segunda-feira, 21 de junho de 2010

A guerra no Afeganistão aos olhos do pelotão

David Carr*


Se alguém perguntar a qualquer americano, até aos que se opõem às guerras no Iraque e no Afeganistão, provavelmente vai ouvir que “todos apoiam as tropas”. É uma ideia adorável a de que o povo americano se importa com os soldados que vão à luta sem se preocupar com a política em si. Na maior parte do tempo, contudo, o interesse público e a compreensão do que os soldados americanos fazem pela nação continuam extremamente limitados a guerras que, na maioria das vezes, não são transmitidas pela TV, nem noticiadas. Homens e mulheres lutam, morrem e matam longe de casa, e muitos querem que continue dessa forma.

Restre po, documentário dirigido por Sebastian Junger e Tim Hetherington, que estreia na próxima sexta-feira em Los Angeles e Nova York, é um tutorial de 94 minutos sobre a vida no fio da navalha.

Especificamente as de Junger, veterano correspondente de guerra e autor de vários livros, incluindo Mar em fúria, e a de Hetherington, fotógrafo de guerra de longa data. Ambos passaram 14 meses, a partir de maio de 2007, com um pelotão de soldados americanos no Vale de Qurangal, no Afeganistão.

O filme, cujo título foi emprestado do nome de um membro do pelotão, que é morto no início do turno, evita as convenções do documentário: não há uma história de pano de fundo, nenhum trecho com especialistas para contextualizar, nenhuma ideologia subliminar ou mensagem óbvia. O espectador é lançado na guerra, com um duro golpe, e passa a morar, junto com 15 soldados do 2º Pelotão da 173ª Brigada Aérea, num posto avançado remoto chamado Restrepo.

Em termos práticos, os soldados do 2º Pelotão sobem uma montanha com muita munição, algumas pás e cavam trincheiras. Durante o dia, eles entregam comida e, às vezes, dinheiro para os habitantes locais, muitos dos quais retornam à noite para atirar neles.

– É um tipo estranho de antiparaíso – diz Junger. – Eles estavam no lugar mais violento do vale, que foi o lugar mais violento no Afeganistão: até 2007, um quinto das batalhas no país aconteceu lá.

Cheio de picos gigantes, montanhas e inimigos escondidos, o Vale de Qurangal tem má fama dentro do exército. “Todos ficam tristes por aqueles que são enviados para lá”, diz o capitão Dan Kearney no filme.

“O vale é o lugar mais fatal da Terra”, conclui.

O conflito tem sido mostrada em filmes de ficção, documentários e na TV: Guerra ao terror, sobre um esquadrão antibombas no Iraque, venceu o Oscar esse ano; Generation kill (2008), é uma minissérie produzida pela HBO; Gunner Palace (2005), é um documentário sobre uma unidade de artilharia no Iraque. Restrepo, contudo, deve ser a palavra mais assustadora entre eles, pois os soldados estão tão jogados à própria sorte, isolados e, em geral, fora do alcance do poder tecnológico do exército.

Hetherington e Junger ainda exibem marcas da época em que estavam juntos dos soldados do 2º Pelotão.

Duas semanas atrás, sentado no Central Park, vestindo shorts, Hetherington exibia cicatrizes profundas no tornozelo, onde quebrou a fíbula. O médico que o examinou depois de uma queda de uma montanha disse que não havia quebrado nada, o que era mentira: estavam a quatro horas da base e não havia forma de chegar lá exceto andando com a perna ferida.

– Aquela não foi uma boa noite – confessou, sorrindo, ao olhar para a cicatriz.

– Havia poucas escolhas, porque ninguém quer ser aquele que atrasa o pelotão e põe os outros em risco.

Junger aprendeu rapidamente que a guerra não faz distinção entre guerreiros e os que estão lá para observá-los. Numa cena capturada no filme, um veículo em que ele estava passa por um explosivo improvisado que explode debaixo do motor em vez de afetar a cabine, poupando as vidas dos homens a bordo, mas sacudindo-os. Para o sargento Brendan C. O’Byrne, um dos personagens principais do documentário, diz que o longa tem um valor prático.

– Recebi todo tipo de e-mails de famílias e esposas de soldados que dizem que o filme os ajudou a entender o motivo pelo qual seus pais, irmãos ou maridos não gostam de falar sobre o que acontece lá – observa. – Há certas partes no meio do filme que não consigo ver, elas são muito reais e poderosas.
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*THE NEW YORK TIMES
Tradução: Victor Barros

JB - Segunda-feira, 21 de Junho de 2010

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