quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Cérebro 2.0: os efeitos da vida digital


Os jovens que nasceram dos anos 80 em diante desenvolveram
seus cérebros de forma diferente da de seus pais e avós.
Saiba como as tecnologias digitais estão transformando a mente humana

Já virou cena comum um adolescente ouvir música, assistir TV, trocar mensagens instantâneas e falar ao celular ao mesmo tempo. Mas só agora essa atitude começa a ser entendida com mais profundidade. Habituados desde criança ao conteúdo digital e à comunicação instantânea, os jovens que nasceram dos anos 80 em diante desenvolveram seus cérebros de forma diferente da de seus pais e avós.
A exposição à tecnologia presente em computadores, smartphones e videogames libera neurotransmissores e provoca alterações nas células cerebrais. Novas conexões neurais são formadas enquanto outras se enfraquecem. Embora os mais jovens sejam os mais afetados, os efeitos da vida digital são observados em todos — até em idosos, que têm seus circuitos neurais alterados ao fazer buscas na web. Já não há dúvidas de que esse processo está transformando o cérebro das pessoas num ritmo sem precedentes.
Uma das primeiras pesquisas que relacionaram o comportamento da chamada geração Y — pessoas que nasceram nos anos 80 — à tecnologia foi liderada pelo canadense Don Tapscott em 1997. Analisando entrevistas feitas com 300 jovens, Tapscott observou que aquela era a primeira geração que crescia cercada de tecnologia digital. Isso estava levando ao surgimento de uma cultura própria, em vários aspectos diferente da que tinham as gerações anteriores. “Por meio da mídia digital, a geração net vai impor sua cultura ao resto da sociedade”, escreveu ele.
É claro que muitas coisas mudaram desde que Tapscott fez sua pesquisa pioneira. Aquela geração que ele estudou se tornou adulta e começa a assumir postos de comando nas empresas. “Nós todos nos tornamos muito mais digitais”, diz ele. As pessoas agora passam mais tempo conectadas, muitas vezes por meio de smartphones.
E a web, que antes era um meio para distribuir informações, tornou-se ferramenta de colaboração. Considerando a nova situação, Tapscott, por meio da sua empresa nGenera, realizou um novo estudo neste ano. Nele, foram feitas 11 mil entrevistas com pessoas de 12 a 30 anos de idade, público que ele chama de geração n, ou net. O resultado está no livro Grown Up Digital: How the Net Generation is Changing Your World (numa tradução livre, Vida Digital: Como a Geração Net Está Mudando Seu Mundo), publicado nos Estados Unidos.
Uma das constatações de Tapscott é que a previsão de que a geração net teria forte influência no restante da sociedade está se concretizando. Para ele, a eleição presidencial americana deste ano foi uma notável demonstração do poder dos jovens e de seu talento para usar ferramentas digitais de forma criativa.
“Os jovens apoiaram amplamente o senador Obama e foram um fator crítico para o resultado da eleição. Eles usaram redes sociais como o Facebook para compartilhar informações, angariar dinheiro e organizar eventos. Usaram o YouTube para atingir milhões de eleitores. Seus microblogs no Twitter transformaram o ciclo das notícias. Os gadgets criados por eles tornaram a propaganda mais fácil. Um bom exemplo é o programa para o iPhone que listava os eventos da campanha que aconteciam nas redondezas”, diz.
Embora a maioria dos estudos sobre a geração net tenha sido feita nos Estados Unidos e na Europa, é fácil constatar que a situação no Brasil é semelhante a desses lugares. “Os brasileiros são muito avançados no uso da internet. Adotaram coisas como o orkut e o Messenger mais que as pessoas em outros países. A mesma coisa acontece com os jogos multijogadores”, avalia Pablo Zuccarino, diretor de meios digitais do Cartoon Network para a América Latina. O canal de TV acaba de reformular seu site na web tendo a geração net como alvo. “Como eles fazem outras coisas enquanto assistem TV, resolvemos oferecer jogos e ferramentas para publicar comentários e compartilhar conteúdo”, diz Zuccarino.

