segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Juventude - Uma geração "nem-nem"


Pesquisa detalha o cotidiano de jovens que
não trabalham,
não estudam e
vivem seu impasse diante das incertezas do futuro


Às 10h, eles mal acabaram de acordar; às 14h, sentam à mesa para saborear a comidinha da mamãe; no fim da tarde, estão na lan house mais próxima; e lá pelas 22h se produzem para encarar a balada sem hora para terminar. No meio dessa maratona, ainda encontram tempo para perambular por shoppings, encontrar os amigos, ficar horas falando ao celular ou de olhos grudados no videogame.

Quem imagina que esses prazeres preenchem um fim de semana normal de um jovem que estuda ou trabalha de segunda a sexta-feira está muito enganado. A rotina faz parte do cotidiano de cerca de 1,2 milhão de brasileiros na faixa etária de 18 a 24 anos, cujas vidas são marcadas pela total ausência na escola e no mercado profissional.

Apelidada pelos especialistas em comportamento de geração nem-nem, essa turma cresce e aparece nas pesquisas do IBGE como aquela que nem trabalha nem estuda e tampouco participa das tarefas domésticas. No Brasil, ele representa 5,9% dos jovens.

Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, há exemplos de garotos e garotas com esse perfil em todas as camadas sociais — dos bairros nobres aos aglomerados — e juntos eles somam 5,6% da população de 18 a 24 anos. Em extremo contraste, há outros jovens que enfrentam o dia a dia com coragem suficiente para acordar cedo, batalhar por uma vaga na universidade, bater ponto em empresas e ainda colaborar com as despesas da casa.

Em todo o país, 20,5% deles suam a camisa para conciliar a rotina diária de trabalho e estudo - índice praticamente igual ao de Minas e ao da Grande BH, que têm 21,2%. Não assumir responsabilidades e passar dias na maior moleza é uma opção em que muitos jovens arriscam apostar justamente na fase mais produtiva da vida. Mas nesse grupo também há aqueles para os quais a falta de compromissos não é uma escolha.

Sem oportunidades no mercado de trabalho, dinheiro para custear os estudos ou vagas em universidades públicas, alguns lutam para manter a força de vontade e não desanimar diante dos obstáculos. “A apatia juvenil deve ser analisada sem preconceitos. Quem não se propõe a fazer nada, seja trabalhar ou estudar, merece ser tratado do ponto de vista psicológico, porque, certamente, a sensação de fracasso é muito grande para ele. Muitas vezes, a família deposita expectativa nos adolescentes e eles têm dificuldade de corresponder. Noutros casos, os pais não conseguem fazer cobranças na medida certa ou impor limites aos filhos”, diz o psicólogo Bernardo Monteiro de Castro, que coordenou recentemente a pesquisa Comportamentos e fatores de risco e proteção na adolescência e juventude.
Na balada

Intitulando-se um “vasp”, sigla usada por adolescentes para abreviar “vagabundo anônimo sustentado pelo pai”, Bruno (nome fictício), de 18 anos, morador do Bairro Vera Cruz, na Região Leste da capital mineira, prefere não mostrar o rosto, embora assuma, sem nenhuma vergonha, ter trocado a escola pelas noitadas regadas a muito embalo. “Parei de estudar na 8ª série (do ensino fundamental) porque comecei a sair à noite e ficava com preguiça demais de acordar cedo”, conta ele, que deixou a escola em meados do ano passado e não alimenta mais sonhos de voltar.

A paixão pelas roupas de marca, tênis importados e acessórios da moda levou Bruno a tentar uma vaga de office-boy no início do ano, mas o entusiasmo com o emprego durou pouco e ele desistiu dois meses depois.

“O trabalho é muito pesado e o salário não era dos melhores. Quero ter uma vida boa, um serviço legal, ganhar muito dinheiro e não depender mais de ninguém na vida. Meus pais cobram muito e é uma briga atrás da outra.” Ele conta com o apoio e a cumplicidade da mãe. “Minha mãe fala demais na minha cabeça e, às vezes, até me ofende dizendo para eu criar vergonha na cara. Mas, no fim, ela sempre me dá um dinheiro para comprar roupas e sair à noite”, diz.

