sexta-feira, 30 de abril de 2010

Em 'Bandidos', Hobsbawm analisa o banditismo social

Fabio Silvestre Cardoso*

RIO - Eric Hobsbawm tem uma tese. Para ser mais exato, uma visão de mundo. Disso sabe todo interessado em história que, nos últimos anos, tem acompanhado os lançamentos editoriais nessa área. E não só. Os planos de ensino dos cursos de história, ciências sociais e mesmo da área de comunicação social têm Hobsbawm como autor elementar, fundamental, sem o qual não é possível discutir a trajetória da humanidade com base em sua perspectiva, agora já clássica, a respeito do que ele classifica como Era das Revoluções, Era do Capital e Era dos Impérios. Sobre o século 20, a análise é categórica: ele foi breve. E toda essa leitura se fundamenta, entre outras, na ideia de que o capitalismo modificou, de maneira incontestável, a vida cotidiana, influenciando o modo de vida na esfera pública e privada, acirrando, assim, a luta de classes. Nesse sentido, é possível compreender o interesse do autor em propor uma análise histórica sobre o banditismo social, conforme se lê em Bandidos, obra que é relançada pela Paz e Terra.

Para estudar de que maneira se constitui o banditismo social, Hobsbawm começa por resgatar a origem da palavra bandido. O historiador ensina que o termo tem sua origem no italiano bandito, que, em síntese, significa banido. Não surpreende, reflete o autor, que boa parte dos proscritos tenha investido na gatunagem. o autor ainda investiga outras origens, como a dos bandoleros que viviam na Catalunha e também dos shiftas, da África, além de citar, brevemente, a relação dos bandidos com a queda frequente das dinastias na China. Em pé de igualdade a outros textos do historiador, este também se destaca pela capacidade de Hobsbawm tornar a análise interessante mesmo para o leitor que, a princípio, desconhece as minúcias do banditismo.

Essa abordagem tem um propósito direto, a saber: construir argumentos convincentes para que a ideia central seja irrefutável. E tal irrefutabilidade acontece de forma natural, pois Hobsbawm tece a narrativa de maneira a seduzir o interlocutor pela clareza de sua linha de raciocínio, a ponto de, em determinados casos, o leitor considerar natural a existência desse grupo social. Dessa maneira, segundo as palavras do autor, existe um elemento que sedimenta (e, por conseguinte, justifica) o banditismo, que é a defesa dos fracos contra os fortes. Hobsbawm é competente ao utilizar o argumento para arrematar sua tese acerca do banditismo. Uma vez feito isso, o caminho está traçado para o autor descrever, com os exemplos, como se dá a disputa entre os fracos e os fortes.

Tal linha de raciocínio ganha forma, corpo e força no segundo capítulo, quando Hobsbawm se propõe a especificar o significado do banditismo social. Para tanto, o autor não analisa apenas um tipo de bandido e, de início, rejeita o lugar-comum de qualificar todos os fora-da-lei como inimigos da ordem estabelecida e do Estado. Nas entrelinhas, há uma razão evidente para isso. De um lado, existe a necessidade de se estabelecer um recorte metodológico. De outro, e esse é o mais forte, o autor se esquiva de chancelar ações perpetradas por terroristas e entende o banditismo social “como um dos fenômenos sociais mais universais da história”. A razão de ser do bandido social baseia-se, conforme sugere a análise do historiador, na luta por justiça, sendo, por isso, visto como herói libertador por algumas camadas da sociedade camponesa. É dessa maneira que o bandido social se distancia do ladrão comum, que vê os mais simples como alvos fáceis. Para Hobsbawm, o bandido social não seria capaz de se apossar da colheita dos camponeses, porém não hesitaria em tomar para si a terra do senhor ou do Estado. Aqui, a análise do autor faz um estágio na seara da ideologia política – cabe menção ao padre Cícero e a Lampião. O historiador resgata o relato de que o primeiro teria concedido credenciais oficiais ao segundo.

Adiante, e sem abandonar a premissa ideológica, o historiador procura entender o ambiente que cerca a formação do bandido, isto é, quais são os elementos que forjam não apenas o caráter revolucionário, mas, sobretudo, a indignação capaz de torná-lo insurgente com o status quo. Nesse ponto, o autor não poderia ser mais claro ao salientar, já no início do capítulo, que “o banditismo é a liberdade, mas numa sociedade camponesa poucos podem ser livres”. Hobsbawm entende que o banditismo é, portanto, composto por indivíduos que estão à margem da sociedade rural organizada e, por esse motivo, são levados aos delitos. Novamente, a argumentação faz dessas premissas um dado natural da realidade, quando, em verdade, trata-se de uma sofisticada construção textual fundamentada nos preceitos teóricos da análise marxista.

Assim, mesmo que aceite Robin Hood apenas como mito, é certo que o autor defende essa imagem, emprestando-a para conceber a ideia do “bandido nobre”, como é o caso de Jesse James, que, segundo consta “jamais roubou pregadores, viúvas, órfãos ou ex-confederados. Além disso, diz-se dele ter sido batista devoto, que dava aulas numa escola de canto da igreja”. Talvez o grande acerto do historiador neste ensaio seja a hipótese de que, depois de morto, o “bom bandido” ganhe nova estatura moral, a ponto de ser cultuado, o que explica certa deificação em torno do mito. No caso, quem vai atribuir a qualificação ao personagem (se herói ou bandido), evidentemente, é a linhagem política de quem propõe a análise. Para além de factual, trata-se de uma leitura ideológica.

Para o bem ou para o mal, Bandidos é um livro que não trai as expectativas do leitor acostumado à perspectiva marxista de Eric Hobsbawm. Ao aprofundar o debate acerca dos integrados e marginalizados, o autor propõe uma interpretação que, em alguns momentos, torna-se bastante viável e até mesmo convincente. Todavia, uma análise menos apaixonada e, em certa medida, menos comprometida com certo esquema ideológico, colocaria os pingos nos is. Afinal, tomando como pedra fundamental a análise do historiador, seria possível justificar atos criminosos desde que estejam sujeitos ao alinhamento político – e nem sempre a história absolverá os criminosos.
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* Fabio Silvestre Cardoso é jornalista
Fonte: Jornal do Brasil online - Cad. Idéias & Livros  - 23/04/2010

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