domingo, 22 de agosto de 2010

O Y da questão

Empresas e a nova geração ainda precisam se conhecer melhor.
 Enquanto isso, sobram queixas dos dois lados

Não é que eles estejam em pé de guerra. Mas precisam se conhecer melhor. Levantamento obtido com exclusividade pelo Estadão.edu, feito pela recrutadora Curriculum com 133 empresas, mostra um conflito latente na relação entre empregadores e a nova geração de profissionais: 35,5% dos empresários consideram ruim ou péssimo o desempenho de estagiários e trainees. Por outro lado, especialistas afirmam que as empresas não atendem às expectativas da Geração Y nem sabem lidar com o seu perfil.

O descontentamento mútuo se traduz em decepção para os recém-contratados e em dificuldade na descoberta e retenção de talentos para as empresas. “Essa geração de jovens preparados é muito mais imediatista. E isso não combina com a maioria das empresas, que não dão a atenção que eles esperam”, diz a professora de Relações Trabalhistas da ESPM Denise Delboni.

Isso ocorre apesar de o mercado para novos talentos estar em alta. Não há dados gerais sobre trainees, mas só o Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), uma das empresas que fazem a ponte entre empregadores e estudantes, contabilizou 180 mil contratos de estágios para universitários assinados no primeiro semestre, 13% a mais do que em 2009.

Na pesquisa da Curriculum, apenas 18,8% das empresas consideraram ótima ou excelente a qualificação de trainees e estagiários. Falhas na formação acadêmica estão entre as queixas, mas a maioria delas diz respeito a aspectos comportamentais, como falta de comprometimento e de pontualidade.

O preocupante para os dois lados é que a base desse comportamento considerado problemático coincide com o perfil da Geração Y. Os empregadores são, em geral, mais velhos e pertencem a uma geração anterior – a X –, que preza valores como estabilidade e a possibilidade de ascensão dentro de uma mesma corporação. Os Y, formados na era da web, têm uma relação diferente com hierarquia, horários e produtividade. Para eles, é preferível vestir a própria camisa à da empresa.



Só o consumidor. O consultor Daniel Gasparetti, da BOX 1824, agência especializada em comportamento jovem, afirma que muitas empresas têm dissecado o perfil dos Y em relação ao consumo, mas poucas olham para o seu público interno. “Elas pesquisam como o jovem compra, mas não praticam nada disso com os seus funcionários. Percebemos que a maioria deles está infeliz, acha as empresas atrasadas”, diz.

Gasparetti, de 24 anos, é um exemplo típico de Y: viciado em redes sociais, hiperativo, produz quase tudo de casa em horários que ele mesmo define. “Acho que a empresa é mais benevolente comigo do que eu próprio. Precisamos pensar em um novo modelo de produtividade, mas, como eu, cada um tem de se organizar. Porque também não é um vale-tudo.”

Para o professor de Escola de Administração da FGV João Baptista Brandão, os jovens têm encontrado dificuldades de adaptação. “O tempo todo eu vejo estudantes que não conseguem encontrar nas empresas aquilo que querem.”

É o caso da publicitária Anthonia Nanci, de 24, que já pediu demissão de uma companhia porque considerava o modelo de gestão antiquado. “Não tinha feedback, por exemplo. Isso é desestimulante”, conta Anthonia, atualmente feliz como trainee da Natura.

O problema do analista de logística Rodolfo Socrepa é outro. Aos 25 anos, prestes a pegar o diploma de Engenharia Mecatrônica, já recebeu três promoções nos seis anos em que está na montadora de caminhões Scania. Formado num curso técnico no Senai em 2004, entrou na companhia para trabalhar na linha de montagem e já foi transferido para logística. Continua inquieto. “Sinto que estou crescendo, mas não na velocidade que eu quero.”

Rodolfo se queixa da falta de visibilidade de suas ideias e projetos numa organização tão grande. “A empresa acaba não enxergando todo o meu potencial.” É na web que ele imagina seu futuro, num projeto que envolve mídias sociais e trânsito.

Dos sonhos. Não por acaso, a possibilidade de desenvolvimento profissional está entre os principais motivos da nova geração para eleger uma empresa como ideal – ao lado do ambiente de trabalho e qualidade de vida. As conclusões são de uma pesquisa da consultoria DMRH com 35 mil recém-formados, que coloca Google e Petrobrás como as empresas dos sonhos. “Muitas vezes, os anseios dos jovens não são o que os gestores sonharam para si”, afirma a presidente da DMRH, Sofia Esteves.