Enquanto Bruno só pensa em aproveitar cada instante do presente, Luiz Otávio Avelar, de 23, investe em uma rotina bem diferente para apostar no futuro. Morador do Bairro Riacho das Pedras, em Contagem, na Grande BH, aluno do curso de gestão comercial e recentemente promovido a comprador de uma rede de supermercados, ele engrossa a estatística dos 20,5% dos brasileiros que trabalham e estudam. “Trabalhei em lava a jato, operadora de xerox e como assistente de almoxarifado. Quando terminei os estudos, fiquei três anos tentando vestibulares e juntando dinheiro para entrar na faculdade. As dificuldades aparecem na vida de todo mundo, mas a diferença é que algumas pessoas desistem”, resume Luiz.

E quando crescer?

O que você vai ser quando crescer? A pergunta, mil vezes repetida para crianças de todas as idades, ainda ecoa na cabeça de adolescentes e jovens adultos que, mesmo depois de crescidos, não conseguem resposta para questão tão desafiadora. A dificuldade de planejar o futuro, de traçar metas e de desenhar perspectivas de vida pode ser, segundo especialistas em comportamento, a principal razão para o desinteresse de uma considerável parcela da juventude pela escola, pelo trabalho e pelos compromissos domésticos e sociais.

“As exigências estão cada vez mais intensas e o mercado busca pessoas sempre competentes. A reação de cada indivíduo a essa cobrança depende da sua estrutura de personalidade. Alguns correm atrás da capacitação e outros partem para o hedonismo, ou seja, vivem centrados no prazer. Com isso, fogem de todo tipo de obrigação e não pensam no futuro e nas consequências a médio e a longo prazo para curtir só o presente.

Aí estamos diante de um sujeito que não assume compromissos externos, com a escola ou o trabalho, e nem consigo mesmo, já que não se preocupa com que adulto vai se tornar amanhã”, afirma a professora do Instituto de Psicologia da PUC Minas e especialista em orientação vocacional, Mariza Tavares Lima.

Descruzar os braços e encontrar um caminho a ser seguido na vida depende, segundo a especialista, da força de vontade e da determinação dos jovens. Sem uma receita milagrosa para acabar de vez com a inércia de alguns garotos e garotas, Mariza dá um conselho importante: “É preciso ter clareza de onde se quer chegar. Rascunhar um futuro e batalhar para chegar lá”.

Tropeços

A dica é seguida à risca por Jonathan Marcelo Cardoso, de 18 anos, que tenta vencer alguns tropeços agarrando-se a uma paixão, a música. Depois de abandonar os estudos, em 2008, no meio do 1º ano do ensino médio, o adolescente se entregou a uma rotina descompromissada com os amigos.

Mas agora, dizendo-se cansado de “bater perna à toa pela Savassi” - em uma referência à região de Belo Horizonte que concentra alguns dos points da moda para a juventude - e de gastar tempo “viajando na internet”, ele pensa em retomar os estudos para conquistar vaga numa faculdade de música.

“Faltei tanto às aulas que tomei bomba por frequência. Aí, desisti da escola e passei a fazer só o que gosto, que é compor rap, cantar em bandas de rock com uns amigos e baixar sons na internet. Mas agora resolvi que quero dar certo na música e vou começar a correr atrás da minha carreira”, conta Jonathan, acrescentando que prometeu à mãe se rematricular no colégio no ano que vem.

Para a professora Mariza Lima, os pais têm um papel determinante no estímulo e incentivo dos jovens que precisam deixar de vez a “geração nem-nem”. Segundo a psicóloga, é fundamental que as crianças e os adolescentes entendam que fazem parte de um grupo e que cada indivíduo tem de assumir uma função nessa equipe.

“A família é o primeiro grupo com quem a pessoa se relaciona e, ali dentro, cada um tem um papel. Por isso, os pais precisam delegar funções e se fazer respeitar. Além disso, é salutar aprender a dizer \'não\'. O ideal é pensar que você está negando algo ao seu filho agora para ajudá-lo no futuro. Quem só ouve \'sim\' sofre muito quando precisa encarar a realidade.”

Análise da notícia

Pesquisa detalhada

No início deste mês, técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) fizeram uma análise detalhada dos dados da pesquisa do IBGE, entre eles a dos jovens de 18 a 24 anos que declararam não se ocupar de atividades formais no dia a dia, sejam elas ligadas a estudo, trabalho ou afazeres domésticos. Segundo os especialistas, essa população apresenta problemas ou dificuldades no período de transição escola-trabalho, já que é esperado do jovem a inserção no sistema de ensino e, depois da fase escolar, a entrada “quase imediata” no mercado profissional. Num comunicado oficial divulgado pelo Ipea, os pesquisadores concluem que trata-se de “uma passagem interrompida, na qual o jovem nem estuda nem trabalha e causa imenso desconforto para os formuladores de políticas, para si próprio e para seus familiares”. O instituto ainda alerta para a importância de analisar o papel social do jovem e os vínculos institucionais. Diante dos dados da ociosidade juvenil - vivida por 1,2 milhão de pessoas com idade entre 18 e 24 anos -, os pesquisadores redobram os cuidados com o assunto. “O entendimento dessa fase como um momento de singularidade, com vínculos sociais e integração, para além da escola e do mercado de trabalho, é essencial para que o poder público possa, de fato, acolher a temática dos jovens, não enquanto fase da vida de passagem, mas fase da vida por si”, diz o relatório do Ipea.(GT)

