sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Marilena Chaui: conciliação entre rigor acadêmico e linguagem acessível

Sólida iniciação


Wilker Sousa

A filósofa Marilena Chaui acaba de lançar dois trabalhos de grande impacto para o ensino de filosofia: o segundo volume de sua Introdução à História da Filosofia, pela Companhia das Letras, e a coleção “Filosofias: o Prazer do Pensar”, pela WMF Martins Fontes, dirigida por ela e por Juvenal Savian Filho. O primeiro, esperado já há algum tempo, trata das escolas helenísticas, adotando um tipo de abordagem que dialoga com a historiografia clássica e recente.
Quanto à coleção Filosofias: o Prazer do Pensar, foram lançados os quatro primeiros volumes de uma série de temas que serão publicados ao longo de três anos. Marilena Chaui é autora do primeiro deles, Boas-vindas à Filosofia; o segundo, Argumentação: a Ferramenta do Filosofar, foi escrito por Juvenal Savian Filho; o terceiro, Corpo e Mente, por Silvana Ramos; o quarto, O Tempo, por Fernando Rey Puente.
Nesta entrevista, Marilena Chaui fala de ambos os projetos, esclarecendo suas estruturas e revelando suas motivações. Mais uma vez, ela dá provas de sua preocupação com a formação dos estudantes de filosofia e interessados em geral, bem como de sua capacidade de dirigir-se ao público com rigor e clareza.

CULT – Diante da empreitada gigantesca de escrever uma introdução à história da filosofia, a senhora teve algum temor específico?
Marilena Chaui – Não, afinal esse tem sido meu trabalho há mais de 40 anos! Mas, claro, tive e tenho muitas preocupações, seja no recorte dos períodos, seja na escolha dos principais temas e filósofos, bem como a exigência de levar em consideração interpretações sólidas e conflitantes que constituem essa disciplina filosófica, além dos trabalhos contemporâneos que formam uma bibliografia vastíssima que precisa ser examinada e selecionada.

A Companhia das Letras tem anunciado a publicação de quatro partes de sua Introdução à História da Filosofia. Se considerarmos as partes tradicionais da divisão historiográfica (Idade Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea), haverá algum período de que a senhora não pretende tratar? Aliás, o segundo volume é sobre as escolas helenísticas. Então só restariam mais duas partes?
O volume 3 tratará de aspectos gerais da filosofia grega com o advento do cristianismo, da patrística, da escolástica e da Renascença. A ênfase recairá sobre temas e por isso serão apresentados apenas alguns dos principais filósofos de cada uma dessas épocas, no interior do panorama das grandes questões de cada uma delas. O volume 4 tratará da filosofia moderna: as principais questões e os principais filósofos, no estilo dos volumes 1 e 2. No fim desse quarto volume, haverá a apresentação das principais correntes da filosofia contemporânea.

Especificamente com relação ao volume sobre as escolas helenísticas, a senhora tem alguma abordagem própria, diferente dos autores já clássicos (Bréhier, por exemplo)?
Sim. Recuso a interpretação tradicional (não só de Bréhier, mas da maioria dos historiadores) de que as filosofias helenísticas correspondem a um período de decadência e saliento sua presença decisiva em toda a filosofia posterior, além de sua presença difusa e implícita em nossa linguagem cotidiana. Dei a Lucrécio e a Cícero um lugar de destaque que eles não costumam ter nas histórias da filosofia. Enfatizei a dimensão social e política em que essas escolas se inserem.

Como foi pensada a estrutura da coleção Filosofias: o Prazer do Pensar?
Como apresentação dos grandes temas e das grandes questões que constituem o campo da filosofia, para iniciar o leitor num campo do saber dotado de especificidade. Os autores buscam conciliar uma linguagem acessível ao iniciante e o rigor conceitual exigido por uma verdadeira e sólida iniciação.

A obrigatoriedade do ensino de filosofia no ensino médio é uma decisão recente. A coleção é uma tentativa de suprir a carência de boa bibliografia voltada a essa nova demanda?
Sem dúvida. Sabemos que professores e estudantes do ensino médio não dispõem de uma ampla bibliografia de apoio e a coleção pretende ajudar a suprir essa carência. Procuramos seguir os temas e as questões propostas pelo MEC. Mas a coleção visa também a um público não escolar, isto é, pessoas que se interessam por filosofia e gostariam de ter uma iniciação nela.

A senhora é uma das raras acadêmicas que conseguem encontrar a dicção adequada para se comunicar com o grande público. Quais os desafios de tornar o conhecimento filosófico acessível sem distorcê-lo?
Merleau-Ponty sempre dizia que a filosofia não é um ídolo a ser adorado e venerado, pois ela nasce e se desenvolve para explicitar os problemas de nossa experiência cotidiana, as questões suscitadas por nossa vida individual e coletiva. Ao escrever textos de iniciação filosófica e textos para os que não estão familiarizados com a linguagem própria da filosofia, procuro fazer com que os conceitos, as ideias, os temas surjam de perguntas sobre experiências comuns a todos nós, de tal maneira que o leitor perceba que a interrogação filosófica busca criar um caminho de pensamento que conduza nossa experiência ao conhecimento de si mesma. Procuro (não sei se sou bem-sucedida ou não) fazer com que a descoberta das ideias e dos conceitos seja uma aventura ao mesmo tempo trabalhosa e prazerosa, um esforço para percorrer uma trilha em que as palavras aumentem de sentido, os pensamentos se alarguem e nos façam descobrir sempre o novo e nos tragam a alegria do conhecimento.


Introdução à História da Filosofia,
Vol. 2 – As Escolas Helenísticas
Marilena Chaui
Companhia das Letras
360 págs. – R$ 46









Boas-vindas à Filosofia
(coleção Filosofias: o Prazer do Pensar)
Marilena Chaui
WMF Martins Fontes
56 págs. – R$ 14,50



 
_____________________________________
Fonte: Revista Cult online,  Edições > 151 -08/10/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário