quarta-feira, 19 de maio de 2010

Doe palavras

MARTHA MEDEIROS*

Houve um tempo em que ser in era ser moderno, significava que você estava dentro, sabia das coisas. Os outros estavam out, por fora.

Usei menos de 140 caracteres para escrever as duas frases acima. Os famosos 140 caracteres que limitam as mensagens enviadas pelo Twitter, essa febre que tomou conta do mundo, para meu espanto. A troco de que as pessoas precisam anunciar, várias vezes ao dia, o que estão pensando ou fazendo? Sei que estou na contramão de certos costumes, mas o fato de ficar de fora dessa ansiedade generalizada não me faz sentir antiga, ao contrário, me faz sentir avançada, e não estou falando de idade avançada, não aproveite a bola picando. O fato é que a única ferramenta da qual deveríamos ser dependentes é a própria cabeça, que é quem determina se somos livres ou não. Podemos contar com diversas engenhocas eletrônicas, mas não a ponto de nos tornarmos reféns delas.

Vale pra tudo. Pessoas vestem roupas que não combinam com seu peso, altura, estilo, mas, como são peças da moda, é o que basta para instalar a obrigatoriedade de usá-las. O comércio é que mais lucra com essa necessidade descontrolada de consumir o que nos apresentam como novo, e que deprime os que não conseguem fazer parte da tribo dos descolados. Mas descolados de quê? Estamos cada vez mais aderentes, grudados, embolados na vida uns dos outros, iguais a todos. Sou de uma época em que a diferença é que nos destacava.

Mas não chego a ser um caso perdido, a tia aqui sabe que Twitter e outras parafernálias podem ser úteis. Tem gente que já encontrou carro roubado e filho sumido na noite graças a alguns torpedos. Nem todos os sucintos 140 caracteres com que andamos resumindo nossos pensamentos são descartáveis. Um exemplo disso é a iniciativa tomada pelo Instituto Mário Penna, de Belo Horizonte, que trata de pacientes com câncer. Não revoluciona nada, mas ao menos dá um sentido a esse impulso de distribuir palavras. O projeto é justamente esse: Doe Palavras. Você escreve uma mensagem de apoio aos doentes e ela é veiculada nos monitores internos do hospital, para que todos possam ler. Dei uma olhada no teor dessas mensagens e, a despeito de toda a boa intenção, elas me pareceram monótonas. Criatividade não dá em árvore, sabemos. Os textos dizem sempre a mesma coisa: tenha fé, Deus está com você e blablablás que, repetidos à exaustão, perdem o efeito. Mas se você é um twitteiro criativo, entre nessa campanha enviando frases divertidas, empolgantes, inteligentes, que façam a criatura que está lá, sofrendo em cima de uma cama, sentir-se viva, dar uma risada, ter ainda mais vontade de recuperar a saúde. Ânimo não cura, mas ajuda. Frases que fujam do marasmo, versos bons, refrões de música, pensamentos filosóficos, aforismos que façam pensar. Quando o cérebro é provocado, todo o corpo responde junto.

Se o prezado leitor também é um alienígena sem twitter, pode fazer isso através do site www.doepalavras.com.br. Você estará enviando as melhores vibrações para quem realmente precisa delas. Não que a gente não queira saber o que você jantou ontem e a quantas anda a gravidez da Juliana Paes, óbvio.
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*Escritora. Colunista da ZH.
Fonte: ZH online, 19/05/2010

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