terça-feira, 25 de maio de 2010

Arminio Fraga conta o que queria saber aos 21 anos

Ex-presidente do BC recomenda estudos fora do País e
vê com bons olhos o interesse pelo serviço público


O economista Arminio Fraga, de 52 anos, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Gávea Investimentos, cresceu rodeado de médicos e por pouco não partiu para a Medicina. Segundo ele contou à seção Coisas que eu queria saber aos 21, do Estadão.edu, a opção por Economia surgiu aos poucos, "meio que por eliminação". Com doutorado pela Princeton, Fraga recomenda os estudos fora do País e vê com bons olhos o interesse de gente qualificada pelo serviço público. Confira o depoimento:

"Aos 21 anos eu fazia Economia na PUC do Rio. E foi mais ou menos aos 21, do meio para o fim do curso, que eu me encontrei com a economia propriamente - no início, eu pensava em fazer mestrado em Administração, estudar Finanças. Naquele momento, aconteceu uma mudança importante na PUC, a partir da chegada de alguns professores, como Dionísio Dias Carneiro, Rogério Werneck, Francisco Lopes (a quem Fraga sucedeu no comando do Banco Central), que também foi meu orientador de mestrado. Pelas mãos desses professores, acabei me apaixonando por economia especificamente. Fiz mestrado em Economia na própria PUC e doutorado fora, em Princeton. Isso mostra um pouco o que é o acaso na vida das pessoas. Se esse grupo de professores cujas raízes ainda estão na PUC não tivesse ido para lá, provavelmente eu teria feito um MBA depois.

A opção por Economia surgiu aos poucos, meio que por eliminação. Cresci cercado de médicos por todos os lados - meu pai, meu avô, vários dos meus tios. No Colégio Santo Inácio, no Rio, onde estudei a vida inteira, o curso colegial estava dividido em turmas na época. Eu estava na turma de Medicina e queria ser médico - ou melhor, achava que queria ser médico.

Quando foi chegando a hora do vestibular, me dei conta de que gostava da profissão, achava bonita por tudo que eu via, a paixão das pessoas que estavam perto de mim. Mas ficou claro que eu não tinha essa paixão. Foi interessante, porque eu vi o que é a vida de uma pessoa que gosta do que faz, que estuda, se dedica, sofre e comemora as coisas que acontecem. E, do outro, percebi que Medicina não era pra mim.

Aquilo me levou a procurar outro caminho. Eu gostava de matemática, de temas internacionais, estava começando a me interessar um pouco por história. Tinha desenvolvido um interesse genérico por fazer parte de alguma empresa. Tinha também na cabeça o modelo de meu pai, que era professor, trabalhava num hospital público, o hospital universitário, metade do dia e depois tinha a clínica dele. Eu gostava desse modelo de manter um pé na academia. Só não sabia muito bem em quê.

Fui para Economia pensando numa vida de executivo, mas com uma certa visão de consultoria. Acabou sendo a minha opção por ser um curso que começa com um ciclo básico bastante abrangente, onde se estuda matemática, economia, filosofia, história, antropologia, estatística. Parecia ser algo que me daria uma boa formação e surgiu como opção para quem ainda não tinha escolhido exatamente a área de interesse para trabalhar, mas conseguiu eliminar muita coisa. Àquela altura, eu já tinha concluído que não queria ser engenheiro, advogado, dentista.

Sempre busquei uma coisa que me motivasse, me entusiasmasse, eu ouvi isso sempre dos meus pais. É fundamental fazer as coisas que se gosta. Se você quiser trabalhar com algo pelo resto da vida, é mais importante fazer o que gosta do que o que vai gerar a maior renda, ou vai dar mais prestígio.

Comecei a trabalhar cedo. No segundo semestre, tinha acabado de fazer 19 anos, fui trabalhar na Atlântica Boavista Seguros, que na época era a maior do Brasil. Trabalhei lá um ano, foi uma experiência muito boa. Tinha uma vida social normal, de uma pessoa dessa idade. Na PUC eu não fiz parte do movimento estudantil em tempo integral, mas participava de uma coisa ou outra. Depois acabei sendo o orador da minha turma.

