quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Em 1500 por que era impossível não acreditar em Deus?

Charles Taylor*

Numa sociedade Ocidental, o Autor menciona três características do mundo deles que se pronunciava a favor da crença, tornando a pessoa de Deus aparentemente inegável:

1) O mundo natural onde viviam, o qual possuía seu lugar no cosmos que imaginavam, dava testemunho do propósito e da ação divinos. E não apenas no modo evidente como ainda podemos compreender e (pelo menos muitos de nós) perceber hoje que sua ordem e planejamento denotam a criação. Mas também porque os grandes eventos nessa ordem natural, como tempestades, secas, inundações e pragas, assim como os anos de excepcional fertilidade e florescimento eram vistos como atos de Deus, conforme a metáfora agora morta da nossa linguagem jurídica ainda testemunha.

2) Deus estava implicado na própria existência da sociedade (mas não descrito como tal – esse é um termo moderno –, mas como polis, reino, igreja ou o que for). Um reino poderia ser concebido apenas como fundado em algo mais elevado que a mera ação humana no tempo secular. E, além disso, a vida das várias associações que formavam a sociedade, as paróquias, os municípios, as guildas, e assim sucessivamente, estava entrelaçada a ritual veneração. Uma pessoa nada podia além de encontrar Deus em toda a parte.

3) As pessoas viviam num mundo “encantado”. Esta talvez não seja a melhor expressão; ela parece evocar lampejos e fadas. Mas estou evocando aqui sua negação, a expressão de Weber “desencantamento”, como uma descrição da nossa condição moderna. Este termo alcançou tal fluência em nossa discussão sobre essas questões que vou empregar seu antônimo para descrever uma característica crucial da pré-condição moderna. O mundo encantado nesse sentido é o mundo dos espíritos, dos demônios e das forças morais em que nossos ancestrais viviam.
Pessoas que vivem nesse tipo de mundo não necessariamente acreditam em Deus, certamente não no Deus de Abraão, conforme mostra a existência de incontáveis sociedades “pagãs”. Mas na perspectiva de camponeses europeus em 1500, além de todas as inevitáveis ambivalências, o Deus cristão era a derradeira garantia de que o bem triunfaria, ou pelo menos afastadas as numerosas forças das trevas.
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* Filósofo canadense de Montreal. Professor emérito de Filosofia da Universidade McGill e ganhador do Templeton Prize 2007. É autor de inúmeras obras nas áreas da filosofia política, filosofia das ciências sociais e da história da filosofia, dentre as quais As fontes do self: a construção da identidade moderna (1997), Argumentos filosóficos (2000) e Hegel e a sociedade moderna (2005) já foram editadas no Brasil por Edições Loyola.
FONTE: (Taylor, Charles. Uma Era Secular. São Leopoldo, RS. Ed. Unisinos, 2010, pp. 41/42.)
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