As muitas faces da juventude


@ 5,9% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos não trabalham, não estudam e não ajudam nas tarefas domésticas. A ociosidade juvenil atinge mais de 1,2 milhão de pessoas no Brasil. Em Minas, esse grupo soma 4,6% e, na Grande Belo Horizonte, 5,6%.

@ Em 2008, a inatividade era maior no sexo masculino, com 943.675 homens que não trabalhavam, não estudavam e não ajudavam em afazeres domésticos no país. Entre as mulheres na mesma situação, o número era de 301.591.

@ No extremo oposto, 20,5% dos jovens suam a camisa para conciliar a rotina diária de trabalho e estudo. Em Minas e na Grande BH, são 21,2%.

@ A ociosidade juvenil aparece num quadro de melhoria da distribuição de renda, embora permaneçam grandes os níveis de desigualdade. Em 1998, 27,3% das pessoas com até 17 anos viviam em famílias em situação de extrema pobreza, com renda familiar per capita de até um quarto do salário mínimo. Em 2008, essa proporção caiu para 18,5%.

@ Os indicadores também apontam a redução da população brasileira mais jovem. Em 1998, as crianças de até 6 anos representavam 13,2% da população. Em 2008, elas passaram a 10,2% da população. Menos da metade da população (43,2%) estava na faixa de até 24 anos, o que coloca o Brasil entre os países em processo de envelhecimento.

@ A pesquisa se baseou na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE), em que 391 mil pessoas foram ouvidas em 150 mil domicílios brasileiros, em 2008.

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Curso abandonado no meio

Força de vontade atropelada pelas dificuldades da vida. Desde o início de 2009, Letícia Máximo Fonseca, de 21 anos, faz parte do grupo dos 1,2 milhão de jovens brasileiros com idade entre 18 e 24 anos que não trabalham e não estudam, segundo levantamento feito pelo IBGE. Mas a rotina de passar horas e horas à frente do computador, deitada no sofá assistindo à TV ou no shopping com as amigas, que parece leve e descompromissada, é na verdade um peso para a garota que foi obrigada, por problemas financeiros, a abrir mão do sonho de se formar em medicina veterinária.

“Foi muito frustrante ter de deixar a faculdade. Tenho medo de ficar velha sem ser ninguém na vida”, conta. A história de Letícia revela uma face cruel da realidade dos jovens que integram a “geração nem-nem” e, segundo especialistas, acende o sinal de alerta para a falta de políticas públicas eficientes para a juventude. Na busca por dinheiro para bancar a mensalidade de quase R$ 1,5 mil da faculdade, Letícia procurou emprego em diversas áreas e horários, mas se cansou de ouvir “não”.

Braços cruzados

“Minhas aulas eram das 8h às 17h e eu não consegui trabalho. Também tentei bolsa de estudos, mas não arranjei nenhuma porque sempre frequentei colégios particulares. No início, fiquei muito triste e confesso que cruzei um pouco os braços. Vou deixar passar este resto de ano e, em 2010, tento começar tudo de novo”, planeja a jovem, que apesar de não esconder o desânimo, pretende fazer concurso público. Além do ombro sempre amigo, a mãe de Letícia, a dona de casa Mariza Máximo Vieira, de 49, oferece apoio incondicional à filha. Mas ver a jovem desocupada e sem maiores perspectivas para o futuro a faz sofrer com uma velha pergunta: “Onde foi que eu errei?”

“Infelizmente, ficamos chateados quando ela teve de deixar a faculdade. Mas acho que ela tinha que ter um outro ideal e brigar por ele. Queria que a Letícia corresse atrás de um outro curso ou de uma ocupação, mas essa é uma idade em que os jovens ficam meio perdidos. Nunca fui de pressionar muito e, às vezes, penso se não deveria ter pegado mais no pé e cobrado mais”, questiona-se Mariza.

Reportagem de Glória Tupinambás
FONTE: Correio Braziliense online, 14/12/2009

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