quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Qual a grande transformação?

LEONARDO BOFF*
Não sou membro do PT, mas um cidadão que se interessa pelos destinos do nosso País nos últimos sete anos moldados pelo governo Lula.

A campanha eleitoral se iniciará oficialmente dentro de pouco. Há o grande risco de que predomine um espírito menor, diria quase infantil, de uma campanha plebiscitária entre os feitos do governo de FHC e daquele de Lula. Seria a disputa tola entre o ontem e o anteontem ou entre o atrasado e o velho, como preferem alguns ecologistas. Pois ambos os contentores, na relação desenvolvimento e natureza, manejam o mesmo paradigma, sob severa crítica mundial, por conter o veneno que pode nos matar. Isso só serviria para distrair os eleitores dos verdadeiros problemas que o Brasil e o mundo irão enfrentar.

Uma disputa eleitoral séria, à altura da fase planetária da humanidade e da importância fundamental do Brasil dentro dela, não deveria estar voltada para o passado a ser continuado, mas, sim, para o futuro a ser construído coletivamente. Quem apresenta o melhor projeto de Brasil para o nosso povo e em sua relação para com a nascente sociedade mundial? Que contribuição essencial podemos dar face aos cenários dramáticos que se desenham no horizonte?

Permito-me apresentar três sugestões para animar a discussão interna do PT. O lema do encontro nacional — “A Grande Transformação” — nos remete Karl Polanyi com o clássico livro do mesmo título (1944) no qual mostra como a sociedade virou uma sociedade de mercado, transformando tudo em mercadoria. Não será essa a “Grande Transformação” pensada pelo PT. Para que seja outra coisa, o partido deve assumir seriamente esse fato irrecusável: a Terra mudou porque já estamos dentro do aquecimento global. A roda não pode mais ser parada, apenas diminuir-lhe a velocidade. Se o termômetro da Terra subir para mais de dois graus Celsius, nos próximos decênios, como previstos pelos melhores centro de pesquisa, enfrentaremos, no Brasil e no mundo, a tribulação da desolação. Muitos projetos já concluídos do PAC poderão ser anulados. Não incluir em todos os planejamentos esse dado é mostrar falta de inteligência prática e irresponsabilidade histórica. Do contrário, teremos que aceitar a maldição de nossos filhos e filhas e de nossos netos e netas.

Outro dado não menos perturbador é: a insustentabilidade do sistema Terra. A partir de 23 de setembro de 2008, ficamos sabendo que o planeta Terra ultrapassou em 30% sua capacidade de repor os bens e serviços necessários para a vida. Estamos consumindo hoje o que precisaremos amanhã. Se quisermos universalizar o nível de consumo das classes médias mundiais, incluídos os 80 milhões de brasileiros, precisaríamos já agora de três Terras iguais a esta. Este modelo de crescimento, como parece subjacente ao PAC, mostra a sua inviabilidade a médio e a longo prazo. Não é que deixemos de produzir. Devemos produzir, mas dentro de um outro paradigma menos depredador do sistema Terra, com um acordo de respeito à suportabilidade de cada ecossistema e com uma ampla inclusão social, imbuídos todos de uma ética do cuidado, da responsabilidade universal e da busca do bem viver para todos.

Por fim, o PT precisa se conscientizar do fato de que o Brasil é, seguramente, o país-chave para o equilíbrio do planeta. Ele é a potência das águas, o detentor das maiores florestas, as grandes sequestradoras de dióxido de carbono e reguladoras dos climas, com imensa biodiversidade e vastas terras agricultáveis, podendo ser a mesa posta para as fomes do mundo inteiro, com capacidade incomparável de gerar energias alternativas e com um povo altamente criativo, que fez um ensaio civilizatório dos mais significativos, não imperialista e com uma visão encantada do mundo que lhe permite, no meio das contradições, celebrar suas festas, torcer por seus times e dançar seus Carnavais, características essas decisivas para conferir um rosto humano à mundialização em curso.

O futuro passa por nós. Não percebê-lo, por ignorância ou distração, é não escutar os apelos da mãe Terra e é defraudar seus filhos e filhas, nossos irmãos e irmãs, que apenas pedem singelamente para viver com decência.
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*Leonardo Boff é teólogo.
Fonte: Correio Popular, 17/02/2010

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