segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

À nossa volta

Tarcisio Padilha Junior*





A estratégia moderna consiste em fatiar os temas que transcendem o poder do homem em tarefas menores – por exemplo, a substituição da luta contra a morte inevitável pelo tratamento eficaz de muitas doenças evitáveis.
A velocidade da mudança dá um golpe decisivo no valor da durabilidade. A ideia de valor permanente, imune ao fluxo do tempo, parece não ter fundamento na experiência humana. O antigo ou de longa duração se torna sinônimo de fora de moda, ultrapassado, algo que sobreviveu à sua utilidade, e, portanto, está destinado a terminar em breve numa pilha de lixo.
Quando comparada ao tempo de vida dos objetos que servem à existência humana e às instituições que a estruturam, a vida humana parece ter hoje a maior expectativa de duração.
Na verdade, a vida humana parece ser a única entidade com expectativa crescente de duração, e não em rápido processo de encurtamento. Há cada vez menos coisas à nossa volta – excetuando aquelas que são recortadas da vida quotidiana – que tenham visto o tempo anterior ao nascimento do indivíduo.
Concentramos as nossas atenções e nossas energias em tarefas de acordo com o nosso alcance, a nossa competência e capacidade de consumo. As coisas devem estar prontas para consumo imediato. As tarefas devem produzir resultados antes que a atenção se desvie para outros esforços. Os assuntos devem gerar frutos antes que o entusiasmo por eles termine.
A história moderna é um esforço contínuo para afastar os limites do que pode ser mudado à vontade pelos seres humanos e aperfeiçoado para melhor se adequar às necessidades e desejos destes. Se no passado a arte da vida consistia principalmente em encontrar os meios adequados para atingir determinados fins, agora se trata de testar, um após o outro, todos os fins que se possam atingir com a ajuda dos meios que se possui ou que estão ao alcance.
Não vivemos o fim da história, nem tampouco o princípio do fim. Estamos no limiar de uma grande transformação. Que formas institucionais essa transformação efetivamente produzirá é difícil conjeturar: a história não pode ser realmente objeto de uma aposta antecipada.
É bastante improvável que qualquer modelo com base em um único fator seja capaz de dar conta da complexidade do mundo em que vivemos e abranger a totalidade da experiência humana.
A força da sociedade moderna sobre os indivíduos se baseia agora em sua atitude evasiva, na imprevisibilidade desorientadora de seus movimentos e na habilidade com que desafia expectativas e volta atrás em suas promessas – declaradas sem rodeios ou engenhosamente insinuadas.
Na vida moderna, os relacionamentos tendem a ser o foco da mais aguda ambivalência: o preço da companhia que todos nós ardentemente desejamos é invariavelmente o abandono, pelo menos parcial, da independência, não importa o quanto possamos desejar aquela sem este.
Hoje, expostos às facilidades da tecnologia eletrônica, perdemos a habilidade de nos engajar em interações espontâneas com pessoas reais. Escrevemos mensagens no celular para escapar de interações complexas e difíceis de abandonar com pessoas reais que estão à nossa volta.
*Tarcisio Padilha Junior é engenheiro.
Fonte Jornal do Brasil -  27/12/2009

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