quinta-feira, 24 de junho de 2010

Filhos da crise na Itália, os "bamboccioni" não saem da casa dos pais

Deepa Babington*

Em outros tempos, a juventude italiana ficava em casa pelo amor à macarronada caseira. Mas agora, um número crescente de jovens está morando com os pais por falta de dinheiro ou de trabalho.

Neste ano, ao mostrar um apartamento a um casal, corretores imobiliários em Roma ficaram surpresos: os jovens apareceram com um grupo de amigos e espumante. A "festa-protesto" foi ideia do casal, que marcou a visita ao apartamento, mesmo sem condições de comprá-lo.

A razão mais séria por trás do ato foi chamar a atenção ao fato de que o preço de alugar um apartamento está fora do alcance de muitos dos jovens italianos, a parcela da sociedade mais fortemente atingida pela crise economica. "Nós estávamos tentando falar sobre o fato de que muitos italianos simplesmente não têm condições de sair da casa dos pais", disse Chiara Bastianni, de 25 anos, do grupo "Fai la Valigia" (Façam suas malas), que está por trás do protesto heterodoxo. "É um tipo de provocação."

Conseguir um emprego estável sempre foi um desafio para os jovens, mas uma economia em recessão eliminou os poucos empregos disponíveis para eles.

Contatos são essenciais para conseguir um cargo público, enquanto pequenas empresas fazem contratos de curto prazo para burlar as rígidas leis trabalhistas. Após a recessão de 2008-2009, quase 60% dos italianos de 18 a 34 anos estão morando com os pais, um aumento em relação aos 49% de 1983, segundo o Istat, a agência nacional de estatísticas.

Quase um terço de italianos na faixa dos 30 anos ainda estão morando com os pais; o número triplicou desde 1983. Eles são chamados de "bamboccioni" (bebezões), os filhinhos da mamãe. Mas um número crescente deles não tem escolha.

A vontade de ficar próximo à família ficou em terceiro entre razões para morar com os pais, revela um estudo do Istat, atrás de problemas financeiros e educacionais. O percentual de jovens que desejava sair de casa dentro de três anos aumentou para 51,9%, de 45,1% em 2003.

Os jovens foram os mais afetados pela crise economica no país. Em 2009, 79% dos empregos perdidos atingiram italianos com 18-29 anos, segundo o Istat. A taxa de emprego nessa faixa caiu 44%. Para piorar, mais de dois milhões de pessoas não estudaram nem trabalharam em 2009, fazendo da Itália o país europeu com o maior número de jovens inativos.

A socióloga Chiara Saraceno diz que a tendência é preocupante para a o futuro da Itália, já que as novas gerações entram no mercado de trabalho tarde, vivem com maior insegurança no trabalho e têm menos chances de se desenvolver.

"Essa é a geração que vai carregar a carga de uma sociedade em envelhecimento, uma sociedade que está investindo muito pouco nos jovens enquanto põe os custos da crise econômica sobre eles", disse Saraceno.

Apesar de promessas do governo de mudar a legislação, não se espera muita novidade. Renato Brunetta, o Ministro de Administração Pública, foi atacado tanto pela esquerda quanto pela direita quando propôs tirar dinheiro do sistema de aposentadoria para dar € 500 mensais aos adultos que moram com os pais.

O governo da Itália é dominada por políticos idosos, que mostram pouca vontade de abrir espaço para os mais jovens. Enquanto os EUA e a Inglaterra tem líderes na faixa dos 40 anos, o governo italiano é dos mais veteranos. O primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, tem 73 anos. Seu principal aliado, Umberto Bossi, tem 69. O mundo dos negócios é igualmente geriátrico: o francês Antoine Bernheim tinha 85 anos quando foi substituído como diretor da seguradora italiana Generali por Cesare Geronzi, que, aos 75 anos, é um dos executivos mais influentes da Itália.

O sociólogo Franco Ferrarotti diz que é simples ver onde isso deixa a juventude italiana: "Eles devem aprender uma outra língua e sair do país."

"O que é realmente trágico na Itália é que a noção de família é muito forte, mas criar uma nova família é muito caro", acrescenta Ferrarotti. "Se não fosse pelos imigrantes, teríamos um crescimento populacional negativo. Isto é um lento suicídio."
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*Reuters, de Roma
Fonte: Valor Econômico online, 24/06/2010

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