sábado, 25 de setembro de 2010

Por que Dilma, e já no primeiro turno

ELOÉSIO PAULO*

Imagem da Internet

Ser utopista é uma bela forma de lavar as mãos: eles só se comprometem com o melhor dos mundos possível. Deve ser com grande esperança que uma parte da classe “pensante” brasileira vê o tímido crescimento de Marina Silva nas pesquisas; não precisariam abster-se, depois de toda a campanha antiDilma, campanha na qual acreditam porque, afinal, a grande imprensa é a verdade revelada – na ausência prática de outras instituições capazes de alguma orientação. Além disso, continuam achando chique votar na mesma candidata que Caetano Veloso, aquele compositor outrora genial que se tornou um perfeccionista/saudosista magnífico cantante.
Quere saber de uma coisa? Serra nem é um mau candidato, está longe se ser o “idiota” que o destemperado Caetano disse há poucos dias. Serra, no governo, faria quase exatamente o mesmo que Dilma no plano econômico. A política social de um governo seu é que manteria a de Lula como maquiagem, mas começaria a solapá-la devagarinho por duas razões: primeiro, porque o PDSB é um partido demófobo, detesta povo; segundo, porque tem a má companhia do DEM (para não falar das outras), partido em extinção mas que, noves fora Maluf e os partidecos evangélicos, é o que há de mais retrógrado na política brasileira. São capitalistas que não conseguem admitir a mais remota distribuição de renda. Ah, sim, não podemos esquecer: o PSDB privatizaria tudo o que resta de patrimônio nacional, a precinhos bem camaradas. E Paulo Renato voltaria a ser (que horror!) ministro da Educação. De quebra, a promessa de um salário mínimo de 600 reais é apelação das mais desavergonhadas.
A direita está histérica, e isso surpreende muita gente. Nem falemos da Veja, que sempre foi assumidamente partidária (lembram-se do Stedile na capa, caracterizado como o Diabo?) A Rede Globo, que vinha fazendo de conta ter aderido ao jornalismo sério, escancarou outro dia no Jornal Nacional: 15 ou 20 minutos de noticiário editado descaradamente para prejudicar Dilma, no melhor estilo da antológica edição do debate Lula/Collor de 1989. Até a Folha de S. Paulo (já tinha tomado pito da própria “ombudswoman”) deixou cair de vez a máscara: pôs na primeira página foto de Dilma entre Zé Dirceu e Erenice, numa óbvia insinuação de que “se foi ministra da Casa Civil, é corrupta”. Sim, Paulo Henrique Amorim, desta vez o PIG (Partido da Imprensa Golpista) desfila em grande estilo na Marquês de Sapucaí da desinformação nacional.
Mas por que será que a dianteira de Dilma desgosta tanto essa turma? Será que eles morrem de amores por Serra? Não, como não morriam de amores por Fernando Collor, mas fizeram a irresponsabilidade de levá-lo à Presidência porque era impensável Lula ser presidente.
Lula tornou real o impensável fazendo-se pragmático, deixando de ser utópico. Era o único jeito, mas a consciência tranqüila dos eleitores de Marina prefere esquecer a história. Hay que meter la mano em aquello, como disse o Suplicy, o melhor político ruim de discurso que já houve. Os quase 80% cento de aprovação foram uma conquista pessoal de Lula, apesar de toda a grande imprensa, e baseiam-se no simples fato de que a vida das pessoas melhorou. Daí para a virtual vitória de Dilma no primeiro turno, é um pulinho.
Os capitalistas, muito mais beneficiados pelo governo Lula que o povo, são ingratos. Pelo menos uma parte deles, e mais especialmente o empresariado paulista – que tem o hábito de considerar-se uma realidade à parte do restante do Brasil, mentalidade que aliás se reflete no fracasso da candidatura Serra. Mais especialmente ainda, os grandes veículos de comunicação detestam a hipótese Dilma. Por que será? Que ódio tão grande é esse que os faz jogar fora seu patrimônio mais importante, a credibilidade, para tentar forçar um segundo turno?
Talvez uma das respostas seja a proposta de universalização da banda larga. Eu deixaria de assinar o provedor da Uol (pertencente à Folha) caso tivesse internet de graça proporcionada pelo governo; eu, a torcida do Flamengo, a do Corinthians e várias outras. Também a Globo tem interesses nessa área, e sabemos que Dilma – mais brizolista do que lulista – é grande entusiasta da democratização da banda larga. Será uma boa explicação? De qualquer forma, pode apostar que as razões do PIG não são a imparcialidade jornalística ou o interesse nacional.
Agora, é claro que o negócio da espionagem da Receita está errado. Mas tão errado quanto a jogada de Serra contra Roseana Sarney em 2003, que tirou a candidata maranhense de uma eleição presidencial na qual era favorita. E, pensando bem, por que tanto medo de que alguém veja o Imposto de Renda de sua filha e do genro? Erenice, a suspeita apressadamente julgada pelo PIG, abriu logo o seu sigilo. Já viram Fernando Henrique fazer isso?
É claro, também, que as práticas lobistas de Erenice e filhos – caso sejam confirmadas – são imorais. O engraçado é que ninguém da turma do Serra falava dessas coisas no governo Fernando Henrique, quando um segundo mandato presidencial foi comprado com o suborno explícito de parlamentares. De uma vez por todas: não existe governo santo, existe governo menos pior. A utopia é como o amor platônico, antes de tudo hipócrita.
Dilma vai ganhar de qualquer jeito. O PIG pode até conseguir um segundo turno, frenética e desavergonhadamente empenhado como está. Mas não terá munição suficiente para levar Serra ao Palácio do Planalto. O presidente é poderoso, e muito. Então, o que a direita conseguiria mesmo seria forçar a ampliação da aliança eleitoral de Dilma, viabilizando até mesmo a entrada de muitos antidilmistas ferrenhos no futuro governo petista. O Brasil só teria a perder com isso: já é difícil votar em Michel Temer por tabela; difícil também engolir que o pragmatismo de Lula seja tanto que nos obrigue a vê-lo cortejar (e ser cortejado) por Collor, Sarney, Hélio Costa…
Muito pior será votar em Dilma num segundo turno em que a direita estaria ainda mais infiltrada dos dois lados. É exatamente isso que ela, a direita, quer. Naturalmente, resta a opção de não votar ou lavar as mãos jogando as fichas na boazinha Marina, evangélica que não tem coragem de assumir-se como tal porque o tom de sua campanha é “descolado”. Quer um exemplo? Um programa seu, dos primeiros, dizia que “a natureza” (e não Deus) levou milhões de anos para criar o ambiente que estamos destruindo, e tal.
O cadáver da ditadura militar continua insepulto, e fede. Marco Maciel ainda perambula pelos corredores do Congresso, o espectro fanhoso de Maluf assombra nossa televisão, os Bonifácio de Andrada apresentam ao eleitor seu mais novo rebento como candidato a deputado estadual. Até quando vamos conviver com esses avantesmas?
No próximo capítulo, a bruxa Dilma será apresentada como “terrorista”. Ela pegou em armas contra os criminosos que destruíram nossas instituições democráticas em 1964, militares na vanguarda, sob as ordens do governo norte-americano. Serra também era “contra” a ditadura. Mas o que fez ele? Fugiu para o Chile.
_______________________________
* ELOÉSIO PAULO é professor da Universidade Federal de Alfenas e autor do livro Os 10 pecados de Paulo Coelho (Ed. Horizonte).
Fonte: Publicado: 25/09/2010 por Revista Espaço Acadêmico em colaborador(a), política

Nenhum comentário:

Postar um comentário