Multitarefas

Já em 1997, Don Tapscott adiantou que a mudança trazida pela vida digital não estava só no comportamento. Comparando a geração Y com a dos baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964), ele intuiu que havia uma transformação em curso no cérebro das pessoas. Doze anos depois, essa idéia já é bem aceita pelos neurocientistas.
“Os baby boomers cresceram assistindo a horas de televisão todas as semanas. A geração atual assiste menos TV e faz outras coisas enquanto assiste. Em vez de ser receptores passivos de vídeo, eles tomam a iniciativa. Estão lendo, organizando pensamentos e desenvolvendo estratégias”, afirma.
O resultado é que, em comparação com seus pais, os n-geners — a turma da geração n — têm habilidade superior para saltar rapidamente de uma atividade para outra e têm melhor memória de curto prazo. Essas habilidades se combinam para viabilizar uma espécie de processamento multitarefas. “Eu não consigo ouvir música enquanto trabalho. Ela me distrai. Mas, de alguma forma, eles conseguem”, diz Tapscott.

Malhação neural

Uma pesquisa recente mostrou de forma clara como a tecnologia digital afeta o cérebro humano. Uma equipe da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) fez um experimento para avaliar os efeitos das buscas online em idosos. A equipe, liderada pelo neurocientista Gary Small, recrutou voluntários na faixa de 50 a 70 anos.
Eles foram divididos em dois grupos: o dos que usavam computadores e o dos que não tinham experiência com essas máquinas. Cada um teve seu cérebro analisado por ressonância magnética enquanto realizava uma atividade que simulava buscas na web. Eram tarefas como pesquisar benefícios de comer chocolate ou planejar uma viagem a Galápagos.
Os cientistas da UCLA observaram que, entre os experientes em internet, a pesquisa na web produzia intensa atividade numa área da região frontal esquerda do cérebro, o córtex pré-frontal dorsolateral. Essa região controla a habilidade de avaliar informações complexas e tomar decisões. Nos voluntários sem familiaridade com computadores, houve pouquíssima atividade nessa área. Os cientistas pediram, então, que cada pessoa passasse uma hora por dia fazendo pesquisas na web, durante cinco dias. Depois desse período, repetiram o experimento.
Nessa segunda avaliação, os dois grupos tiveram níveis parecidos de ativação do córtex pré-frontal dorsolateral. Esse é um resultado notável. Apenas cinco horas de buscas na web foram suficientes para que o cérebro criasse novas conexões neurais. Os neurocientistas chegam a sugerir que pesquisar e comunicar-se na internet é uma maneira de pessoas idosas manterem o cérebro ativo, reduzindo a degradação que tende a vir com a idade.
As observações dos cientistas da UCLA estão em concordância com outras, feitas em centros de pesquisa ao redor do mundo. Um estudo realizado pelo neurocientista Paul Kearney na universidade neozelandesa Unitec, por exemplo, mostrou que alguns jogos de computador podem melhorar as habilidades cognitivas e a capacidade de executar múltiplas tarefas simultâneas.
Kearney descobriu que voluntários que jogavam durante oito horas por semana tinham um aumento de duas vezes e meia num índice criado para medir a capacidade multitarefa das pessoas. Outra pesquisa, feita na universidade de Rochester, no estado americano de Nova York, apontou que jogar videogames pode melhorar a visão periférica.
Com milhões de pessoas experimentando formas complexas de interação digital, os efeitos tendem a se espalhar na população. Gary Small, da UCLA, diz, em seu livro iBrain — Surviving the Technological Alteration of the Modern Mind (tradução livre: iCérebro — Sobrevivendo às Alterações Tecnológicas da Mente Moderna, escrito em parceria com sua esposa, Gigi Vorgan) que, de fato, as pesquisas confirmam que o QI médio tem crescido com o avanço da cultura digital. A habilidade de realizar tarefas simultâneas também está melhorando. Estão se aprimorando, ainda, a capacidade de concentração e a rapidez das respostas cerebrais.