A questão financeira é um dos itens cujo peso muda conforme a geração. Muitos administradores ainda consideram que o melhor que a empresa tem a oferecer é um aumento salarial. Mas levantamento da recrutadora Page Personnel, também obtido com exclusividade pelo Estadão.edu, prova que isso não está no topo de prioridades dos jovens profissionais. “Eles definiram R$ 3 mil como um salário adequado e satisfatório para trainee, enquanto o mercado costuma oferecer até mais”, diz Mariângela Cifelli, da Page Personnel.

Citado por experts como exemplo de empresa que sabe captar talentos, o Grupo Odebrecht tem políticas que, segundo seus gestores, combinam com o que os jovens buscam. Segundo o vice-diretor André Amaro, a ideia é usar a Geração Y como vantagem competitiva. “Buscamos confiar nas pessoas e na capacidade de se desenvolver. Oferecemos espaço e desafio constante aos jovens.”

Na Siemens, a atenção é redobrada nos dois lados. Gestores recebem palestras para entender a cabeça dos jovens, que, por sua vez, são preparados para lidar com a ansiedade. “Nossa mensagem é tentar ver a questão como um aprendizado mútuo”, diz Lena de Medeiros, gerente de RH da Siemens.

Renato Grinberg, do portal de empregos Trabalhando.com, segue a mesma linha. “O jovem tem de pensar no que pode oferecer para a empresa, e não apenas o contrário. Já os empregadores podem tentar se adaptar um pouco mais à realidade desse novo profissional.”


‘Brasyl’. Conflitos à parte, a própria denominação Geração Y, importada dos Estados Unidos, é motivo de polêmica. Até hoje há especialistas que consideram os Y a elite da elite, pouco representativa num universo dominado pela baixa qualificação. “No País, os superpreparados, que estudaram em boas escolas e se encaixam nesse alto padrão de Geração Y, correspondem só a 30% dos que estão no ensino superior”, diz Tório Barbosa, sócio da empresa de publicidade Educa, citando dados da consultoria Hoper.

Para Gasparetti, da BOX 1824, apesar das diferenças sociais, o conceito da Geração Y é válido como perfil de comportamento. Ele acredita que os Y são um grupo mais coeso, que dita tendências, por isso atrai atenção. “Para os chamados Y bem preparados, a questão de comunidade e conexão é muito forte, o que ainda não acontece na classe C. O comportamento entre os Y é o do ‘nós podemos’, mas na classe C ainda impera o ‘eu posso’.” Segundo ele, quando essa visão de conexão amadurecer e se disseminar, haverá uma mudança radical na sociedade. “É possível que haja uma grande revolução de comportamento.”

EMPRESA DOS SONHOS

O que conta para a Geração Y na hora de escolher onde trabalhar

- Ambiente de trabalho agradável
- Qualidade de vida
- Crescimento profissional
- Boa imagem no mercado
- Desenvolvimento profissional

GERAÇÕES

Baby boomers (1946-1965)
- Como precisava produzir para recuperar a economia no pós-guerra, valoriza o trabalho
- É apegada a formalidades e valoriza a disciplina
- Dá importância a níveis hierárquicos, tanto no trabalho como na família

Geração X (1966-1978/80)
- Por sofrer com a competitividade global, trabalha mais que os baby boomers
- É a geração que começa a ter contato com a tecnologia no ambiente de trabalho
- O trabalho em excesso acaba provocando um desequilíbrio entre família e carreira

Geração Y (1978/80 - 1990/95)
- Tem afinidade com a tecnologia; vive conectada com seus grupos
- Tem necessidade de feedback (avaliação) constante dos chefes
- Valoriza a juventude, a busca pelo prazer e o culto ao corpo
- Quer crescer rápido na carreira, mas também busca qualidade de vida
- Veste a própria camisa, e não a da empresa
- É capaz de executar muitas tarefas ao mesmo tempo. É avesso a responsabilidades

Geração Z (1990/95 - hoje)
- Dá pouca importância aos valores tradicionais da sociedade
- Apelidada de ‘gamer’, é ainda mais conectada e acelerada que a Y
- Por ter mais facilidade e rapidez no acesso à informação, é menos propenso à reflexão
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Reportagem: Larissa Linder, Especial para o Estado, e Paulo Saldaña - O Estado de S. Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo online, 20/08/2010

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