quarta-feira, 28 de abril de 2010

Política e ressentimento

J. B. Libanio *

O ressentimento azeda a política pelos dois lados de quem se ressente e de quem age por ressentimento. Ele fere de fora e de dentro. Alguém não tem clareza sobre seu eu e uma palavra vinda a esmo o machuca. A falta de autoconhecimento peca pelo lado da vaidade que estende o eu para além da verdade. Alguém se imagina mais do que de fato é. Qualquer toque da verdade, fere-o.

A tradição cristã conhece a virtude da humildade. Ela serviu, infelizmente, muitas vezes, de ocasião de chacota. Em vez de transparência, ela prestou-se para ocultar inferioridade, mediocridade. Nada disso se chama humildade. A sua base primeira vem da consciência de sermos dom no singular de Alguém maior do que nós. E os dons no plural irradiam-se dessa fonte original. E quanto mais eles inundarem outros de bem, mais revelam a origem primeira.

A humildade não diminui a dignidade de ninguém. Pelo contrário, firma a pessoa na certeza de que possui um dom inalienável e que nenhuma palavra tola de fora afeta. Defende-nos do ressentimento. Ela equilibra os dois polos da verdade. Nem vaidade, nem vergonha. Dignidade.

Os gregos conheceram na política o exercício das virtudes. Parece que entre nós tal afirmação soa cafona. Falar de virtude para um político tem sabor de sermão moralista de padre. E, no entanto, sem virtude(s) não existe política digna desse nome. A defesa contra o ressentimento não vem da psicologia nem da arrogância pessoal, mas da consciência de que todos vivemos sob o olhar bondoso e criador de um Deus amor.

O ressentimento envenena ainda mais a política quando ele move à ação. Lamentavelmente parte da publicidade tem agido de um lado e de outro movida pelo ressentimento. Um mínimo de inteligência crítica percebe o azedume escondido em manchetes e frases. Ela aposta na ingenuidade e incultura das pessoas. Se lhes prezasse a dignidade aproximaria mais da realidade, da verdade, da honestidade dos juízos, abdicando-se do ressentimento amargo.

A verdade liberta. Não a da matemática ou da física, mas a que brota do seio mesmo de Deus. Verdade significa coerência com o projeto criador de Deus que viu que tudo que criara era bom. Esquecemos essa bondade radical da criação e ainda maior da recriação em Cristo, para perder-nos nas lamas do pecado, na expulsão do paraíso. Olvidamos a promessa de que um descendente da mulher esmagará a cabeça da serpente. Ele já veio e já a esmagou.

E nesses dias passados celebramos a vitória da vida sobre a morte. Se a visão cristã informasse mais o quadro da política caminharíamos por estradas pavimentadas pela justiça, pela honestidade, pelo reconhecimento do bem. Onde houver uma migalha de beleza, de bondade e de verdade, seja nas próprias hostes como nas dos adversários, aí se semeia a esperança. E, por outro lado, a corrupção, o suborno, o abuso dos meios de convencimento retratram a noite de nossa maldade. Que a luz vença as trevas!
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* Padre jesuíta, escritor e teólogo. Ensina na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte, e é vice-pároco em Vespasiano
http://www.jblibanio.com.br/
Fonte: Adital, 27/04/2010

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