O novo trabalho

É de se esperar que, com suas habilidades mentais ampliadas, a geração net seja extremamente desejada nas empresas. Ela é, mas sua integração na rotina de trabalho não é simples. “Essa turma é esperta, confiante, animada, aberta a novidades, criativa e independente — mas pode ser um desafio gerenciá-la”, afirma Don Tapscott.
Sua pesquisa mostrou que, em comparação com seus pais, quando tinham a mesma idade, os jovens da geração n acreditam muito mais em direitos trabalhistas. Muitos acham que o emprego deve se adequar às suas necessidades — não o contrário. Mais da metade diz que quer trabalhar fora do escritório. “Assim é o mundo ideal para muitos n-geners: substitua a descrição funcional por metas. Dê a eles ferramentas, liberdade e orientação para que realizem o trabalho”, diz.
Outro fato que a pesquisa da nGenera confirmou é que os n-geners não diferenciam trabalho, aprendizado e diversão. Sessenta e sete por cento dizem que trabalhar e divertir-se pode e deve ser a mesma coisa. “Tornar o ambiente de trabalho mais atraente para eles significa torná-lo mais divertido”, diz Tapscott. Isso certamente não é novidade para empresas como o Google, que se esmeram em empolgar os n-geners. Quem der uma volta no escritório do Google em São Paulo, por exemplo, vai encontrar uma área com mesa de sinuca e consoles de jogos Wii e Xbox. Como se sabe, esses não são itens comuns em empresas mais tradicionais.
O fato é que a geração net gosta de entreter-se no trabalho, algo que irrita a maioria dos patrões. Muitos n-geners acompanham notícias, trocam mensagens instantâneas e assistem a vídeos no YouTube enquanto trabalham. Em geral, vêem essas fugas como pausas virtuais para recarregar as baterias e combater o tédio. Acreditam que um intervalo de dez minutos desse tipo permite retornar ao trabalho com melhor concentração.

Overdose não!

Como ocorre com alimentos e exercícios físicos, conteúdo digital em excesso pode ser ruim para a saúde. Imagine alguém com seu celular ao alcance da mão, navegando na web pelo computador, recebendo mensagens instantâneas, acompanhando o que seus amigos estão fazendo nas redes sociais, prestando atenção ao e-mail que chega e lendo notícias por RSS.
Nesse cenário, cada vez mais corriqueiro, o cérebro entra num estado que Gary Small chama de atenção parcial contínua. A pessoa está atenta a tudo, mas não se concentra em nada. Quando alguém se habitua a essa situação, inicialmente tende a se sentir bem. A sensação de estar conectado a muitas fontes de informação eleva a auto-estima e traz satisfação.
O problema é que esse estado mental, quando mantido por longos períodos, torna-se estressante. A pessoa passa a ter dificuldades para raciocinar e tomar decisões. Isso parece estar ligado à atividade do hipocampo, estrutura no lobo temporal medial do cérebro. Pesquisadores da universidade McGill, no Canadá, descobriram que as pessoas que têm maior hipocampo são as que possuem auto-estima elevada e que se sentem no comando de suas vidas.

Estresse digital

Os estudos mostram que pessoas que permanecem muitas horas hiperconectadas começam a cometer erros bobos. Mostram-se fatigadas, distraídas e facilmente irritáveis. Gary Small chama esse estado de tecno-brain burnout, algo como exaustão de tecno-cérebro. Sob esse estresse, o cérebro envia sinais à glândula adrenal, que libera adrenalina e cortisol. Esses hormônios fazem a pessoa se sentir mais bem disposta no início.
Mas, com o tempo, os circuitos neurais do hipocampo, das amídalas cerebelosas e do córtex pré-frontal — regiões do cérebro que controlam o estado de humor e o pensamento — são alterados negativamente. O estresse passa a prejudicar a percepção e o raciocínio, além de provocar depressão. Um estudo da universidade de Harvard mostrou que esses efeitos podem ser atenuados se a pessoa tirar uma soneca de 20 a 30 minutos quando estiver estressada. Uma recuperação mais completa vem com 60 minutos de sono. Ponto para os hispânicos e sua tradicional siesta.
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REPORTAGEM POR Maurício Grego, de INFO Online 19 de janeiro de 2009

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