Aquela geração foi o fim de uma era mais pesada do regime militar, no início de distensão. E os diretórios da PUC tinham um movimento bastante aguerrido, realizavam uns eventos, eu ia a alguns. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, passou por lá, numa palestra, e foi um grande evento. Mas nunca fui, vamos dizer, dirigente.

Na minha casa sempre se falou sobre estudar fora. Sempre tive isso como objetivo: estudar no Brasil, para fincar raízes aqui, criar amizades, conhecer, e depois fazer uma especialização no exterior, para ter uma experiência de vida, chegar mais perto da fronteira do conhecimento. Fui a terceira geração a fazer isso pelo lado do meu pai. Depois de formado em Medicina, meu avô, nascido pobre no interior da Bahia, acabou ganhando uma das primeiras bolsas de estudo da Fundação Rockefeller e passou dois anos nos Estados Unidos. Mais tarde meu pai se formou em Medicina e foi fazer residência nos EUA. Nesse período conheceu minha mãe, americana, casou e a trouxe para cá.

Estudar fora é algo que recomendo fortemente. Acho que quem pode, é bom aluno, consegue se qualificar, certamente vale a pena. Eu fui como bolsista do CNPq, foi uma experiência única. Em Princeton foi uma imersão total no ambiente acadêmico. Dei aula quase todo o tempo de minha vida e leio muito, acompanho muito as coisas até hoje. Recomendo aos jovens que nunca parem de estudar! Não sou um produtor acadêmico ativo, mas certamente sou um consumidor da produção acadêmica no mundo da economia, das finanças.

Estudar fora é algo que recomendo fortemente.
 Acho que quem pode,
é bom aluno,
consegue se qualificar,
certamente vale a pena.

A incerteza que a maioria das pessoas vive aos 21 faz com que acabem passando por um processo de tentativa e erro. Cada um tem o seu caminho. A questão é identificar esse caminho e correr atrás. A dificuldade para uma pessoa de 21 anos é que as consequências do caminho, na maioria dos casos, não estão tão claras. Eu teria estudado mais matemática, se soubesse aonde iria parar. Mas tem um momento para tudo.

Uma coisa da qual eu não me arrependo é, na partida, ter deixado algumas opções em aberto. É sempre arriscado, porque assim você deixa de se aprofundar. Economia dá uma boa formação geral, tem um lado humanista também, de as pessoas se sentirem inseridas no mundo. Aí, numa segunda etapa, o curso permite se especializar, estudar marketing, finanças, estratégia, gestão, caminhar para o mundo da diplomacia, o mundo do governo, para organizações sem fins lucrativos - que são um mundo fascinante e tendem a crescer.

Olhando para trás, outra coisa que fiz com muito gosto na vida é que, quando tive chance de ir para o governo, eu fui. Foi uma experiência fundamental na minha vida, que acabei repetindo duas vezes. É uma situação em que a gente pode trabalhar com objetivos diferentes daqueles da iniciativa privada, onde se aprende muito também.

É com muita satisfação que eu vejo hoje aqui no Rio, onde moro, tanto no governo quanto na prefeitura, o tanto de gente jovem, de boa formação, procurando uma posição no governo. É um sinal muito importante de que as coisas aqui estão melhorando, depois de um longo inverno.

É muito importante para um país atrair os seus melhores talentos para a vida pública, de maneira permanente ou na base de uma colaboração mais pontual. Não é uma via de mão única: as pessoas enriquecem suas experiências, entendem melhor como as coisas funcionam. Acredito muito que esta geração vai modernizar o serviço público. Vejo com entusiasmo jovens me procurando para falar sobre isso, até me dando a chance de passar a visão positiva que eu tenho sobre o assunto."
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Fonte: Estadão online, 25/05/2010

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