore e Robert Noyce, fundadores da Intel, não viviam calculando como maximizar o valor das ações. Viviam calculando como duplicar o número de componentes num chip semicondutor e produzi-lo a um custo razoável, e assim revolucionaram o mundo. Os melhores líderes empresariais se movem quase do mesmo modo que os artistas. Eles querem criar, construir algo verdadeiramente excepcional, que tenha impacto no mundo. Steve Jobs, da Apple, é um exemplo. Fazer o iPad é como pintar um quadro. É uma criação. O segundo mito é que os melhores empresários americanos são caubóis indisciplinados, franco-atiradores, que fazem apostas pesadas sem maiores reflexões, e que nossos melhores empreendedores são malucos criativos. Na verdade, eles são construtores. Disciplinados e sistemáticos. Eles canalizam a motivação inovadora e criativa na construção de uma empresa, o que multiplica seu impacto.

Os malucos criativos não vão longe?
A criatividade serva para começar, mas, se o maluco criativo não tiver um lado de construtor, de organizador, ele ficará no meio do caminho. Sam Walton, fundador do Walmart, começou com uma loja de esquina. Após sete anos, abriu uma segunda loja. Depois, mais sete. Em 25 anos, tinha centenas de lojas. Era disciplinado e sistemático. Sam Walton dizia que tinha personalidade de um promotor de vendas e de um criador, mas a alma de um operador. A habilidade de operar, de construir, de organizar um sistema é que o levou tão longe. Não se fala muito disso porque é chato, requer disciplina, paciência, esforço, mas essa é a verdadeira história do sucesso americano.

Na sua opinião, qual a melhor empresa da história do capitalismo?
Procter & Gamble ou Johnson & Johnson. Ambas têm um histórico excepcional de crescimento, criação de uma cultura própria, de evolução, e tudo durante longo tempo. A Proctor & Gamble foi fundada em 1837 e está hoje, mais de um século e meio depois, no auge. É formidável.

As empresas longevas não são um contrassenso à luz do conceito da “destruição criativa”?
É inevitável que, com o tempo, a maioria das empresas acabe falindo, mas não é necessário que isso aconteça. Pelo menos num período de 100 a 200 anos. Depois disso, não sei dizer. Nesse período, uma empresa deve infligir a destruição criativa sobre si mesma, renovando-se. E evitar que a destruição criativa seja infligida sobre ela. Mas, de um jeito ou de outro, o capitalismo avança.
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POR ANDRÉ PETRY
Reportagem completa na : Revista VEJA impressa - Páginas Amarelas, Ed.2193, nº48, 1º de dezembro de 2010.

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