segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Liçôes de Olavo Bilac

Deonísio da Slva*

Olavo Bilac ainda não é bem compreendido. O modernismo revelou grandes autores, mas apagou outros.

Ele foi o grande nome literário de nossa belle époque, que durou quase meio século. O naufrágio do Titanic e a eclosão da Primeira Guerra Mundial anunciam o fim daqueles bons tempos.

Era um mundo gentil sob muitos aspectos. A orquestra tocando, homens cedendo os salva-vidas para mulheres e crianças, demonstram que havia educação, predominando as boas maneiras. Hoje, músicos, mulheres e crianças seriam abandonados enquanto os marmanjos disputariam a socos e pontapés, ou a facadas e tiros, os botes.

A vida tinha ficado mais leve, mais gostosa de ser vivida. No período foram inventados o telefone, o telégrafo sem fio, o cinema, a bicicleta, o automóvel, o avião etc. Esses inventos levaram a novas percepções da realidade.

Hoje, famílias abastadas ou apenas remediadas fazem dos EUA, especialmente de Nova York ou da Flórida, as suas cidades referenciais da vida chique, mas na belle époque predominava a França, especialmente Paris. Ir a Paris ao menos uma vez por ano era quase uma obrigação para nossas elites, que assim mostravam estar em dia com a cultura do mundo. Não nos esqueçamos de que Santos Dumont inventou o avião em Paris, financiado pelo pai, que lhe deu meios de lá morar, estudar, pesquisar, inventar. E a glória vem quando voa ao redor da Torre Eiffel.

No período, Olavo Bilac não era cultuado apenas como escritor, mas também como personalidade que tinha um projeto nacional e não perdia oportunidade de manifestar-se para defendê-lo. Foi dele a ideia de instituir o serviço militar obrigatório e o livro didático, meios que tornaram a escola e o exército mais eficientes na ascensão social dos pobres.

No Hino à Bandeira, ele exalta o compromisso cívico e a grande esperança de um futuro melhor: “Contemplando o teu vulto sagrado,/ Compreendemos o nosso dever,/ E o Brasil por seus filhos amado,/ Poderoso e feliz há de ser”.

Em Benedicite!, soneto cujo título em latim quer dizer bendizei, eis suas bênçãos: “Bendito o que na terra o fogo fez, e o teto/ E o que uniu à charrua o boi paciente e amigo;/E o que encontrou a enxada; e o que do chão abjeto,/ Fez aos beijos do sol, o ouro brotar, do trigo”. Ele bendiz, portanto, o trabalho do agricultor, o avanço cultural que o levou a tirar do chão o sustento, usando nova tecnologia. Não mais apenas a enxada, para “aos beijos do sol” fazer “o ouro brotar do trigo”, mas a charrua, instrumento puxado pelo “boi paciente e amigo”, que ajudava o homem a lavrar a terra.

E como “nem só de pão vive o homem”, como dizem os Evangelhos, o poeta bendisse também o ferreiro, o arquiteto, o tecelão, isto é, aqueles profissionais que ferravam os cavalos, produziam ferramentas e armas; faziam casas; produziam os tecidos para as roupas; os carpinteiros, os marceneiros, os pedreiros, os navegadores, o inventor do avião, o professor e o escritor, o assistente social.

Essas louvações vão sendo feitas com várias figuras da linguagem, uma das quais é a elipse, pois ele não nomeia explicitamente esses profissionais: “E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto/ Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;/ E o que os fios urdiu e o que achou o alfabeto;/ E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo”.

Na última estrofe do soneto, ele exalta quem “descobriu a Esperança, a divina mentira,/ Dando ao homem o dom de suportar o mundo”.

Às vezes exagerava no otimismo, como em A pátria, em que diz: “Boa terra! Jamais negou a quem trabalha/ O pão que mata a fome, o teto que agasalha”. Como ler estes versos hoje aos meninos de rua? E continuou: “Quem com o seu suor a fecunda e umedece,/ Vê pago o seu esforço, e é feliz e enriquece!”.

Nossas letras têm muitos autores que apresentam verdadeiros projetos nacionais de esperança, mas a mídia os esconde e prefere louvar os pessimistas, os minimalistas, os que fazem sucessivas viagens ao redor do próprio umbigo a cada novo livro, exaltando o pessimismo e um mundo sem esperança.
*Deonísio da Silva é escritor e professor da Universidade Estácio de Sá. Seus livros mais recentes são De onde vêm as palavras e o romance Goethe e Barrabás, ambos pela editora Novo Século.
FONTE:  Jornal do Brasil online -  30/11/2009

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