segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A crise dentro da crise.

Alain Touraine*


Imagem da Internet
Se não encontrarmos palavras que rompam o silêncio e ações
que nos tirem da paralisia, a crise será o destino do Ocidente.
A passividade e a resignação não são só consequências,
mas também causas profundas.
 
Não somos economistas, mas tentamos compreender. Vemos uma sucessão de crises – financeira, orçamentária, econômica, política... –, todas elas definidas pela incapacidade dos governos para propor outras medidas que não sejam essas denominadas "de austeridade".
Há, finalmente, uma crise cultural: a incapacidade para definir um novo modelo de desenvolvimento e de crescimento. Quando somamos todas essas crises, que já duram quatro anos, vemo-nos obrigados a nos perguntar: existem soluções ou vamos inelutavelmente rumo ao precipício, principalmente com relação a países como China ou Brasil?
Nem os economistas nem os governos aos quais aconselham conseguiram outra coisa a não ser diminuir a queda. Consideremos, pois, três crises: a financeira, a política e a cultural.
2009. A crise financeira é a que melhor conhecemos em seu desenvolvimento, incluindo sua preparação, a partir dos anos 90, mediante crises setoriais ou regionais e "bolhas" como a da Internet ou, mais tarde, escândalos como o da Enron. Tudo isso, junto com o caso Madoff e, sobretudo, o afundamento do sistema bancário em Londres e Nova York, em 2008, nos colocou à beira de uma situação excepcionalmente grave.
Então, descobrimos a existência de um segundo sistema financeiro que obtém benefícios de milhares de milhões de dólares para os diretores dos hedge funds e também para os grandes bancos e seus traders mais hábeis. Esse segundo sistema financeiro não tem nenhuma função econômica e só serve para permitir que o dinheiro produza mais dinheiro. Por que não falar aqui de especulação?
Estupor. Depois de tantos anos de fé no progresso, de resultados econômicos muito positivos e de uma multiplicidade sem precedentes de novas tecnologias, a economia ocidental revela uma busca do benefício a todo custo, uma pulsão de latrocínio e de corrupção. Graças ao presidente Obama e aos grandes países europeus, evitou-se a catástrofe. Mas, desde então, a situação não se endireitou. Foi no Reino Unido onde a catástrofe teve os efeitos mais destrutivos. Por isso, é também nesse país em que o novo governo pode impor as medidas de controle mais fortes aos bancos de fato nacionalizados.
A esquerda perdeu o poder no Reino Unido e passou a ser minoritária em uma Espanha constrangida pelas consequências da crise. A Espanha havia decidido apostar seu futuro econômico às pastas do turismo e da construção e sofreu um choque violento. Sua taxa de desemprego subiu para 20%, e os espanhóis retiraram sua confiança em Zapatero, embora sua rejeição ao PP de Rajoy é ainda mais forte. É o exemplo extremo de uma crise que, como nos demais lugares, não gera propostas econômicas nem sociais novas.
Após a catástrofe de 1929, os norte-americanos levaram Franklin D. Roosevelt ao poder, que lançou seu new deal. Em 1936, a França recuperou seu atraso social com as leis da Frente Popular. Hoje, silêncio, vazio, nada. Os países ocidentais não parecem capazes de intervir sobre sua economia. Os economistas respondem frequentemente que essas críticas não levam a lugar nenhum e que as Cassandras só agravam as coisas. É falso: Cassandra tem razão, ninguém propõe uma solução.
2010. As crises se ampliam e se tornam mais profundas. Na Europa, de forma mais visível, mas também nos Estados Unidos. O afundamento da Grécia, evitado no último momento e depois de perder muito tempo, revelou que a maioria dos países europeus, incluindo alguns do Leste, como a Hungria, estavam em plena queda. Seu déficit orçamentário retira qualquer realidade do pacto que queria limitá-lo a 3% do orçamento do Estado. A dívida pública dispara, e sabemos que a situação atual implica em uma redução do nível de vida das próximas gerações. Já nem sequer se fala de "política de recuperação", mas sim de "rigor" e de "austeridade", o que leva muitos governos a reduzir os gastos sociais. Isso pode ser visto na França, cujo governo quer uma reforma das pensões. O retrocesso do trabalho com relação ao capital na distribuição do produto nacional aumenta, assim como as desigualdades sociais.
