domingo, 14 de março de 2010

Judiciário

Cartografia de critérios dos juízes

Anuário mostra que 60% dos magistrados levam em conta faces sociais e econômicas nas decisões

Marco Aurélio Mello, do STF, diz que há casos em que a visão de conjunto é essencial


Tão imprevisível quanto acertar um palpite sobre quem saírá vencedor de um clássico do futebol, como Flamengo e Vasco, que duelam neste fim de semana, é antecipar o resultado de um julgamento nos tribunais do país. O que se passa dentro da cabeça de um juiz? Essa é uma pergunta que muitos fazem antes das imprevisíveis sessões das Cortes. Em busca de tentar entender mais sobre o que os juízes levam em consideração ao julgar, o Anuário da Justiça 2010 fez um levantamento, que mostra aspectos que os ministros dos tribunais superiores ponderam ao analisarem seus processos.

Todos, é claro, são unânimes quanto à necessidade e obrigação de respeitar as leis e a Constituição. Os dados do anuário, porém, mostram que seis em cada 10 membros dos principais tribunais levam em conta em suas decisões aspectos sociais, econômicos e de governabilidade. Dentre os 75 ministros ouvidos na pesquisa, 46 responderam que observam esses aspectos. Quatorze disseram que apenas aplicam as leis de maneira técnica e outros 15 não se manifestaram.

Ao Correio, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que há casos em que o juiz precisa ter “uma visão do conjunto” da sociedade para tomar a decisão mais coerente. Ele ponderou, no entanto, que, em primeiro lugar, deve ser observada a legislação. “Exercemos uma atividade sempre vinculada, não ao poder, mas à ordem jurídica. Claro que apreciamos o contexto, os fatos, a repercussão, mas sem desprezar a ordem jurídica”, frisou. “A segurança está justamente nisso. Quem legisla não julga, e quem julga não legista.”

Para exemplificar os parâmetros pelos quais os magistrados se baseiam, Marco Aurélio citou a análise do mandado de segurança em que o Partido da República pedia o mandato do deputado Clodovil Hernandes, que morreu no ano passado. Por unanimidade, na sessão de quinta, os ministros definiram que o cargo deve ficar com o PTC, partido pelo qual Clodovil foi eleito em 2006, e não no PR, legenda do deputado na época em que faleceu. “Os ministros Ayres Britto e Ellen Gracie chegaram a expor que o mais justo seria assumir o suplente do PR, mas isso não está na legislação. O código eleitoral diz que o mandato pertence à legenda pela qual o candidato foi eleito”, detalhou.

Por outro lado, Marco Aurélio diz que a experiência faz a diferença ao analisar casos conflitantes. “Como juiz desde 1978, quando me defronto com conflito de interesses, idealizo segundo a minha experiência humanística a solução mais justa.” Em casos extremos, a Justiça fica de saia justa quando tem de optar entre respeitar a prerrogativa do Executivo de aplicar seu orçamento na área de saúde ou garantir o direito constitucional de o cidadão ter acesso à saúde. Vez ou outra o Judiciário se depara com casos de doentes que pedem ao Estado medicamentos de alto custo.

“O Estado não pode tripudiar em cima do cidadão”, afirmou Marco Aurélio. Opinião semelhante tem a ministra Nancy Andrighi, do STJ. “A aplicação da letra fria da lei pode conduzir a enormes injustiças sociais e econômicas”, afirmou, em depoimento publicado no anuário.
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Reportagem: Diego Abreu
Fonte: Correio Braziliense online, 14/03/2010

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