quinta-feira, 18 de março de 2010

Síntese revisitada

PAULO SKAF*
Quando O Capital, do filósofo e economista alemão Karl Marx, chegou às livrarias, em 1867, consolidando os conceitos do socialismo, que batiam de frente com o liberalismo da Revolução Industrial em curso, criou-se a maior bipolarização ideológica, política e econômica de toda a história. A discussão dividiu o mundo, converteu-se na guerra fria, alimentou a corrida armamentista nuclear e colocou em risco a sobrevivência da humanidade. Dois conflitos mundiais, Coreia, Vietnã, Afeganistão, crash de 1929, implosão dos meios de produção das nações comunistas, queda do muro de Berlim, crise mundial do subprime...

Resta a pergunta: que lições tirar de tamanha saga? Felizmente, há respostas. A primeira vem da extinta União Soviética, das nações signatárias do Pacto de Varsóvia e de nossa América Latina: ditadura, não! Os regimes totalitários, ¾ comunistas ou capitalistas ¾, foram um desserviço, não conseguiram transformar as respectivas teses socioeconômicas em desenvolvimento e, de quebra, deixaram um legado de violência e rancor.

A segunda resposta brota das recentes memórias do comunismo: não se pode tirar do ser humano o direito à liberdade de sonhar, ser diferente, prosperar à custa de seu talento e esforço, dar conforto aos seus familiares e acumular bens resultantes de seu trabalho. Mais duas lições advêm do duro cotidiano, no século passado, dos povos do Leste Europeu, Cuba e China (que acaba de tornar-se maior exportador do mundo): o clamor e o glamour adolescente das revoluções armadas e a truculência estatal não são capazes de manter o proletariado no poder, à medida que acabam criando as castas dos tutelados e dos déspotas, reeditando as relações de suserania da Idade Média; e é impossível revogar as leis de mercado. Oferta, procura e poder de compra definem a produção e o seu valor.

O liberalismo tem-nos, igualmente, ensinado instigantes lições. A primeira delas é que não se pode manter contingentes populacionais alijados dos direitos básicos da cidadania, do consumo e do acesso a uma vida digna. A exclusão, conforme já transitou em julgado no tribunal da realidade, gera violência, dificulta o crescimento sustentado e fere a ética existencial do homem. Portanto, cabe ao capitalismo socializar os benefícios da economia de mercado.

Outro aprendizado: as crises de 29 e de 2008/2009 mostram que para cada ativo é preciso haver limites seguros para derivativos. Não é possível forjar riquezas sem lastro. É vital estruturar governança corporativa coerente com cinco elementos: controle, caixa, custos, processo e risco. É preciso administrar, responsavelmente, o fluxo de receitas e despesas, ter foco no negócio, baratear e tornar mais eficientes os processos, além de diminuir riscos. Tudo o que faltou para impedir a recente crise, uma das mais graves desde que o economista e filósofo escocês Adam Smith, em 1776, publicou A riqueza das nações, cunhando os princípios do liberalismo.

Felizmente, a humanidade parece estar aprendendo com esse secular exercício de tentativa e erro. Escolheu a democracia como regime político e se define, aos poucos, por um capitalismo no qual os trabalhadores devem ter mais acesso aos benefícios do capital. A tese prevalente é a de que saúde, educação, moradia segura e salubre, cultura e lazer são direitos inalienáveis de todos. Em consequência, os avanços são claros nesse processo, como demonstram a inclusão de milhões de pessoas no mercado de consumo e a recente ascensão da classe C no Brasil.

Essa nova visão também está na chamada responsabilidade social praticada pelas empresas e instituições do Terceiro Setor. Também corrigimos, ao menos nas teses, a prática distorcida, do Leste e do Ocidente, de produzir sem preservar o meio ambiente.

Antes até de O Capital, Marx e o filósofo alemão Friedrich Engels redefiniram os conceitos clássicos de tese e antítese para apontar os gargalos do capitalismo à luz de sua dialética materialista. Acertaram nos diagnósticos sobre exclusão e justiça social. Erraram, conforme mostrou a História, na síntese, que, segundo eles, seria a solução da fome do mundo, por meio da revolução do proletariado e do comunismo.

A humanidade, entretanto, dá aos pensadores uma ajuda póstuma, com sua capacidade de errar e acertar. Estamos formulando uma nova síntese: a economia de mercado é o meio de a civilização globalizada ser próspera, socialmente justa, equilibrada e feliz. Tratemos, então, de viabilizar esse avanço do pensamento universal!
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*Paulo Skaf é presidente da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp).
Fonte: Correio Popular online, 18/03/2010

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