Novamente, trata-se de uma crise política. A ausência de mobilização popular, de grandes debates, inclusive de consciência do que está em jogo, tudo isso revela uma impotência cuja única vantagem é que nos mantém afastados de efeitos, como a chegada de Hitler ao poder, da crise de 1929. Mas esse vazio parece ser cada vez mais como a causa profunda da crise assim como sua consequência.
Diante da implosão do capitalismo financeiro, os países ocidentais são incapazes de endireitar e até de analisar a situação. As populações sofrem, mas o que acontece na economia permanece à margem de sua experiência vital. A globalização da economia rompeu os laços entre economia e sociedades, e as políticas nacionais perderam quase qualquer sentido. Até os movimentos de opinião mais originais, como o Move On e o Viola, se situam em um plano mais moral do que econômico e social. O navio dos loucos ocidentais se afunda nas crises mundiais, mas a extrema direita dos tea parties norte-americanos só quer a pele de Obama, acusado de ser muçulmano, enquanto que a extrema esquerda italiana quer antes do que qualquer outra coisa a pele de Berlusconi, que merece certamente uma condenação que a oposição de esquerda não é capaz de obter propondo outro programa.
E o que vem depois de 2010? Continuamos subestimando a gravidade e o sentido do silêncio geral. É preciso mudar de escala temporal para compreender fenômenos cujo aspecto mais extraordinário é que ninguém parece ser consciente deles.
É preciso interrogar-se sobre o Ocidente. Desde meados da Idade Média, o Ocidente criou um modelo diferente a todos os demais e fez isso concentrando todos os recursos, conhecimentos, poder, dinheiro e até apoio da religião nas mãos de uma elite triunfante. Assim, criou monarquias absolutas poderosas e, depois, o grande capitalismo. Mas ao preço da exploração de todas as categorias da população, dos súditos do rei até os assalariados das empresas, e dos colonizados até as mulheres. Esse modelo ocidental se baseou também nas lutas entre Estados, que acabaram se transformando em guerras mundiais e totalitarismos que ensanguentaram a Europa.
No plano social, a evolução foi inversa. Pouco a pouco, os que estavam dominados foram se libertando à força de revoluções políticas e movimentos sociais. E os países do Ocidente conheceram algumas décadas de melhoria da vida material, de grandes reformas sociais e de uma extraordinária abundância de ideias e de obras de arte. Mas foi um verão curto, e a Europa se encontrou sem projetos, sem capacidade de mobilização e, principalmente, incapaz de elaborar um novo modo de modernização oposto ao que deu forma a seu poder e que não pode repousar senão na reconstrução e na reunificação de sociedades polarizadas durante tanto tempo.
O grande capitalismo acaba de mostrar de novo sua incapacidade de se autorregular, e o movimento operário está muito debilitado. Já não existe pensamento nas direitas no poder. A única grande tendência da direita é a xenofobia. A única grande tendência da esquerda é a busca de uma vida de consumo sem contratempos.
Não nos deixemos arrastar a uma renúncia geral à ação. Existem forças capazes de endireitar a situação. No plano econômico, a ecologia política denuncia nossa tendência ao suicídio coletivo e nos propõe o retorno aos grandes equilíbrios entre a natureza e a cultura. No plano social e cultural, o mundo feminista se opõe às contradições mortais de um mundo que continua sendo dominado pelos homens. No campo político, a ideia nova é, além do governo da maioria, a do respeito pelas minorias.
Nem nos faltam ideias, nem somos incapazes de aplicá-las. Mas estamos presos na armadilha das crises. Como falar de futuro quando o chão se abre aos nossos pés?
Mas nossa impotência econômica, política e cultural não é consequência da crise, é sua causa geral. E se não tomarmos consciência dessa realidade e se não encontrarmos as palavras que rompam o silêncio, a crise irá se aprofundar ainda mais, e o Ocidente irá perder as suas vantagens. Então, será muito tarde para tentar atenuar uma crise que já terá se convertido em destino.
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*´Sociólogo francês.
Publicada no jornal El País, 26-09-2010. A tradução da versão em espanhol é de Moisés Sbardelotto.

Fonte: IHU online, 27/09/2010

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