quarta-feira, 23 de junho de 2010

Família: ataque filosófico

ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES*

Certas correntes filosóficas, portando conteúdos novos para os conceitos de pessoa/indivíduo, igualdade/identidade, liberdade/licitude, prazer/felicidade, colocaram a família em xeque, já que tais conceitos envolvem questões fundamentais para o homem.

Penso que qualquer sistema filosófico construído com rigor e sistemática deve estar aberto às questões supremas que se abrigam no coração dos homens. Não conheço pessoa que não se maravilhe diante da contemplação da evolução do próprio homem, da criação e de sua ordem natural.

Tal deslumbramento, que já tocava as mentes dos mais importantes filósofos gregos, provoca uma reta busca das causas primeiras e dos princípios últimos das questões primordiais do ser humano. É a pergunta socrática (século V a.C.) — “Como viver?” — que, de fato, inaugura tal tipo de investigação, no âmbito da moralidade pessoal e em tom autorreflexivo.

O papel racional do filósofo é o de guiar e educar o esforço do homem para viver com sabedoria e de indicar as nuances entre realidade e aparência, verdade e falsidade. Boa parte das filosofias contemporâneas rejeita os conceitos de sabedoria, realidade e verdade. Entende-se que, se cada pensamento depende exclusivamente do contexto cultural em que a pessoa está inserida (culturalismo, o novo nome do relativismo).

Se cada categoria se resume a uma imposição do poder em voga (modernismo), nada é real e tudo é como aparece ao indivíduo. Se o foro de escolha disto ou daquilo se resume à vontade pessoal (subjetivismo) ou se minha felicidade depende da satisfação de prazeres (hedonismo), não existem mais verdades morais e a virtude e o vício se tornam, eticamente, categorias equivalentes (niilismo).

Estas e outras perspectivas prevalecem no pensar e no agir das pessoas. E também no âmbito da família: o ataque filosófico não se impõe com a expressão “isto não pode ser considerado propriamente uma família”, mas com outra manifestação — “sua idéia de família é discriminatória, tradicional e, portanto, superada. É possível redefini-la a fim de estimular outros laços de afetividade”.

Veja-se a questão da igualdade. É um princípio político e moral que estabelece o valor do ser humano enquanto tal. Quando se recusa a condição de família a uma relação homossexual, se é acusado de negar tal princípio, porque se atribuiria menor valor do que a uma relação heterossexual.

Esta não é a intenção, ao contrário: enquanto aquela relação pode fundamentar sua unidade a partir de um acordo recíproco, nesta há um tipo diverso de comunhão, fundada na complementariedade, que pressupõe diversidade sexual. Não se faz letra morta do princípio da igualdade quando formas diversas de relação humana são consideradas de modo diferente.

No princípio da liberdade, paira outro equívoco. Ser livre não se reduz à mera ausência de limites ou ao gozo dos desejos. Uma pessoa que age segundo esta ótica certamente é menos livre que outra que aprendeu a ser crítica diante do objeto de cobiça e se esforça com sabedoria em fazer melhores opções, atuando com o domínio de si.

Os defensores daqueles postulados sugerem a ampliação da ordem familiar para a união de pessoas de mesmo sexo, relações ocasionais ou de grupo (poliamor). Poderiam argumentar que o contrário equivaleria à violação do direito de interação com o outro, segundo a própria vontade e não com base dos ditames do Estado.

Em primeiro lugar, a família é um ente natural e não foi criada por nenhuma religião, filosofia ou credo político. Segundo, se há liberdade para a formação de qualquer relacionamento humano, não se pode dizer que toda relação é uma família, sob pena de se reduzir uma estrutura antropológica objetiva a outra realidade alimentada pelo mero interesse.

No combate ao conceito de família que atende ao agrado alheio, à vontade da maioria ou mesmo à pressão setorial, urge que o filósofo retorne a uma visão realista-objetiva da antropologia e da ética. Uma guinada virtuosa que deve ser realizada sob a inspiração da recomendação que esculpia o dintel do templo de Delfos: conhece-te a ti mesmo.
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*André Gonçalves Fernandes é juiz de direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré.
Fonte: Correio Popular

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